Quando criança, desenhava quadrinhos com a irmã, mas não cogitou uma carreira de cartunista até publicar com um amigo a revista de humor Portland Permanent Press, onde apareceram suas primeiras HQs. Mais tarde, editou para a Fantagraphics a antologia Centrifugal Bubble Puppy, que incluía quadrinhos seus e de outros artistas, como Lloyd Dangle e JR Williams. Publicou sozinho a revista Yahoo, que mais tarde teria seis números lançados também pela editora Fantagraphics. |
Palestina foi seu primeiro projeto longo na linha que segue até hoje, de "jornalismo em quadrinhos". Depois publicou na revista Zero Zero a história "Natal com Karadzic" (que está na coletânea Comic Book: o Novo Quadrinho Norte-Americano, Conrad Livros). E pela editora Drawn & Quaterly o livro Soba, ambos baseados em sua viagem à Bósnia, entre 1995 e 1996. Atualmente Joe Sacco vive em Portland, onde está terminando o livro Gorazde, seu terceiro trabalho sobre a guerra da Bósnia
"Para a direita, o Islã representa barbarismo. Para a esquerda, teocracia medieval. Para o centro, um tipo de exotismo de mau gosto. Há no entanto, uma opinião comum a todos, unânime, que mesmo, o pouco que se sabe sobre o mundo islâmico, não há muito que possa ser aprovado lá".
Edward Said
O trecho acima descreve a imagem projetada pela mídia ocidental (principalmente norte-americana) das nações árabes. Aos olhos da imprensa internacional, os árabes são terroristas, fanáticos religiosos capazes de atrocidades para defender suas crenças arcaicas, um povo primitivo com valores ultrapassados e "antidemocráticos".
Em Palestina, Joe Sacco mostra facetas da cultura islâmica desconhecidas para a maioria das pessoas no Ocidente. O autor não só nos dá uma visão esclarecida dos conflitos entre israelenses e palestinos, mas, principalmente, extrapola as turbulências regionais, atacando diretamente a raiz da questão do Oriente Médio. Ao retratar palestinos educados, cultos, organizados e gentis, Sacco destrói as generalizações e estereótipos difundidos por essa espécie de "guerra fria" promovida pelos Estados Unidos. Durante o tempo que passou na Cisjordânia, ele chegou a assistir, acompanhado de palestinos, a um filme americano de propaganda anti-árabe estrelado por Chuck Norris. É como ver as patéticas versões do carnaval brasileiro em produções hollywoodianas, mas no caso da Palestina, o que está em jogo é a existência de uma nação.
Com esse que é o seu trabalho mais abrangente e bem-sucedido até hoje, Joe Sacco nos apresenta de um jeito informal, porém incisivo, a realidade dos palestinos em Israel e nos territórios ocupados. São sobreviventes da intifada, crianças armadas de pedras, histórias de aprisionamento, tortura, posições políticas inflexíveis aliadas a um tipo de realismo pessimista, a falta de esperança e a luta teimosa por autonomia das vítimas da ocupação israelense.
Biografia por Cris Sirqueira
Corão (Alcorão):
Livro Sagrado do Islã (religião da maioria dos palestinos).
Seu texto em árabe clássico é considerado pelos mulçumanos como sendo a própia palavra de Deus, tal qual teria sido revelada ao profeta Maomé pelo anjo Gabriel.
No mês de Ramadã é comemorada a primeira revelação que deu na Noite do Poder (Lailat al-Qadr).
A tradução do Corão foi proibida por muitos anos devido a ser considerada uma representação da palavra divina e uma reprodução exata do próprio Corão eterno e celestial.
Curiosamente, hoje em dia já existindo tradução os muçulmanos continuam sendo orientados a memorizar e até mesmo recitar décor passagens do original árabe.
Neste sentido a elaboração de versões com caligrafia repleta de adornos é uma forma Islâmica característica de reforço da devoção.
O texto final do Corão foi definido sob a supervisão do Califa Uthman, é composta por 114 capítulos ou suras, escritos em prosa rimada, de comprimento desigual.
