Por JOSÉ REINALDO GUIMARÃES CARNEIRO E ROBERTO PORTO*
Afinal, foi mais forte do que todos esperavam. As forças estranhas do futebol, atuando diretamente sobre o ânimo dos parlamentares, impuseram a rejeição da instauração da CPI do Corinthians. Não é fato banal como pode parecer em um primeiro momento. Não é mesmo.
Veio quando ainda estávamos comemorando nossa última conquista: o direito e a responsabilidade de organizar a Copa do Mundo de 2014. Notícia boa, já que acabou premiando 64 anos de espera, desde o evento de 1950, finalizado na derrota havida no Estádio Mário Filho, no Rio de Janeiro.
A rejeição da CPI do Corinthians, assim, já é prenúncio de que a nossa próxima Copa pode ser mais desastrosa do que a anterior. Não por culpa da arte do futebol brasileiro, agora mais respeitado em razão do acúmulo de cinco títulos mundiais. O perigo é outro, maior e mais grave. O crime organizado transnacional, na era globalizada, tem destinado investimentos vultosos de bilhões de euros na aquisição de clubes e jogadores de futebol, aplicando neles a arrecadação espúria do tráfico de armas, da atuação das quadrilhas organizadas, do tráfico de entorpecentes, enfim de tudo aquilo que o próprio Brasil já se obrigou a combater ao menos em duas Convenções das Nações Unidas, em Viena e Palermo. Todos sabem disso.
Não é por outro motivo que russos e iranianos acabaram tendo suas prisões preventivas decretadas pela Justiça Federal, dada a orquestração espetacular de lavagem de dinheiro internacional. Com esse cenário, caberá aos brasileiros o estabelecimento de limites dos benefícios representados pelos grandes investimentos que delimitam o circo da Copa do Mundo.
É necessário reprimir a cornucópia de delinqüentes internacionais que, normalmente, se aproxima dos nossos cartolas com promessa de dinheiro fácil e lucro garantido. Porque já vimos esse filme, esperava-se postura mais enérgica do parlamento brasileiro. A memória recente dos estragos de uma parceria em tudo desastrosa para o futebol do Brasil não foi suficiente para cobrar a consciência de deputados e senadores. Uma lástima.
Vimos que a rejeição de uma investigação que o futebol precisava ter foi um grande pecado de parte de nossos políticos. Pecado de omissão. Soa sem sentido e suspeito que dirigentes esportivos, com apoio de Senadores, Governadores e Deputados, tenham sido fortes o suficiente para fazer barrar no Congresso a legítima (e necessária) instalação de uma comissão parlamentar que tinha o único propósito de elucidar os mecanismos de utilização de clubes de futebol em operações criminosas de lavagem de dinheiro.
A realização da Copa não pode pagar o preço de calar as investigações a cargo das autoridades brasileiras. O custo do evento não pode chegar a ponto de pretender obstar a ação do Departamento de Polícia Federal e nem calar o Ministério Público, instituições brasileiras consolidadas.
Muito menos pode ofuscar – como ofuscou - a voz de uma CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito), abortada ao preço da distribuição de promessas de sedes para a realização do grande evento do futebol. Se o preço da Copa é o silêncio ou a omissão de quem se obriga, pela própria responsabilidade da função pública, a apurar e combater o uso do futebol por criminosos internacionais o melhor seria que ela nem viesse.
Não há perspectiva que sobreviva ao ataque à nossa soberania. As investigações no Brasil não podem se submeter ao critério de conveniência de organismos estrangeiros. Pelo contrário. Elas cabem ao exclusivo critério de agentes públicos responsáveis e não giram em torno de interesses privados e escusos. Buscam combater o câncer que a lavagem de dinheiro representa nas economias nacionais. É assim em todo o mundo civilizado e não tem porque ser diferente no Brasil.
Não há quem desconheça o resultado provocado pela lógica simplória do dinheiro a qualquer custo. O discurso de que uma investigação brasileira iria afastar investidores estrangeiros é de péssimo gosto, para falar o mínimo. Possui lógica perversa. Os tais investidores estrangeiros que não resistiriam a uma investigação brasileira não têm nada que fazer por aqui. Afinal, somos um país independente, compatível com uma longa e árdua história de redemocratização.
Nem a FIFA, nem a CBF, nem os políticos têm o poder de tentar contra a independência e soberania da República. A Copa é bem-vinda. Não é essa a discussão que se quer travar. Da mesma forma serão bem-vindos os investimentos nacionais e internacionais, desde que legítimos. Se eles forem compatíveis com o respeito às instituições brasileiras, teremos evento a ser comemorado para as gerações futuras. Se, em contrapartida, custarem o preço de silenciá-las, correremos o risco de ver o Brasil com o sério risco de rebaixamento. Rumo ao evento de 2014, a rejeição da CPI no Congresso fez o Brasil sair em desvantagem. Fizemos gol contra no início da partida. Que ninguém duvide disso.
*Promotores de Justiça do GAECO (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado), de São Paulo.
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