sábado, 10 de novembro de 2007

Manifesto dos Sem-Mídia - por Eduardo Guimarães(site cidadania.com)

Manifesto dos Sem-Mídia


A Globo e a TV de que precisamos


Mais uma vez, cidadãos brasileiros, contribuintes das verbas publicitárias com que os cofres públicos irrigam grandes grupos empresariais do setor de mídia eletrônica e impressa - grupos que, inclusive, exploram concessão pública como é o espectro radioelétrico -, reúnem-se diante de um desses grupos para manifestar seu descontentamento com a forma como esses recursos públicos e concessões estão sendo administrados por seus beneficiários e detentores. E não se pede nada demais aos concessionários de mídia eletrônica, entre outros. O que se pede, apenas, é que seja respeitada a Constituição brasileira. Atentem para o que ela diz.

O Artigo 221 da Constituição Federal da República Federativa do Brasil diz que a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:

I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;

II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;

III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;

IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

Os beneficiários das verbas públicas de publicidade dirão que cumprem à perfeição o papel que a Carta Magna Brasileira lhes impõe. Contudo, há controvérsias sobre essa proposição. Muitos dizem que os grandes meios de comunicação concentram mercado. Dizem que a Editora Abril, por exemplo, recebe 70% da verba de publicidade oficial destinada às publicações impressas, e que a Globo recebe 50% da verba destinada às tevês. Alguns chamam isso de cartel, outros, de oligopólio, mas, em todas as democracias sérias, a prática de concentração de mercado é combatida com vigor e decisão. Menos no Brasil.

É por tudo isso que uma das classes que mais se revolta contra a concentração do mercado midiático encabeçada pela Globo, é a classe dos jornalistas. Vejam, por exemplo, como descreveu "A tevê de que precisamos" um jornalista que trabalhou por seis anos no maior jornal do país.

"Por que a Rede Globo não aproveita a sua presença em 90% dos lares brasileiros para liderar uma revolução de informação pertinente e de esclarecimento?

Para que tantos programas de auditório? Queremos programas de debates...

Queremos menos celebridades e mais povo brasileiro na tevê.

Queremos menos novela, menos ficção e mais realidade, documentários...

Por que a Rede Globo, de tempos em tempos, deixa o princípio da isenção jornalística de lado para desmoralizar supostos adversários?

Queremos um BBB da vida real, o povo 24 horas na tevê, não um grupo formado de belos rostos e mentes vazias para confundir em nome de uma suposta diversão.

Queremos filmes de arte, filmes brasileiros, queremos conhecer o Brasil, essa ficção para todos nós, e menos filmes americanos da pior qualidade, comprados no saldão das tevês americanas.

Queremos uma tevê onde a gente se veja de verdade. Uma tevê que seja nossa companheira na aventura incrível do conhecimento e do esclarecimento. Na construção da democracia no país.

A Rede Globo precisa ser do povo".

São boas propostas. Não se está pedindo demais. A Constituição, inclusive, impõe que a Globo - e tantos outros meios de comunicação irrigados por dinheiro público - siga os parâmetros do texto acima reproduzido.

E como são numerosos os jornalistas que aderem ao Movimento daqueles que, por descumprimento dos preceitos constitucionais por parte de veículos de mídia, não têm mídia na qual verem suas opiniões representadas. E eles também são contribuintes dos mesmos cofres públicos que irrigam, com seu conteúdo, os cofres privados dos donos da grande mídia. As Organizações Globo têm um papel preponderante nesses recursos, não só pela parte do leão que detêm no bolo, mas, também, por conta da concentração de mercado que protagonizam de forma tão incompatível com o mais elementar conceito das sociedades capitalistas, que é o conceito de que cartéis, monopólios e oligopólios são danosos à economia de mercado.

A Globo não cumpre a Constituição, entre outras razões, porque tenta impor suas opiniões políticas. Considerável parte de seus jornalistas, autores, atores, humoristas, comentaristas e, sobretudo, de seus dirigentes atuam de forma político-partidária, a fim de desmoralizar a coalizão política eleita para governar o país até 31 de dezembro de 2010 e, mais do que isso, de usar uma concessão pública para desmoralizar e até para desacatar a maior autoridade da República, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cobrindo-o de insultos e de acusações e, como se não bastasse, impedindo o contraditório.

Efetivamente, nem se quer que a Globo se paute pelo princípio da boa educação e impeça que um colunista da revista Veja vá ao programa do Jô Soares e chame o presidente da República de "criminoso", de "medíocre", de "anta", e que seu entrevistador diga que esse colunista exerce sua profissão com isenção porque também atacaria, com essa mesma virulência e falta de modos, os adversários do governo. Apesar de ser uma total inverdade, porque o conjunto da obra do detrator do primeiro mandatário da nação brasileira, eleito por mais de sessenta milhões de votos faz meses, mostra que ele nunca, jamais tratou o antecessor do atual presidente de maneira sequer parecida, apesar da grande quantidade de escândalos que permeou aquele governo. Então, o que se quer?