Israel:
Após o retorno os judeus do exílio na Babilônia, convencionou utilizar o termo Israel para denominar genericamente a nação judaica.
O modeno Estado de Israel foi desenvolvido a partir da campanha sionista (veja Sionisno).
Além de toda problemática em relação a Palestina, Israel sofre de uma alta taxa de inflação.
É o país mais industrializado da região, grandemente ajudado por fundos oriundos dos EUA e das países européias.
Yitzhac Shamir (1995-) líder de direita do partido Likud, esteve frente ao governo (1986-1992) opondo-se firmemente a qualquer negociação com os palestinos.
Já o seu sucessor-líder do Partido Trabalhista realizou conversações com intermediações dos EUA. Em 1993 foi assinado um acordo de paz mas que na prática não se consolidou, já que não foram superados os problemas de distribuição territorial e de soberania da nação Palestina.
Palestina:
'Terra dos Filisteus'. O apêndice de Vulgata (bíblia latina) apresenta para o vocábulo o significado de espalhado, subentendido o substantivo cinza.
Situa-se na costa leste do Mediterrâneo, no Oriente Médio, possui um território árido entrecortado por algumas montanhas e por uma enorme depressão na região do Mar Morto.
Em 1948 a ONU definia sua extensão em 11.573 Km2, hoje em dia soma-se a iso, 373Km2 da Faixa de Gaza e 5.678 Km2 da Cisjordânia.
É também chamada de Terra Santa pois assim é considerada por diversos motivos, por judeus,cristãos e muçulmanos. Após o renascimento do Sionismo (vide Sionismo) em 1917 tornou-se substancial a tensão entre árabes e judeus.
O imperialismo inglês jogou um papel preponderante na época incentivando o Sionismo. Em 37 a Comissão Peel recomenda a partilha do Estado em 2, um árabe outro judeu, mas nenhum desses grupos aceitou. A partir de 1945, a pressão pela imigração judaica incendiou a região ainda mais.
O império britânico teve seu mandato extinguido em 1948 quando foi criado o Estado de Israel.Também em 1948 a Palestina deixou de existir como entidade política reconhecida, sendo dividida entre Egito (Faixa de Gaza), e Jordânia (margem ocidental o rio Jordão).
Em 1967 Israel conquistou o que faltava na guerra dos 6 dias. A saber, o lado leste de Jerusalém, a Cisjordânia e a Faixa de Gaza.
Em dezembro de 1987 explode a Intifada, movimento de protesto espontâneo, em Gaza e na margem ocidental.
O corpo legislativo da OLP - Organização pela Libertação da Palestina (CONSELHO NACIONAL PALESTINO), abandonou a reivindicação anterior de abolição de Israel, concordando com a proposta de criação de dois estados, com uma Palestina independente que seria criada no território ocupado.
Dentro da OLP isto gerou muita polêmica, onde algumas facções avaliam isto como um recuo.
Em setembro de 1993, OLP e Israel sob a égide dos EUA, reconheceram-se mutuamente. Em 94 , os palestinos conquistaram uma auto gestão limitada em algumas partes do seu território.
Em 1995, ocorreram eleições para o parlamento e presidência da Palestina. Hoje em dia como se vê, na prática a questão da paz não está acabada, principalmente porque a questão do território, e da constituição de uma nação Palestina ainda não está resolvida.
Sionismo:
Movimento que traz em seu conteúdo a ocupação da Palestina pelos judeus, expulsando do local o povo palestino. Iniciou-se em 1897, sob a liderança de Theodor Herzl, e claramente incentivado pelo imperialismo britânico, principalmente durante a conclusão da declaração Belfort e a concessão do mandato sobre a Palestina à Grã Bretanha. Cabe ressaltar que as atividades sionistas nos EUA exerceram forte influência na conquista de apoio do congresso e da presidência em 1946-48 para a criação do estado de Israel.
