sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Inclusão Digital - entrevista de Soninha para a Revista Rede - fonte: http://www.tid.org.br

" Não se pode falar em trabalho, cultura, lazer, participação política e cidadã, sem considerar o mundo digital, as informações e articulações possíveis pela internet. A rede é um instrumento de transformação. "


Por Revista ARede

Mais gente para mexer na panela do poder - Vereadora Soninha

A vontade de transformar a sociedade é o fio que costura as muitas (muitas mesmo) iniciativas da vereadora Sônia Francine, a Soninha (PT/SP), nas áreas de educação, cidadania, democratização dos meios de comunicação e da produção cultural, meio ambiente, inclusão digital e software livre (todos os micros do seu gabinete rodam em plataforma aberta).

Ela é responsável pelo projeto que institui o programa de Educação Comunitária, já sancionado pela prefeitura, e também pelo que cria o Conselho Municipal de Inclusão Digital e os Conselhos Gestores dos Telecentros. Está presente em várias Comissões da Câmara: da Mulher, da Juventude, na Comissão de Constuição e Justiça, e na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a exploração de trabalho escravo com imigrantes bolivianos em São Paulo.

Acredita que uma das funções do vereador é aproximar o cidadão da política. E identifica dois canais importantes para ampliar a participação social nas decisões do poder – os conselhos, que são fóruns para debater políticas públicas; e a internet. Segundo Soninha, a conjugação desses canais conseguiu, por exemplo, levar à periferia da zona sul de São Paulo uma vaca da Cow Parade - evento internacional que, entre setembro e novembro, instalou pelas ruas da cidade esculturas de vacas, pintadas e projetadas por diferentes artistas.

Outro sinal concreto da força de intervenção política da rede, diz ela, foi a sua eleição, com uma campanha concentrada no uso de e-mail, site e blog. As pessoas davam risada. Mas ela não liga: “a internet tem sim a capacidade de mexer na panela”, diz a vereadora, eleita com 50.989 votos.

Verônica Couto
ARede – Os Conselhos Gestores dos Telecentros e o Conselho Municipal de Inclusão Digital serão implantados?

Soninha – O projeto foi aprovado em duas votações. Entre uma e outra, soubemos que o Sérgio Kobayashi, secretário municipal de Comunicação, daria parecer contrário. Não para o Conselho Gestor dos Telecentros, com o qual está de acordo, mas para o Conselho Municipal de Inclusão Digital. Porque, do seu ponto de vista, submeter as decisões da prefeitura a um conselho poderia atrapalhar o ritmo do projeto.

ARede – E não há, de fato, esse risco?

Soninha – A gente precisa admitir que há. Eu tenho pavor de assembleísmo: você cria um conselho, um fórum, um comitê, um conselho gestor, um grupo de trabalho. É compreensível esse temor, porque as decisões precisam ser rápidas na adminstração pública. Por trás disso, contudo, a preocupação do secretário era outra. Por exemplo, ele teme que o Conselho Municipal de Inclusão Digital seja mais um fórum em defesa do software livre.

Embora tenha se comprometido publicamente a não tirar o software livre dos telecentros onde já está implantado, Kobayashi quer ter o direito de abrir novas unidades com software proprietário. Argumenta que o suporte para a plataforma aberta é caro. O que deveria ser mais uma razão para formar gente capaz de mexer em software livre, uma mão de obra competitiva. Outra questão do secretário envolve as doações. Ele pergunta: se Microsoft doa um telecentro, com 20 máquinas, dá para recusar? O que é melhor, ter um telecentro com 20 máquinas com Windows ou não ter telecentro? Ele realmente acredita nisso, e avalia que o Conselho Municipal seria mais uma trincheira. Mas o conselho é paritário (com membros da prefeitura e da sociedade), e pode até se que seus representantes, contra minha vontade, preferissem ter telecentro com software proprietário, se o preço de não ter é um telecentro a menos. Para isso serve um conselho, para ser um fórum de discussão.