Os sem-mídia aceitam o contraditório. São democratas, são homens e mulheres de classe média, pessoas comuns que se dispuseram a tomar uma atitude diante do abuso de concessões públicas praticado por empresários beneficiados por dinheiro público, empresários como a família dona da Globo, de uma empresa que cresceu graças a dinheiro público borrifado em seus cofres pelo regime militar que se abateu sobre o Brasil por longas duas décadas, um regime pedido, inclusive, pelos controladores da empresa diante da qual ora manifestamos nossas queixas, na qualidade de financiadores indiretos do seu trabalho.

É interesse da nação, de cada brasileiro que precisa da mídia para formar suas opiniões, sobretudo em questões complicadas como as questões políticas, que cada quadrante do espectro opinativo seja divulgado sobre qualquer assunto, desde que não se trate de incitação ao crime ou pregação de preconceitos de qualquer espécie. Mas, quando se vê a programação da Globo, na qual até os programas humorísticos e de auditório, a dramaturgia, os telejornais, os programas de variedades fazem política, tentando impor as opiniões políticas dos detentores da concessão pública em detrimento do público que pensa diferente, é que se percebe a necessidade de fazer alguma coisa, pois um grupo exíguo de cidadãos decidiu beneficiar exclusivamente uma parcela da sociedade com o que é de toda ela, violentando o princípio do direito de todos ao que é público. E, lembremo-nos, as concessões de rádio e tevê pertencem à res publica

Mas a Globo, como suas congêneres, também abusa da concessão de que é detentora e desrespeita a Constituição na cultura, na pregação de costumes, na violação de direitos individuais como o direito à defesa, chegando ao ponto de expor autoridades ao ridículo ao vigiá-las, mantendo sob pressão aqueles que podem ser intimidados no exercício de cargos públicos de forma que os exerçam como querem os donos da mídia, como querem, por exemplo, os donos da Globo, do contrário esses funcionários públicos serão expostos à execração pública. E quem diz isso não é o Movimento dos Sem-Mídia. Quem disse foi, simplesmente, um dos juízes da Suprema Corte Brasileira. Faz muito pouco tempo.

As novelas da Globo difundem ao mundo um Brasil que não existe. As casas dos pobres são todas bonitas, dignas, em ruas urbanizadas, seguras, em que todos se conhecem. As mesas são fartas. Mostram que aqui há uma minoria de ricos que pisam em direitos e discriminam negros, mas contra ela se levanta uma maioria de ricos generosos e contrários ao preconceito racial e social, um tipo de rico que só existe na ficção global. A dramaturgia da empresa que recebe 50% das verbas públicas destinadas às tevês privadas e que tantas benesses deve ao Estado brasileiro difunde que luta de classes é coisa "caduca". Faz isso porque luta de classes só favorece quem está descontente com a classe social que ocupa. E há muita gente, uma maioria esmagadora dos brasileiros, que está repleta de razões mais do que justas para estar descontente.

Os programas de auditório da Globo imbecilizam, exaltam a futilidade, impõem padrões de beleza que a tantos excluem, privam o público de Cultura, omitem-se em educar uma sociedade carente de Educação como poucas no mundo. O espaço dedicado à Cultura pelas tevês abertas no Brasil é vergonhoso. A guerra pela audiência fomenta a crença de que se é lixo que o povo quer, há que dá-lo a ele em quantidades industriais e crescentes, pois quem conseguir produzir o lixo mais pútrido ganhará mais pontos no Ibope.

A guerra pela audiência é um capítulo à parte. Contratos leoninos com artistas, jornalistas, autores, esportistas, associações de todo tipo são impostos a quem deseje espaço no mercado de trabalho oferecido pela mídia. Profissionais que tenham opiniões incompatíveis com as dos donos da Globo são postos na geladeira ou no olho da rua, de acordo com o humor do patrão e com a resistência ou com a resiliência desse profissional.

Muito já foi dito e muito haverá que dizer sobre a forma como os detentores de concessões públicas sobre o espectro radioelétrico usam essas concessões e sobre como prestam satisfações à sociedade, àqueles que são donos da concessão e que pagam, com seus impostos, para que ela funcione e para que seus beneficiários lucrem fortunas que alimentariam populações inteiras durante anos, e que poderiam proporcionar Saúde, Educação, saneamento básico suficientes para mitigar considerável parte dos problemas que o país tem nessas áreas. Já dissemos o bastante aqui hoje. O resto do que temos a dizer, só vale a pena ser dito se for para sermos ouvidos, ao menos. Mas é claro que, devido aos vícios que apontamos na empresa diante da qual ora nos manifestamos, ela certamente vai ignorar nossos pleitos e os ocultará daqueles a quem deveria informar.

Não esperamos que aqueles que questionamos não reajam à exortação que lhes fazemos para que parem de abusar da sociedade, mas lhes garantimos que nem por isso iremos desistir ou deixaremos de denunciar, com ímpeto crescente, sua conduta inconstitucional. Afinal, somos os sem-mídia, representamos uma parcela consistente da sociedade à qual está sendo negado um direito, o direito de ver na mídia os dois lados da moeda. E quem nega esse direito a tantos é uma única família, que manda num dos maiores impérios econômicos do mundo. Queremos que a Globo fale, mas que não nos cale. Queremos que tudo que é veiculado, continue sendo. Mas que seja dado espaço, também, para que o que não está sendo veiculado e aqui foi mencionado, porque o que foi mencionado é justo, democrático, é um direito dos brasileiros.


São Paulo, 10 de novembro de 2007

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