Sinopse: Em sua incursão pela Palestina, há cerca de dez anos, o jornalista e cartunista Joe Sacco visitou a Faixa de Gaza e Israel para relatar o que acontecia, de fato, dentro de uma das mais tumultuadas zonas de conflito do mundo.
Positivo/Negativo: Nascido em Malta em 1962, Sacco vem atraindo atenção por realizar reportagens, em forma de quadrinhos, sobre zonas de conflito ignoradas ou maltratadas pela cobertura das agências de notícia internacionais.
Assim, torna-se retratista e porta-voz dos oprimidos. Esse trabalho pode ser admirado no Brasil em álbuns anteriores de Sacco, também lançados pela Conrad: Palestina - Uma Nação Ocupada e Área de Segurança - Gorazde. Também há uma história sua na antologia Comic Book - O Novo Quadrinho Norte-Americano, da mesma editora.
Sacco é herdeiro do New Journalism, de Truman Capote e Tom Wolfe (vertente que pregou uma aproximação da reportagem com a literatura, e rendeu obras como o excelente A Sangue Frio, livro recém relançado no Brasil pela Companhia das Letras) e do Gonzo Journalism (linha fundada por Hunter Thompson, com textos escritos em primeira pessoa, descarada, despudorada e embriagadamente, em que a importância da parte literária supera a do jornalismo em si).
Por isso, o autor não cai nessa de isenção. Ele escolhe um lado deliberadamente, e desde sempre parece fazer a opção pelos que levam mais pancada, pelos que passam fome, pelos explorados, pelos oprimidos, pelos que têm a liberdade tolhida e, sufocados, tentam recuperá-la - mesmo que na marra.
Foi assim que conseguiu atrair a simpatia da esquerda com folga. No último Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, suas obras tiveram bastante saída no estande da editora - mesmo disputando espaço com gurus da chamada nova esquerda, como Luther Blissett, Hakim Bey e outros títulos da Coleção Baderna.
Essas duas vertentes de discussão sobre a obra de Sacco acabaram deixando de lado um terceiro aspecto: o de seus méritos como um quadrinhista que privilegia a informação. E o Universo HQ parece ser o lugar mais adequado para tratá-lo.
A arte de Sacco é em preto-e-branco, repleta de hachuras. Com um mínimo de descuido, beiraria o excesso, e a poluição visual seria inevitável, até porque há um detalhamento quase absurdo no cenário. Já os rostos de seus retratados são cartunescos, quase caricaturais.
Pois a simplificação que marca a caricatura pode parecer quase paradoxal quando posta lado a lado com o detalhamento do cenário. Não é. Em ambos os casos, o quadrinhista mostra que a informação está na frente.
Ao mostrar a estampa do tapete (página 60, primeiro quadro) ou a sujeira das ruas (61, último quadro), Sacco representa o ambiente por inteiro, tal qual uma fotografia. Já a cartunização dos rostos permitem-no passar mais sinteticamente a emoção dos seus entrevistados.
Não se pode deixar de notar que Sacco se auto-retrata sempre com óculos, o que impede que suas pupilas sejam vistas. Se os olhos são o espelho da alma, os óculos tornam-se uma forma de o jornalista tirar o corpo fora, e deixar que o leitor veja as situações com seus próprios olhos, e não com os do autor. É a isenção a que ele se permite.
Joe Sacco também é um mestre nas transições de quadro a quadro. São elas que dão ritmo ao texto abundante e que ilustram os comentários dos entrevistados. Apesar de ser uma leitura mais lenta que a normal, ela se torna recompensadora pelo volume inacreditável de informações que o autor consegue dispor em cada página.
Esse ritmo também é dado pela sinuosidade da diagramação dos recordatórios e do próprio letreiramento (no caso da edição brasileira, é preciso se louvar os méritos de Lilian Mitsunaga, em mais um trabalho irretocável ao manter as intenções originais do autor).
Se em si Palestina - Na Faixa de Gaza não traz novidades, repetindo os méritos dos dois álbuns anteriores, não se pode ignorar que essas obras são realmente surpreendentes - e as histórias relatadas continuam tão chocantes quanto emocionantes.
Como complemento, ao realizar jornalismo bem feito em quadrinhos, conseguiram expandir ainda mais as possibilidades de uma área geralmente tida como funcional apenas como depositório de super-heróis.
O fim, bastante abrupto, talvez seja a única ponderação a se fazer a respeito do álbum. A impressão que dá é que faltou uma página. É a mesma sensação que se repete no fim de diversos capítulos, mas que a continuidade do livro, mesmo que com outras histórias, apazigua.
De outra forma, é reconfortante que um autor de quadrinhos faça uma obra que não prima pelos finais fechados, nessa arte que tem como hábito narrativas para lá de convencionais.
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Palestina - uma nação ocupada, Joe Sacco
05/01/2007
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