Outro argumento do secretário é que, com o Conselho, as pessoas vão pensar que a prefeitura tem a obrigação de fazer telecentro. E é isso mesmo. Trata-se de um item novo e fundamental da pauta de política pública, uma necessidade básica: educação, cultura, esporte, lazer e inclusão digital. É claro que a prefeitura tem que fazer. Além disso, os telecentros são apenas uma das ações de inclusão digital. O conselho poderia indicar outras, como incentivos fiscais para a iniciativa privada fazer cibercafés. O secretário já deu parecer contrário ao Conselho de Inclusão Digital, mas afirmou que não vai fazer dessa questão um cavalo de batalha. Por isso, nosso próximo passo será conversar com o Gilberto Natalini, titular da Secretaria de Participação e Parcerias, para a qual está sendo deslocada a responsabilidade pelos telecentros. Só depois desse encontro, teremos uma expectativa de prazo para a implantação dos conselhos.

ARede – Por que um Conselho de Inclusão Digital? Melhor ser capaz de buscar informações do que estudar mitocôndrias.

Soninha – Não se pode falar em trabalho, cultura, lazer, participação política e cidadã, sem considerar o mundo digital, as informações e articulações possíveis pela internet. A rede é um instrumento de transformação. Tem a capacidade de mudar a vida de uma pessoa e dá a ela a possibilidade de interferir sobre muitas coisas. O contato que você pode ter com governos e mídias, a pressão que você exerce num veículo de comunicação, da sua casa, com seu e-mail, é sensacional. E é também mais um argumento do quanto o vestibular faz mal à sociedade. O vestibular é nocivo, primeiramente, pela maneira como seleciona as pessoas. Não tem cabimento o que se exige de um candidato à faculdade de Cinema, de Jornalismo, de História. Eu passei no vestibular e fiz Cinema na USP, mas não me conformava em ter que estudar tabela periódica, mitocôndrias. Talvez outra pessoa tivesse muito mais talento, potencial e capacidade para o curso do que eu, mas não sabia das mitocôndrias. E o vestibular também é nocivo porque condiciona toda a educação para esse objetivo. Ou seja, você fornece conteúdo para as pessoas, e elas devem saber devolvê-lo numa determinada formulação. É a contramão da história. Mesmo que esse conteúdo fosse relevante – cinema para cinema, história da arte, semiótica -, não é assim que a vida funciona atualmente.

Você não precisa receber conteúdo pronto, mas, sim, aprender a procurar, selecionar, avaliar, comparar e utilizar a informação. Isso que todo mundo com acesso à internet faz o tempo todo. Deveríamos estar formando pessoas capazes de buscar e selecionar informação, o que poderia ser feito num telecentro, ou no seu Computador Popular – Deus queira que esse negócio vingue. Hoje em dia, entre os objetos de desejo já estão a televisão, o CD player – na favela, as pessoas compram o sistema de som em 80 prestações nas Casas Bahia, e com disqueteira de seis CDs, mas ainda não o computador. E é legal que surja esse tesão pelo computador. Tem que ter telecentro e também computador em casa. A idéia de inclusão digital revela o quanto o nosso sistema educacional é medieval.

ARede – Nessa direção, explique um pouco o Programa Municipal de Educação Comunitária.

Soninha – Ele parte do princípio de que as escolas devem ser abertas à comunidade, para benefício de ambos. Não basta abrir a quadra no sábado para jogar bola. A idéia é ter, além da escola aberta para uso da quadra e da biblioteca, outras atividades dirigidas à comunidade; e atividades externas para que os alunos conheçam, interfiram, critiquem e estudem o seu entorno. O objetivo é promover esse intercâmbio e buscar a participação da comunidade nas atividades letivas, nas regras, e porquês da escola. A expressão escola aberta já se tornou um chavão, que os governos propõem para valer ou para inglês ver – casos que se resumem a deixar usar a quadra. Mesmo quando é uma política para valer, sincera, depende muito do interesse do diretor, do coordenador pedagógico ou de um professor que compre essa briga. Por isso, o Projeto de Lei cria oficialmente, em cada escola, a figura do educador comunitário. Esses educadores passam por um curso de extensão universitária com 120 horas, que foi criado pela Secretaria Municipal de Educação, este ano, em parceria com a USP Leste e com a ONG Cidade Escola Aprendiz. E podem se candidatar à função na sua unidade. O projeto previa que fossem eleitos pelos Conselhos Escolares, mas esse item foi vetado.