Árabe:
Proveniente da Arábia, povo de etnia semítica, se encontram pelo Próximo Oriente e Norte de África. Os Árabes dão vida a uma brilhante civilização que atinge o seu apogeu nos sécs. X-XII. Tendo vivido sucessivamente sob domínio turco, mongol e das potências européias, os países árabes acabaram por adquirir a independência total no séc. XX. Os países árabes, atualmente, têm em comum a língua árabe e um islamismo pouco uniforme: o pan-arabismo, para que tanto apelam os países árabes, tem atuado mais num sentido de defesa contra outros países do que como elemento aglutinante de união de fato.
São muçulmanos, seguem o alcorão.
Seguidores da religião de Maomé. Possuem como livro sagrado o alcorão
Joe Sacco prova que não só é possível, como, em certos aspectos, sua reportagem em quadrinhos é bem mais eficaz do que o tradicional texto jornalístico ou mesmo histórico/acadêmico. E este é o ponto mais fascinante: com muita ousadia, Sacco demonstrou a potência de uma linguagem que, aparentemente, é inadequada para tratar de um tema tão grandioso e terrível como é o conflito na Palestina. Resta explicar a fonte dessa potência: de onde a história em quadrinhos extrai a legimitidade para reivindicar para si o estatuto e a dignidade de reportagem jornalística. Não é uma questão fácil. Muito ao contrário. Há, antes de mais nada, um problema formal. O texto jornalístico tradicional aspira à "objetividade" - isto é, ao relato isento dos fatos -, mesmo sabendo, de antemão, que fracassará em seu intento (não existe "objetividade" pura, independente do narrador, já que o sujeito da enunciação do discurso sempre deixará sua marca: mesmo a demonstração de um teorema matemático, completamente impessoal, será marcada pelo estilo do matemático). Em sua busca da objetividade inatingível, o texto jornalístico deve adotar certos procedimentos que garantam, ao máximo, o rigor da informação divulgada, a fidelidade às "fontes" da reportagem, a precisão descritiva. O texto jornalístico quer se aproximar ao máximo do objeto da reportagem, quer analisá-lo a partir de vários pontos de vista. Ele se atira, enfim, na direção do objeto.
A linguagem do quadrinho, tradicionalmente, não tem essa motivação. Ela é, muito mais, uma forma de manifestação estética. Como arte, ela certamente permite a livre expressão de um sentimento, de um desejo, de uma determinada percepção do mundo, da pulsão erótica que move o seu autor. Não tem, nesse sentido, compromisso com o objeto, a menos que se entenda como "objeto" o próprio "mundo interior" do artista, o seu imaginário. A linguagem do quadrinho sequer tem a pretensão à verossimilhança postulada pela arte romântica ou realista do final do século XIX. Ali onde o texto jornalístico ambiciona objetivar ao máximo uma determinada situação - impossível não pensar, aqui, no cartógrafo de Jorge Luis Borges, que quis fazer um mapa tão perfeito, tão detalhado do reino, que acabou reproduzindo o próprio território -, o quadrinho estabelece como único compromisso dar forma ao imaginário de seu autor.
O NOVO MUNDO
A "reportagem em quadrinhos" coloca, então, uma questão formal muito complicada. Como conciliar linguagens que não apenas nada têm em comum, como têm ambições antagônicas? Colocado assim, o problema parece ser teoricamente insolúvel. Ele poderia levar à conclusão de que a "reportagem em quadrinhos" rebaixa, diminui tanto a reportagem - por ser excessivamente marcada pelo subjetivismo -, quanto diminui o quadrinho - por estar excessivamente presa ao "mundo objetivo", ao mundo dos fatos empíricos. Poderia ser até uma conclusão aceitável, não fosse o fato de que a mera leitura do livro de Joe Sacco causa uma profunda e agradável impressão de que aquilo que acabamos de ler é uma excelente "reportagem em quadrinhos" sobre a Palestina! Voltamos, então, à questão inicial, já que alguma coisa parece ter escapado ao encadeamento lógico dos argumentos teóricos.
