É o gás, estúpido: Isso aqui você NUNCA vai ler, ver ou ouvir na mídia brasileira
Um leitor reclama que sou contra Chávez e a favor dos colonizadores. Não é bem assim. Acho que o Chávez fala mais do que deveria. Poderia fazer tudo o que faz sem dar à mídia internacional, que quer a cabeça dele, a chance de isolá-lo.
Lula vai visitar Fidel Castro na semana que vem. Seria bom que pedisse ao mentor de Chávez que aconselhasse o venezuelano a "baixar" a bola. Isso não se faz em público. Deve ser feito na quietude, na maciota, na linguagem cifrada tão cara à diplomacia brasileira, que é boa de bola.
Outra amiga, ítalo-brasileira, me liga para saber se estou com Zapatero - o primeiro-ministro do Partido Socialista espanhol - ou com Chávez. É a falsa polêmica. Zapatero fez média com Aznar, de quem vem apanhando feio na Espanha. Defendeu o antecessor e adversário político, José Maria Aznar, para dar satisfação aos espanhóis.
Aznar, se vocês não sabem, é muito bem articulado. Com a Coroa espanhola, com a Igreja Católica, com George Bush, com Fernando Henrique Cardoso. O Partido Popular, que ele dirige, tem um discurso velado para não ofender a sensibilidade dos eleitores centristas da Espanha. Mas, trocando em miúdos, está na onda européia do momento: xenofobia, defesa do catolicismo e do Ocidente contra o Oriente dos "bárbaros" muçulmanos, chineses e assim por diante.
Se vocês fizerem uma necropsia do discurso de Aznar, vão descobrir traços comuns com o discurso de vários partidos do mundo, inclusive com uma facção do PSDB brasileiro, a de Geraldo Alckmin. Ou com o discurso do Jornal da Globo. Ou com o que a TV Globo prega, o que é sinistro para uma emissora que fala a tantos mestiços, negros e pobres.
Hoje as pessoas melhor informadas sabem que a grande mídia brasileira omite, deturpa e manipula as informações sobre a Venezuela. Descaradamente. É como se estivesse em campanha eleitoral. Qual é o sentido disso, se os brasileiros não vão votar no plebiscito de 2 de dezembro, na Venezuela? O povo não é bobo, nem a Rede Globo. O objetivo concreto é evitar a entrada da Venezuela no Mercosul.
Quem não quer a Venezuela no Mercosul? Os Estados Unidos, com certeza. A Espanha de Aznar também não. Eles são idiotas? Não. Pensam lá na frente. A Venezuela no Mercosul fortalece as posições do bloco nas negociações econômicas com a União Européia e os Estados Unidos. Abre de novo a porta para a ALCA, ou pelo menos para um acordo comercial americano com o Brasil se o PSDB reassumir o poder em 2010.
Esse pessoal pensa longe. A turma que governou com Bush começou a "tramar" lá atrás. Ainda no governo Clinton já tinha escrito e divulgado um documento batizado de "Projeto para Um Século Americano", que prega a hegemonia americana em terra, no mar, no ar e no espaço. Assinaram o documento muitos daqueles que assumiram o poder com Bush, inclusive o ex-secretário de defesa Donald Rumsfeld.
Antes da ocupação do Iraque, lembrem-se que Rumsfeld foi porta-voz daquele discurso que pregava a divisão da Europa entre "velha Europa" (a que não apoiou a ocupação americana) e a "nova Europa" (Espanha de Aznar, Portugal, Polônia e outros países do leste europeu que trocaram apoio à guerra por proteção americana contra os russos e vantagens comerciais).
Os europeus não caíram no engodo, porque torpedeava a União Européia e enfraquecia o poder de barganha dela diante dos Estados Unidos.
Muitos dos brasileiros estão caindo nesse engodo, graças à artilharia contínua da máquina de propaganda. Época e Veja dedicaram capa ao Chávez uma em seguida à outra, às vésperas da Cúpula Iberoamericana. Não acho que tenha sido por acaso. O objetivo é causar constrangimento em Lula e bombardear a entrada da Venezuela no Mercosul.
O que os americanos tentaram com a Europa - e não deu certo - agora patrocinam na América Latina, desta vez com apoio dos espanhóis. Será que são doidos? Não, ninguém dá tiro no pé. A Espanha tem grandes interesses econômicos na região, em parceria com grupos locais. Os americanos querem o petróleo da Venezuela, do Equador e o gás boliviano.