ARede – Por que os Conselhos são relevantes? Já é oficial: um educador comunitário em cada escola.

Soninha – O vereador tem duas funções básicas: legislar e fiscalizar. E acredito ainda em uma terceira: aproximar as pessoas da política e a política das pessoas. No meu gabinete, a gente fica o tempo todo pensando em formas de traduzir a política e fazer com que as pessoas percebam por que elas deveriam e como elas podem participar. Isso envolve desde o site, o blog, a newsletter (mantidos pela equipe de Soninha na internet), o nosso material impresso, até a minha disponibilidade de debater; e também a criação de mecanismos legais de participação, como os conselhos. Cito o projeto de plebiscito e do referendo (Lei nº 14.004/2005) e as propostas de criação de vários conselhos municipais: o de Inclusão Digital, o de Juventude, e os Conselhos Regionais de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, no âmbito das 31 subprefeituras da cidade. Além dos que já existem: de Saúde, de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), os Conselhos Tutelares, eu mesma sou do Conselho Municipal de Políticas Públicas de Drogas e Álcool (Comuda), entre outros. E há os conselhos de representação da sociedade: será criado, por lei, o Conselho Gestor dos Telecentros; já existe o Conselho Gestor das Unidades de Saúde, o Conselho Escolar, e ainda pensamos em sugerir um Conselho Gestor de Biblioteca. Os conselhos são um canal de participação importante, porque estão mais próximos do cidadão do que o vereador.

ARede – Você defende a democratização da comunicação. O prefeito sancionou a lei que municipaliza a outorga de licenças para rádios comunitárias em São Paulo (saiba mais), a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão manifestou intenção de recorrer à Justiça, mas não recorreu. Essa lei vai funcionar?

Soninha – Acredito que a Abert só não recorreu, porque o Serra ainda não regulamentou a lei. Sabemos, e o governo também, que esse projeto caminha no fio da navalha da constitucionalidade. Aliás, foi uma superboa notícia a sanção pelo prefeito, porque seria muito fácil e confortável para ele vetar, alegando inconstitucionalidade. Foi muito legal e corajoso, porque ele sabe que vai brigar com a Abert. E acredito que, por isso mesmo, a regulamentação está demorando – porque é um trabalho difícil. Mas vai sair. ARede – A internet pode abrir brechas na opinião formada pelos grandes veículos de comunicação? Soninha – Acho que sim. Mas devemos lembrar que esse critério da massificação também é deles. Prefiro acreditar que as coisas não precisam ser massificadas, que podem ser transformadoras dentro de um pequeno grupo.

Na época da MTV (Soninha foi VJ do canal pago MTV), as bandas queriam saber como ter sucesso. E a gente discutia que tipo de sucesso era esse. Não precisa vender 1 milhão de discos. Se o cara conseguir viver de música, daquilo que gosta, já é sucesso. Se isso significa vender 10 mil cópias, com o CD que ele quis fazer, e, se, graças a essas 10 mil cópias, faz shows para aquelas 500 ou mil pessoas, por que não chamar isso de sucesso? Há várias formas de sucesso. A Monstro Discos, em Goiânia, funciona desse jeito. Esse movimento é muito comparável ao circuito dos blogs e da produção independente via internet. O Instituto, por exemplo, provavelmente nunca apareceu na Globo, mas é capaz de provocar transformação. Trata-se de um grupo com Djs e músicos, que já produziram Sabotage e Racionais, e fazem o programa Vitrola Invisível, no UOL. Não atingem os milhões de visitantes do UOL, mas fazem aquele barulhinho deles, para aquelas milhares de pessoas, e formaram um mundo à parte.