Essa "alguma coisa" é a época em que vivemos. O conceito de "reportagem" foi profundamente influenciado, nos anos 90, pela instalação de uma mídia planetária, que bombardeia todo o mundo com imagens do mundo inteiro, 24 horas por dia, em tempo real. Não há como escapar à constatação de que a linguagem televisiva exerce, hoje, um profundo impacto sobre o jornalismo em geral, modificando até mesmo plasticamente a maneira pela qual os jornais imprimem suas reportagens. É esse impacto que explica, por exemplo, a "cadernização" dos jornais impressos, o uso de cores, de fotos grandes etc. Descrevendo de maneira sintética esse processo, os editores do jornal USA Today proclamaram a sua ambição de produzirem um "jornal impresso".
NOTÍCIA BONITA
Mas o impacto da televisão não se limita ao uso dos elementos formais da linguagem jornalís-tica. Ela também acentuou a importância dos "critérios de mercado" como os parâmetros mais importantes para definir o que é e o que não é notícia (todos conhecemos a extrema sensibilidade da televisão às oscilações dos índices de audiência, como critério único para saber se tal ou qual programa permanecerá ou não no ar). E, mais importante ainda para a nossa rápida reflexão, a televisão diluiu completamente os gêneros: é quase impossível, hoje, classificar rigorosamente um programa como "jornalístico", de "entretenimento" ou "comercial", já que todos incorporam técnicas de todos. Assim como é importante que a apresentadora do telenoticiário se-ja "bonita", também é importante que o candidato a um cargo eletivo seja um bom "apresentador" (de preferência, com "boa aparência").
Saber o que é ou não "notícia", nesse quadro concreto, assim como o tratamento jornalístico que a notícia receberá, depende de uma série de condicionantes que nada têm a ver com a atividade jornalística propriamente dita, pelo menos em seu sentido tradicional. "Notícia" será qualquer evento que tenha boas chances de ser aprovado pelo mercado, não importa a razão (impacto emocional, sensacionalismo etc.). Quanto mais impactante, do ponto de vista imagético (não importa se por sua beleza, por sua crueldade, por seu ineditismo), melhor. A imagem se transformou na palavra-chave do jornalismo contemporâneo. O texto, cada vez mais, serve como mero suporte para a imagem. Isso vale mesmo para os jornais "sérios" (mesmo que o Guardian não publique fotos sensacionalistas de Ladi Dy, aquelas fotos foram vistas pelos seus leitores e isso influenciará o editor ao estabelecer o tom da reportagem).
Se já não é possível, no mundo contemporâneo, separar "notícia" da "imagem da notícia", isso coloca uma outra indagação, de certa forma angustiante: as imagens que vemos do mundo não são neutras, não são "objetivas", embora construam a ilusão de o serem, com muito mais competência que o texto. Raramente paramos para pensar que aquilo que vemos na televisão ou impresso nas páginas do jornal não é "o" mundo, mas "um" mundo, entre muitos outros mundos possíveis. Alguém elegeu aquele fato para ser notícia, alguém manipulou a câmara e escolheu os ângulos a partir dos quais registrou aquele fato, alguém editou as imagens prontas, alguém determinou o momento em que aquela seqüência de imagens seria levada ao ar etc. Só que os teles-pectadores não mantêm essa reflexão em sua linha de horizonte, principalmente porque a televisão estimula um estado passivo, hipnótico, quase letárgico de recepção das imagens, que passam a ser absorvidas sem qualquer reflexão crítica.
AQUELE QUE VÊ
O poder extremamente sedutor da imagem radica na tradição cultural. Nossa cultura privilegia a visão como fonte principal de obtenção de conhecimento. Isso vem da Antiguidade Clássica. Como mostra o historiador Jacques LeGoff, a palavra "história" vem do grego antigo historie, em dialeto jônico. Esta forma deriva da raiz indo-européia wid-, weidi, "ver". Daí o sânscrito vettas "testemunha" e o grego histor "testemunha" no sentido de "aquele que vê". Esta concepção da visão como fonte essencial de conhecimento leva-nos à idéia que histor "aquele que vê" é também aquele que sabe; historein em grego antigo é "procurar saber", "informar-se". Historie significa pois "procurar". É este o sentido da palavra em Heródoto, no início das suas Histórias, que são "investigações", "procuras". Se quisermos ir um pouco além, basta lembrar que na tradição bíblica até Deus teve que "ver" a disposição demonstrada por Abrão de sacrificar seu filho Isaac, assim como São Tomé teve que "ver" as feridas no corpo de Cristo para aceitar o fato de sua ressurreição.
