quinta-feira, 29 de novembro de 2007

FHC, uma carta fora do baralho - por Maurício Thuswohl - fonte: http://www.agenciacartamaior.com.br

FHC, uma carta fora do baralho

Mesmo entre colegas de erudição de FHC, já há quem admita que aquele projeto de Brasil por ele comandado foi rapidamente superado por um outro projeto que, mesmo ainda longe do ideal, ao menos não é baseado no desprezo pelo povo pobre deste país.

“Se o Serra e o Aécio continuarem brigando, eu vou ter que sair candidato”. Feita em tom de gracejo, a afirmação de Fernando Henrique Cardoso a um grupo de jornalistas durante o congresso do PSDB realizado na semana passada é reveladora dos demônios que afligem a alma do ex-presidente. Relegado a um segundo plano no cenário político real, sem apoio popular significativo e progressivamente abandonado pelo seu próprio partido, FHC parece enfrentar um amargo ostracismo.

Dono de conhecida vaidade, cultivada desde os tempos de professor, FHC tem, curiosamente, perdido inúmeras oportunidades de não macular ainda mais a imagem que deixará para a História do país. Se mantivesse uma postura política um pouco mais discreta em suas aparições públicas - algo como é feito, por exemplo, pelos ex-presidentes dos Estados Unidos - FHC poderia estar agora desfrutando de um conveniente tratamento de “intocável” que certamente lhe seria dispensado tanto pelo atual governo quanto pelas principais figuras do PSDB. Ao insistir no papel de ator relevante, desagrada aos dois lados.

A postura de FHC durante o congresso do PSDB, onde foi reeleito presidente de honra do partido, foi sintomática de sua amargura política atual. Para variar, o alvo principal do ex-presidente foi seu sucessor. Sem citar diretamente Luiz Inácio Lula da Silva, FHC afirmou em seu discurso à militância tucana que o povo brasileiro deseja ser governado por gente bem educada: “Não queremos ser liderados por gente que despreza a educação, a começar pela própria”, disse.

“Há, sim, acadêmicos no PSDB, e não temos vergonha disso”, disse FHC, que acusou o governo do PT de demagogia: “Nunca vi no povo preconceito contra quem estuda. Esse preconceito existe, sim, numa elitezinha apressada que se aboletou no poder e agora quer aboletar os bolsos com o dinheiro do poder”. Inúmeras vezes, seja nos discursos ou em rodas de conversa durante o congresso, o ex-presidente lembrou que o atual governo “apenas aprofundou medidas” que começaram em sua gestão: “O Lula pensa que descobriu o Brasil”, foi uma de suas frases mais repetidas.

Outra clara preocupação de FHC é a possibilidade de Lula disputar um terceiro mandato consecutivo: “Isso está no ar e, mais do que no ar, em algumas ações concretas do presidente”, disse, sem especificar quais seriam essas ações. Na “advertência a Lula”, FHC citou os exemplos de ninguém menos que Hitler, Stalin e Mussolini: “A democracia não pode ser substituída pela consulta popular, manipulada, nem se restringir ao sim ou ao não. Democracia não é massa, requer respeito às minorias”.

A comparação mais recorrente, entretanto, foi mesmo com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, personagem capaz de provocar os piores pesadelos nos tucanos: “Lula, menos leguleios para justificar seu colega venezuelano! Diga com clareza se é contra ou a favor de um terceiro mandato!”, clamou o ex-presidente que, curiosamente, acabou usando a si mesmo como exemplo a ser evitado: “Antes de 97 eu achava que quatro anos eram suficientes para um mandato”, disse.

Recurso muito utilizado por FHC, o discurso da moralidade, desta vez, ficou empacado, pois a realização do congresso do PSDB coincidiu com a entrega no Supremo Tribunal Federal da denúncia sobre o valerioduto tucano, organizado em 1998 durante a campanha à reeleição do então governador de Minas Gerais, Eduardo Azeredo. Instigado pelos repórteres a falar sobre o assunto, FHC teve a mesma postura tantas vezes criticada em Lula: “Quem tiver culpa no cartório, que pague pela culpa. É preciso que se apure e, se for o caso, que se puna. Se houver culpa, que se assuma as responsabilidades”, disse.

Aposta na divisão
Muitas foram as palavras de FHC durante o congresso tucano, mas sua ação política efetiva é alvo de questionamentos cada vez mais intensos no PSDB. Com sua postura francamente hostil em relação ao atual governo, ele alimenta o setor do partido que é mais próximo ao DEM (ex-PFL) e que luta, por exemplo, para inviabilizar a aprovação da prorrogação da CPMF no Senado. Essa postura contraria os interesses imediatos dos governadores tucanos, entre eles o paulista José Serra e o mineiro Aécio Neves, ambos potenciais candidatos à Presidência da República em 2010.

FHC é daqueles que acham que a vitória do PSDB em 2010 está virtualmente assegurada. Esse sentimento faz com que venha atuando nos bastidores pela consolidação da candidatura de Serra, numa aposta que joga para a divisão do partido e pode ter conseqüências eleitoras nefastas. Apesar de todos os discursos pregando a unidade, a crescente divisão no ninho tucano ficou clara na disputa pela secretaria-geral do partido, travada entre o deputado federal Rodrigo de Castro (apoiado por Aécio) e o ex-secretário de governo Eduardo Jorge Caldas Pereira (apoiado por Serra e FHC).

No fim, Castro levou a secretaria-geral e Eduardo Jorge ficou com a vice-presidência executiva do PSDB. Uma manobra de última hora, no entanto, transferiu uma das principais atribuições da secretaria-geral a administração das verbas e dívidas do partido - para a vice-presidência, transformando em vitória a aparente derrota do grupo mais ligado a Serra e FHC. Não é possível adivinhar quais serão os desdobramentos dessa disputa, mas está claro que a postura do ex-presidente não contribui para uma eventual dobradinha Serra-Aécio, acordo que certamente significaria a mais concreta chance de vitória para os tucanos em 2010.

Ao menos por enquanto, FHC não trabalha pela unidade do PSDB, pois, segundo o relato de pessoas próximas, seu pensamento prioritário é preparar o retorno de seu grupo político ao poder federal. Quem sabe não sonhe de fato em ser ele mesmo o candidato, como revela nas suas meias-brincadeiras. O problema é que, na verdade, ninguém o quer, nem mesmo Serra, pois todos se lembram do beijo da morte que a candidatura de Geraldo Alckmin à Presidência recebeu quando foi definitivamente associada ao legado do governo FHC.

Desprezo pelo pobre
Na política real, no jogo de poder distribuído entre partidos e setores da sociedade, o ex-presidente já é praticamente uma carta fora do baralho. Ainda assim, entre um artigo e outro na grande imprensa, FHC surge em público periodicamente. Não raro, tem sido autor de tiradas pouco elegantes, como a mais recente referência à “educação” de Lula.

O verdadeiro debate político, no entanto, causa indisfarçável desconforto a FHC, pois o força a encarar uma triste realidade: seu governo já entrou para a história como um período de inspiração neoliberal e entreguista, que aprofundou as desigualdades sociais e privatizou empresas importantes a preço de banana.

Assim os oitos anos de governo de Fernando Henrique Cardoso serão lembrados. E o pior (para a vaidade do acadêmico sem vergonha de sê-lo) é ver que, até mesmo entre os tucanos, seus colegas de erudição, já há quem admita que aquele projeto de Brasil por ele comandado foi rapidamente superado por um outro projeto que, mesmo ainda muito longe do ideal, ao menos não é baseado no desprezo pelo povo pobre deste país.


Maurício Thuswohl é jornalista.


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