Que americanos? As grandes companhias de petróleo, que a dupla Bush-Cheney representa na Casa Branca. Essas empresas têm trilhões de dólares investidos em infraestrutura. Os Estados Unidos importam petróleo e gás. Tornam-se cada vez mais reféns do fornecimento externo. Gastam mais, por ano, do que é descoberto. E as novas descobertas acontecem em regiões que eles (ainda) não controlam politicamente.
O que representa Hugo Chávez? Um Mussolini mameluco, como definiu o Estadão? Isso é propaganda, gente. Chávez tem falado em uma OPEP do gás, que juntaria a Venezuela, a Bolívia, o Irã e quem sabe a Rússia. Essa OPEP do gás controlaria mais da metade da produção de gás do planeta.
O gás ganha importância na matriz energética americana. Olhem o mapa dos terminais de reconversão de gás liquefeito para produzir energia. Não estamos falando de meia dúzia de lâmpadas. É energia essencial para a indústria americana:
Olhem aí a origem do gás importado pelos Estados Unidos:
Pensem comigo: as gigantes do petróleo vão descartar a infraestrutura de trilhões de dólares que levou um século para ser construidá, da noite para o dia? Não. Vão brigar pelas gotas de petróleo, estejam onde estiverem. Ninguém menos que o vice-presidente americano Dick Cheney foi à China fazer lobby pela ExxonMobil na disputa para fornecer gás aos chineses, num negócio que envolvia o Qatar, protetorado americano no Golfo Pérsico.
Os Estados Unidos estão no Iraque para promover a democracia? Tenham dó. Os americanos queimam 15 mil litros de gasolina POR SEGUNDO.
As empresas de petróleo estão investindo cada vez mais em gás. Elas não existem no mundo da fantasia, nem em teorias conspiratórias. Elas são grandes. Elas tem acionistas. Elas querem lucrar. Os executivos delas existem fisicamente. Eles contratam lobistas. Eles são representados em governos. Eles olham para o mundo e não gostam do que enxergam para o futuro: precisam do petróleo e do gás, mas ele é propriedade estatal no Oriente Médio e, pior ainda, nas proximidades do maior e mais lucrativo mercado de energia do mundo, os Estados Unidos: Bolívia, Venezuela e Equador, os dois últimos integrantes da OPEP.
O gás da Venezuela é o mais próximo do mercado americano. Pode ser liqüefeito e transportado em navios-tanque para os Estados Unidos, para ser reprocessado. Já existem usinas prontas para servir à Califórnia. Antes de queimar biomassa ou biocombustível, anotem aí, teremos o auge do gás, para produção de eletricidade. Ou vocês acham que os americanos vão apagar as luzes, como os brasileiros fizeram, para economizar?
Do outro lado, há um aliança imbatível, fechada entre Moscou e Teerã, que controla mais da metade do gás produzido no planeta. De qualquer forma, fica muito longe dos Estados Unidos. Faria muito mais sentido, do ponto-de-vista econômico, importar gás BARATO da Venezuela e da Bolívia - neste caso é mais problemático, já que o país não tem saída para o mar.
Qual era o plano do antecessor de Evo Morales, Sanchez de Lozada, que foi eleito com apoio de marqueteiros americanos, está exilado nos Estados Unidos e fala espanhol com sotaque americano? Fazer um acordo com o Chile, inimigo histórico dos bolivianos - por ter tomado o acesso da Bolívia ao mar - e exportar gás para os Estados Unidos, em navios-tanque. Pergunto: o governo Morales pediu aos Estados Unidos a extradição de Lozada pela repressão que matou dezenas de manifestantes. Washington se calou sobre o assunto.
Olhem agora os mapas: o gás da Bolívia abasteceria a costa Oeste dos Estados Unidos. E o gás da Venezuela abasteceria a costa Leste dos Estados Unidos.
Ou seja, enquanto a mídia brasileira fica discutindo as picuinhas, informando a você que agora tem um toque de celular com o rei da Espanha mandando Chávez calar a boca, não te conta o essencial, não te diz nada sobre os verdadeiros motivos da disputa. Poderia até tomar partido, como faz. Mas se você fosse informado disso, iria compreender que, ao Brasil, interessa ter a Venezuela no Mercosul, até porque amarra Chávez a tratados regionais. Ele poderá espernear à vontade, mas terá que decidir em grupo.
