quarta-feira, 28 de novembro de 2007

A corrosão do Caráter - livro de Richard Sennet

Perversas Formas do Novo Trabalho

Gramsci talvez tenha sido o mais profético dos pensadores marxistas no que diz respeito à separação crescente entre a forma contemporânea do trabalho e seu conteúdo humano. Sustentava ele que a ruptura do nexo psicofísico do trabalho profissional qualificado acabaria por reduzir "as operações de produção unicamente a seu aspecto físico". E alertava para as conseqüências psicológicas e sociais deste processo. Richard Sennet, professor de sociologia da Universidade de Nova Iorque e da famosa London School of Economics, não se louva do pensamento gramsciano, mas segue a trilha de sua profecia : o ambiente de trabalho moderno chega a impedir, hoje, a própria formação do caráter. Este é o ponto central de A Corrosão do Caráter, escolhido pela revista Business Week como um dos dez melhores livros de 1998.

Sennet já é razoavelmente conhecido nos meios acadêmicos brasileiros graças a O declínio do Homem Público, obra em que analisa o fenômeno da retração da esfera pública pelo viés da personalidade atuante. Em A Corrosão do Caráter, a partir de entrevistas com executivos demitidos, empregados de uma padaria e outros tipos, ele faz uma radiografia bastante nítida do sistema que os especialistas vêm chamando de "capitalismo flexível".

"Não há longo prazo", este é, na opinião do sociólogo, o lema que talvez se constitua no sinal mais tangível dessa mudança. Ou, como afirma um executivo de multinacional, a palavra "empregos" está sendo substituída por "projetos" e "campos de trabalho", progressivamente assumidos por consultores. Nos Estados Unidos, o setor da força de trabalho que mais rápido cresce 'e o das pessoas que trabalham para agências de emprego temporário. Mas para Sennet, é também "a dimensão de tempo do novo capitalismo e não a transmissão de dados high-tech, os mercados de ação globais ou o livre comércio, que mais diretamente afetam a vida emocional das pessoas fora do local de trabalho".

O que as novas formas vêm contestar, portanto, é tudo que, em termos de produção, implique estabilidade ou definição rígida de estruturas. Contestam-se as organizações com pirâmide hierárquica, sindicatos fortes e garantias do estado assistencialista. Trata-se agora pensar em termos de rede, como uma redefinição constante de estruturas. O computador toma o lugar dos lentos canais de comunicação nas tradicionais cadeias de comando.

Dos conflitos que emergem desta nova ordem de coisas, Senett extrai questões éticas importantes : "Como se podem buscar objetivos de longo prazo numa sociedade de curto prazo ? ", "Como pode um ser humano desenvolver uma narrativa de identidade e história numa sociedade composta de episódios e fragmentos ?". Parte daí a hipótese de que o capitalismo de curto prazo corrói o caráter, "sobretudo aquelas qualidades de caráter que ligam os seres humanos uns aos outros e dão a cada um deles um senso de identidade sustentável". Tudo em nome da produtividade. Mas o sociólogo vê bons motivos para duvidar de que a era atual seja mais produtiva do que o passado recente. Pelo padrão do Produto Interno Bruto, as taxas de produtividade reduziram-se em todas as grandes sociedades industriais. A tecnologia, ao contrário do que se pensa, vêm acusando um déficit de produtividade.

Agradável no livro se Sennett é o fato de ele expor sua reflexão e pesquisa num estilo narrativo, privilegiando a forma "caso", como se estivesse fazendo uma reportagem, uma "etno-reportagem", poderíamos chamar. Esperançosa também é a sua conclusão : "Um regime que não oferece aos seres humanos motivos para ligarem uns aos outros não pode preservar sua legitimidade por muito tempo".

A Corrosão do Caráter
Richard Sennett
Por Muniz Sodré

A partir de entrevistas com executivos demitidos da IBM em Nova York, funcionários de uma padaria ultramoderna em Boston e muitos outros, Sennett estuda os efeitos desorientadores do novo capitalismo. Ele revela o intenso contraste entre dois mundos de trabalho - aquele da rigidez das organizações hierárquicas no qual o que importava era um senso de caráter pessoal, e que está desaparecendo, e o admirável mundo novo da reengenharia das corporações, com risco, flexibilidade, trabalho em rede e equipes que trabalham juntas durante um curto espaço de tempo, no qual o que importa é cada um ser capaz de se reinventar a toda hora.
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