Vemos, logo sabemos - é isso que nos diz a nossa tradição cultural, e é isso que os grandes oligopólios da mídia utilizam para, diariamente, através dos telejornais, construir o seu mundo como se fosse "o" mundo, o único possível, o único existente. A cobertura da Guerra do Golfo (janeiro/fevereiro de 1991) foi exemplar a esse respeito. Quem "viu" a Guerra do Golfo pela televisão, a partir das imagens transmitidas pela CNN, constatou que não houve derramamento de sangue. Foi uma guerra "limpa", "cirúrgica". Durante quarenta dias e quarenta noites, os Estados Unidos lançaram 88,5 mil toneladas de bomba sobre Bagdá, a capital do Iraque, onde viviam 4,8 milhões de habitantes, sem matar absolutamente ninguém! Vimos, diante de nossos olhos, um milagre da tecnologia. Hoje se sabe que pelo menos 100 mil pessoas morreram em Bagdá, incluindo crianças, mulheres e velhos.
O incrível não é que tanta gente tenha morrido. Ao contrário, isso é o esperado. O incrível é que bilhões de telespectadores, em todo o mundo, tenham acreditado que a guerra foi "limpa". O então presidente dos Estados Unidos, George Bush, terminou a guerra contando com o apoio de 90% da opinião pública de seu país, que, alegremente, exorcizou o "fantasma do Vietnã". E se tanta gente, no mundo inteiro, acreditou em algo tão absurdo, é porque todos foram vítimas (e, de certa forma, cúmplices) de uma sofisticada "engenharia do consenso" arquitetada pelas grandes corporações da mídia, em comum acordo com o Departamento de Estado dos Estados Unidos. A "engenharia do consenso" não é algo "novo". Ela vem sendo insistentemente desmascarada e denunciada por Noam Chomsky, para quem a mídia, hoje, é o principal inimigo da democracia.
CONSTRUINDO CONSENSOS
Basicamente, a "engenharia do consenso" é um complexo processo psicossocial. Os grandes oligopólios da mídia estimulam o debate público sobre alguns assuntos, mas sempre condicionando o debate a certos parâmetros. Chomsky dá o famoso exemplo do "debate" entre "pombas" e "falcões" que tomou conta da imprensa americana nos anos 80. "Pombas" eram os congressistas que queriam derrubar o governo sandinista da Nicarágua mediante pressões econômicas. "Falcões" eram os que propunham ataques militares para atingir os mesmos objetivos. O público foi dividido entre uns e outros, sem que ninguém parasse para dizer que os Estados Unidos não tinham o direito de derrubar o governo sandinista, nem de qualquer outro país, por qualquer meio que fosse.
No Brasil do final dos anos 90, apenas para citar outro exemplo, vemos a "engenharia do consenso" em operação quando notamos que o debate sobre a dívida externa - e principalmente sobre a moratória - foi totalmente eliminado dos noticiários. Criou-se um consenso segundo o qual o grande problema da economia nacional é a inflação, e de que bastaria conter a depreciação da moeda para que todos os problemas fossem resolvidos. A partir daí, tornou-se legítimo qualquer debate sobre como sustentar o Plano Real, com a mesma força que se tornou "maldita" qualquer sugestão que colocasse em risco a idéia do "livre mercado" como passaporte para a modernidade.