Porém, a eficaz máquina dos Mesquita, dos Civita, dos Frias e dos Marinho está a serviço dos grandes interesses econômicos, sejam eles espanhóis ou americanos. Notem que os sobrenomes não são de mamelucos, nem de cafusos. Quando eles precisam de algum mameluco, negro, cafuso ou árabe, eles alugam. Alugaram até um árabe
pró-Israel para tentar forçar um correspondente em Paris a falar na mesma frase "palestino" e "terrorista", sem sucesso!
Não é mentira do Chávez, quando ele diz que há um grupo de ex-presidentes no circuito internacional de palestras repetindo a mesma ladainha: além de Aznar, o peruano Alejando Toledo, o mexicano Vicente Fox e o brasileiro Fernando Henrique Cardoso, cada um em seu próprio tom.
Eu lhes pergunto: se o Hugo Chávez fosse presidente do Paraguai, alguém se importaria com ele? Quanto o Paraguai produz de petróleo e gás? Eu juro por Deus que este gráfico, da produção de petróleo do Paraguai, foi tirado do Livro da Central de Inteligência Americana com fatos do mundo:
Como não fala inglês nem francês, aqui no Brasil quem assumiu o papel foi o ex-presidente José Sarney, que fez um discurso no Congresso a respeito. É um voto certo contra a entrada da Venezuela no Mercosul. O que disse Sarney no discurso. Dedicou metade dele a se dizer democrata, inclusive quando serviu (ou seria servil) ao regime militar. Disse que protestou contra as cassações e contra o AI-5.
Como se não tivesse, com apoio dos militares, fortalecido a oligarquia que personifica no Maranhão. Depois de 40 anos de controle do estado, é um dos homens mais ricos do Nordeste, controla duas redes de rádio e televisão através de parentes, amigos e aliados e quando o grupo ligado a ele perdeu formalmente o poder estadual, o Maranhão tinha alguns dos piores indicadores sociais do Brasil, da mortalidade infantil à expectativa de vida.
Esse é o "nosso" democrata, que denuncia Chávez por ter comprado armas. O Chile comprou armas. Sarney diz que protestou mas as armas estão no Chile. A Colômbia tornou-se um protetorado americano. Os Estados Unidos têm uma base militar em Manta. Quero os discursos do Sarney denunciando esse tipo de militarização disfarçada do continente.
Olhem aí as mansões dos Sarney no Maranhão:
Eu pergunto: Será que tem segurança? Será que tem sistema de alarme? Presumo que os Sarney se defendam dos bandidos, muitos dos quais cresceram na miséria que a família poderia ter combatido muito mais do que combateu, porque controlou a Presidência da República do Brasil por cinco longos anos.
Na edição de ontem do jornal venezuelano Tal Cual, conhecido pela oposição feroz a Chávez, o editor criticou fortemente a tentativa golpista de 2002 - com apoio dos Estados Unidos e da Espanha - alegando que deram ao bolivariano as duas coisas de que ele precisava para governar: o Exército e o petróleo.
Até o Lula, que é mais bobo, assim que anunciou a descoberta do campo de petróleo e gás na bacia de Santos mudou as regras para as novas licitações, sob protesto dos tucanos que nasceram no Brasil mas querem ser europeus (Fernando Henrique Cardoso) ou americanos de Miami (Geraldo Alckmin).
A "mansão" de Chávez na Venezuela é o petróleo. E o gás. Ele pisou em calo de gente grande, acostumada a mandar com aquele dedo acusador do rei da Espanha. As armas que a Venezuela comprou acima de tudo um muro contra a ambição externa pela riqueza do país.
Sim, a Venezuela tem uma disputa territorial antiga com um país vizinho, a Guiana. Numa área que tem reservas de petróleo. Isolar o Chávez é a solução? Acho que isolá-lo é provocar ainda mais os sentimentos nacionalistas do Exército que o apóia e botar fogo numa aventura militar externa. Chávez jamais daria esse pretexto aos Estados Unidos, embora os americanos hoje em dia nem se preocupam mais em arrumar um pretexto plausível para suas guerras. Além do mais, antes da ação militar eles sempre tentam pelo golpe e pela propaganda.
por Luiz Carlos Azenha
É o gás, estúpido: Isso aqui você NUNCA vai ler, ver ou ouvir na mídia brasileira - por Luiz Carlos Azenha - fonte: http://viomundo.globo.com
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