INSEGURANÇA INFORMATIVA
Observatórios de mídia refletem descrédito da imprensa
Iniciativas de acompanhamento e fiscalização da mídia são resposta da sociedade tanto aos desmandos da imprensa quanto à demanda por uma maior democratização e ética da mídia.
Verena Glass
SALVADOR - Em 11 de março de 2004, a Espanha ficou paralisada pelo
terror de um atentado ao trem de Madrid em pleno horário de pico.
Dezenas de pessoas morreram e centenas ficaram feridas. Pouco após o
ocorrido, o governo do presidente José Maria Aznar divulgou, como
resultado de uma apuração supostamente confiável, que o ato terrorista teria sido cometido pelo grupo separatista basco ETA. Como se soube depois, os editores dos principais veículos de comunicação do país receberam telefonemas de Aznar pessoalmente ou de seus ministros, reafirmando a informação.
No subterrâneo das comunicações não alinhadas, no entanto, rapidamente
outra versão começou a tomar corpo: não foi o ETA, mas sim um grupo
islâmico que teria inclusive assumido a autoria do atentado. Esta
versão, que acabou se confirmando, custou ao grupo político de Aznar a
vitória na eleição presidencial que ocorreu três dias depois. A resposta
da sociedade à tentativa de incriminar com mentiras um grupo de
esquerda para fins eleitorais foi avassaladora, e venceu o repúdio ao
apoio do governo de direita à ação americana no Iraque. Dessa forma, a
improvável candidatura do progressista José Luiz Zapatero virou a mesa
e levou a presidência, num dos processos mais extraordinários de força
da opinião pública da história recente.
Mentiras exemplares da imprensa, como as que deram conta da existência
de armas de destruição em massa no Iraque e da participação do governo
do país nos atentados de 11 de setembro de 2001 nos EUA, e que
justificaram o hediondo crime da invasão americana, são extremos de
uma realidade que tem levado a sociedade a sofrer do que o jornalista
Ignácio Ramonet, diretor do jornal francês Le Monde Diplomatique e do Media Watch International, chama de insegurança informativa.
Palestrante do Fórum Internacional Mídia, Poder e Democracia, que
ocorre até este dia 14 em Salvador, Ramonet apresentou os exemplos
acima para expor um processo de descrédito crescente auto-infligido
pela mídia, uma vez que a imprensa e seus profissionais, grandes
lutadores da democracia em momentos de repressão e ditadura, passaram
a ser eles próprios os grandes violadores desta democracia em nome da
mercantilização e "mercenarização" da informação.
A sensação de insegurança informativa se aprofundou com um certo
abandono da imprensa de seu papel de "quarto poder", o avaliador
crítico das disfunções do Estado e suas instancias legislativas,
executivas e judiciárias. O interesse é outro, explica Ramonet. "O
importante hoje, para a imprensa, é o que o maior número de pessoas
quer ver e ouvir. As informações são cada vez mais breves, emotivas e
espetaculares. E, cada vez mais, estas informações são gratuitas.
Então onde está o negócio? Se trata de vender gente aos anunciantes, e
para ter mais gente, a informação tem que ser sedutora", pondera. E
neste ponto, a credibilidade do veículo e do trabalho jornalístico
sofre sérias avarias.
Neste cenário, o surgimento de um número cada vez maior de iniciativas
de monitoramento da mídia em todo o mundo, a exemplo do Observatório
de Imprensa ou do Observatório de Mídia no Brasil, tem sido um
reflexo claro da reação da sociedade perante o descrédito dos veículos
de comunicação.
"Temos agora que buscar uma unidade maior destas iniciativas mundo afora", sugere Ramonet, para que o processo de acompanhamento crítico
da mídia se fortaleça como uma espécie de 'quinto poder'. "Estamos
sugerindo um encontro mundial, quem sabe no Brasil, ligado ao processo
Fórum Social Mundial de 2009, que ocorrerá em Belém, para unificar os
observatórios de mídia".
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