Existe outro exemplo importante do poder de influência da internet: a minha eleição. Foi uma campanha barata, pouco visível – segundo os conceitos normais de visibilidade –, e que deu certo. As pessoas reclamavam comigo: cadê a sua campanha, como você está fazendo? Com debates e muita internet. A gente fez um site de campanha, para dizer o que eu propunha, publicar as notícias e a agenda de eventos, arrecadar fundos e divulgar que eu era candidata. Nas reuniões do PT, as pessoas davam risada, quando eu contava que estava fazendo a campanha pela internet. Houve quem perguntasse se, só porque eu era da mídia (Soninha é colunista da “Folha de S. Paulo” e comentarista do canal pago ESPN Brasil), não precisa fazer banner de poste.

ARede – Você tem um site, um boletim semanal por e-mail, um blog, um e-mail na Câmara. Como é o retorno pela rede? A favor do computador popular, com conexão à web, e telecentros.

Soninha – Recebo pedidos, reclamações, denúncias. E também comentários sobre os projetos de lei. Certa vez, a Comissão de Juventude da Câmara foi a uma escola da zona sul apresentar o projeto que estimula a formação de grêmios. Estavam reunidos vários grêmios, com uma pauta formal de reivindicações. No meio do debate, um menino, meio sem graça, resolveu pedir uma vaca da Cow Parade para a zona sul. Escrevi sobre isso no site e houve uma repercussão enorme. A maioria favorável, com mensagens dizendo: é isso aí, eles têm direito a ter beleza também, não é só comida, que legal que eles pediram; e só uma criticando – ah, esses vereadores não têm o que fazer mesmo, que bobagem. Explicamos o que tinha acontecido aos organizadores da Cow Parade e eles colocaram a vaca na zona sul. Acredito que não foi porque eu pedi, nem só porque o menino queria, e sim, graças à repercussão na rede. Dias depois dessa história, a “Folha de S. Paulo” a citou num editorial. Então, definitivamente, acredito que a internet tem capacidade de mexer na panela. Esse pessoal, lá na zona sul, tem Orkut. Os meus alunos de curso de inglês, na Brasilândia (zona norte de São Paulo), moram em favela. Eu não sei onde, mas eles usam o Orkut. Na casa de um deles, um barraco na favela, tem computador. Todos, com idades entre 13 e 14 anos, têm e-mail, estão na rede e são interessados pelas coisas. A internet também funciona como um filtro, para atingir um interlocutor interessado.

ARede – Não há um descompasso entre a transferência dos serviços públicos para internet, e a concentração do acesso nas classes altas?

Soninha – A solução é mesmo garantir o computador popular, o acesso em casa, cada um com o seu. Olha o celular: hoje em dia, na favela, no ônibus, em todo o lugar, todo mundo tem o seu. Da mesma forma, deveria haver um pacote de programação mínima, popular, para assegurar TV a cabo para todos. E também a internet – as operadoras deveriam dispor de um pacote mínimo acessível. Em Hong Kong, todo orelhão tem internet. Lindo, né? Mas acredito que é mais fácil o modelo do computador popular, com um pacote mínimo de conexão, e telecentros.

www.soninha.com.br – Traz os projetos de lei apresentados pela vereadora, e outros, que ela considera relevantes; notícias, artigos, fotos, links, e-mail, além da relação de Conselhos Consultivos – fóruns para a participação popular nas decisões do exercício do mandato.
http://gabinetesoninha.zip.net – Blog da Soninha.
www.camara.sp.gov.br – Câmara de Vereadores de São Paulo. http://www2.uol.com.br/instituto/ – Produtora independente Instituto.
www.monstrodiscos.com.br – Monstro Disco

Fonte: ARede


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