É claro que a "engenharia do consenso", para ser bem-sucedida, tem que partir das expectativas e preconceitos do público (que, desta maneira, torna-se cúmplice). No caso da Guerra do Golfo, "ninguém morreu" porque os árabes, vítimas das bombas, eram vistos como portadores de uma subcultura, um povo "fanatizado" pelo Islã, culturalmente "atrasado" etc., isto é, um não-povo, gente estranha que não tinha mesmo direito a um lugar ao Sol, como "nós", os ocidentais. Os árabes já não existiam como seres humanos, antes mesmo da guerra começar. Ou, no caso da Nicarágua, tratava-se de mais uma "republiqueta de banana" destinada a ser "civilizada" pela cultura anglo-saxônica, obviamente superior, e daí ninguém estranhar a legitimidade de uma ação de Washington nesse sentido. Ou ainda, no caso do Brasil, é a nossa classe média disposta a defender as migalhas que julga ter conquistado com o Plano Real (a casa própria, o carro pago em intermináveis prestações fixas etc.).
O quadro que aí se delineia é desolador. A notícia, se nunca foi um "relato objetivo", até porque, como já vimos, não existe a "linguagem objetiva", hoje funciona apenas como uma peça de legitimação de determinada ordem ou percepção de mundo. Ela é um ingrediente do "grande show" transmitido diariamente pelos oligopólios da comunicação. Ao diluir as fronteiras entre os gêneros, ao tratar o mundo como show e o show como notícia, a mídia permitiu, em contrapartida, que outras linguagens, como a dos quadrinhos, reivindicasse para si o estatuto do jornalismo. E aí se resolve o impasse aparente.
IMAGENS INVISÍVEIS
Para a nossa sorte, Joe Sacco é leitor de Noam Chomsky. Ele mesmo começou a se interessar pela "questão palestina" a partir de 1981, quando Israel bombardeou o Líbano. Seu interesse tornou-se indignação em 1982, quando as tropas israelenses, comandadas pelo fascistóide Ariel Sharon, deram suporte militar e logístico ao massacre de cerca de 5 mil palestinos (a imensa maioria composta por crianças, mulheres e velhos) nos campos de refugiados libaneses de Sabra e Chatila. Sacco suspeitou que havia algo de muito errado nas descrições da mídia que faziam de Israel um Estado "vítima" dos "sanguinários" vizinhos árabes. Começou a investigar o assunto por conta própria. Acabou viajando para a Palestina, em 1996, lá vivendo durante dois meses. O resultado foi o livro que agora temos em nossas mãos.
Um dos grandes méritos de Sacco - e daí o imenso poder de seus quadrinhos - foi o de ter dado visibilidade aos árabes "invisíveis". Durante os seis meses de preparação do ataque de Washington a Bagdá - de agosto de 1990, quando Sadam Hussein invadiu o Cuáit, a janeiro de 1991, quando a guerra começou -, o mundo foi inundado por fotos de soldados americanos mobilizados para a guerra, e de seus familiares que ficavam nos Estados Unidos. Tínhamos todas as informações sobre os soldados americanos: sabíamos seus nomes, suas idades, com quem namoravam, onde viviam, quem eram os seus pais, os seus filhos. Do "lado de lá", nada sabíamos. Ou melhor, recebíamos as famosas imagens de mulheres com véu ("eles" são machistas), de garotos de quinze anos armados até os dentes ("eles" são fanáticos), de feiras de camelos na Arábia Saudita ("eles" são atrasados). Por meio dessa operação, os árabes se tornaram invisíveis, tanto quanto os soldados americanos se tornaram nossos amigos, figuras familiares e simpáticas.
Ora, os árabes palestinos são invisíveis para o Ocidente desde pelo menos o início do século XX. Sacco nota, em seu livro, a extrema violência implicada no lema do movimento sionista - uma terra sem povo para um povo sem terra -, que germinou na Europa no início do século XX. A ''terra sem povo'' era a Palestina; o ''povo sem terra'', obviamente, era o judeu. A premissa era completamente falsa. A Palestina nunca foi uma ''terra sem povo''. Ao contrário, foi ocupada desde pelo menos o século VII por uma imensa maioria de árabes muçulmanos e também por minorias de árabes cristãos e judeus. Isso significava, entre outras coisas, que os judeus de origem européia só poderiam ocupar a Palestina mediante a expulsão dos habitantes árabes daquela região. E isso foi feito, como reconhece ninguém menos que o próprio general Moshe Dayan, comandante das tropas israelenses durante a Guerra dos Seis Dias.
''Nós viemos para este país que já era habitado pelos árabes, e aqui estamos estabelecendo um Estado hebreu, isto é, judaico. Em áreas consideráveis do país, compramos as terras dos árabes. Cidades judaicas foram cons-truídas no lugar das cidades árabes. Vocês nem sabem o nome das cidades árabes, e eu não os culpo por isso, porque nem existem mais os antigos livros de geografia. Mas não apenas os livros não mais existem, como as cidades árabes também desapareceram.''
Dayan deu essa declaração ao jornal israelense Ha-Aretz, 4 de abril de 1969. A declaração foi citada pelo professor palestino Edward Said, em seu livro The Question of Palestine (Random House, Nova York, 1979, p. 14), livro que foi lido por Sacco, como ele mesmo disse em várias entrevistas. Temos, então, o seguinte problema: o movimento sionista europeu foi obrigado a negar a existência dos árabes palestinos, como forma de justificar e legitimar uma suposta ''volta'' do povo judeu ao seu lar de origem, a Palestina. Mas como negar a existência de todo um povo? O próprio Said dá uma resposta: ''Devemos entender a luta entre palestinos e sionistas como uma luta entre a presença e a interpretação, a primeira sendo sempre derrotada e eliminada pela segunda'' (op. cit., p. 8). E como a ''intepretação'' sionista ocultou a ''presença'' árabe palestina? Simples: por um jogo de mobilização de preconceitos culturais.
TERRA SEM POVO
Como já notamos, os árabes, do ponto de vista ocidental, constituíam um povo ''atrasado'', uma civilização ''estranha'', que adotavam outros deuses, outras vestimentas, outro alfabeto. Os sionistas, ao contrário, eram cidadãos europeus (ainda quando vinham da Europa Oriental). Assim como, à época das grandes navegações, os habitantes originais das Américas eram vistos como ''selvagens'' não civilizados - prova disso é que não conheciam as letras efe, ele e erre, e não tinham, portanto, nem fé, nem lei, nem rei -, assim também os árabes eram descritos como uma civilização exótica, distante, habitantes de terras longínquas, de algum lugar que tinha existência mais forte na fantasia do que em alguma região do planeta. Eram seres desencarnados, que não possuíam história, despojados de seu passado, seu presente e seu futuro. Eram não-seres.
E assim se construiu o mito de uma ''terra sem povo''. O movimento sionista contava com a simpatia de uma forte percepção eurocêntrica do mundo, que condicionava o olhar até mesmo dos intelectuais e filósofos de esquerda, como Karl Marx, que, por exemplo, saudou o ''processo civilizatório'' do capitalismo inglês durante a colonização da Índia. Consumada, assim, a aparente vitória da ''interpretação'' sobre a ''presença", os líderes sionistas podem até se permitir falar do assunto com uma certa franqueza, como fez Moshe Dayan. Mas a ''presença'' de uma história e de uma cultura não se deixa enterrar tão facilmente. A memória de todo um povo que teima em existir foi a base sobre a qual se construiu a Autoridade Palestina, forma embrionária do Estado que resgatará para esse povo o direito à própria história.
Sacco dá uma cara aos árabes sem cara. Mostra o sofrimento das mães palestinas, a ansiedade das crianças, o terror dos homens diante de um Exército formidável, poderoso e fascistóide. Mas ele não faz um "panfleto palestino". Ao contrário, há todo um esforço para mergulhar no componente profundamente humano da tragédia palestina. Produz seus heróis e seus covardes, suas esperanças e suas frustrações. Nisso reside a legitimidade e o poder deste livro: no mundo em que impera as imagens, Sacco produz as suas próprias imagens de mundo para subverter, questionar uma percepção uniformizada pela grande mídia.
E não será este, precisamente, o objetivo maior de uma grande reportagem?
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