terça-feira, 13 de novembro de 2007

Controlar as grandes empresas, para libertar a democracia - por Michael Marx, Marjorie Kelly - fente: http://diplo.uol.com.br

PÓS-CAPITALISMO

Controlar as grandes empresas, para libertar a democracia

Após meses de estudos, organizações norte-americanas propõem uma estratégia concreta para evitar que as corporações continuem colonizando os governos, e levá-las a agir em sintonia com as comunidades, os direitos sociais e o meio-ambiente

Michael Marx, Marjorie Kelly

Na vasta galáxia de temas que apaixonam e mobilizam os Fóruns Sociais, podem estar nascendo algumas novas estrelas, de grande magnitude. Nos Estados Unidos, movimentos sociais e think-tanks (centros de estudos) progressistas estão lançando um conjunto de propostas para estabelecer o controle social sobre as corporations – grandes empresas que atuam em muitos países, oligopolizam vastos setores da produção e exercem enorme influência sobre governos, parlamentos e instituições internacionais.

Apresentado em detalhes, na última edição da revista Yes! (inglês, castalhano) e baseado em estudos e consultas que se estenderam por dezoito meses, o projeto sugere três grandes linhas de ação. No plano político, quer a separação radical entre Estado e empresas – uma revolução equiparável à conquista do Estado laico, na Revolução Francesa. No terreno da economia, propõe transformar em Bens Comuns vastos setores da atividade humana, hoje tidos como mercadorias. A lista vai das florestas e vida selvagem aos oceanos, água doce, ciberespaço, espectro hertziano, conhecimento, gens, sementes. Finalmente, o projeto avança sobre a própria vida empresarial. Grupos sociais que não detêm ações, mas são diretamente afetados pelo comportamente das corporações (como os trabalhadores e as comunidades) deveriam ter assendo em seus conselhos. Além disso, as empresas deveriam ser submetidas a rankings, de acordo com o respeito que dedicam aos direitos sociais e ao ambiente. O Estado atuaria beneficiando as companhias éticas com incentivos e redução da carga tributária. As que pressionam os sindicatos e devastam a natureza seriam punidas com medidas de sentido inverso – e submetidas a um Tribunal Internacional para Crimes Corporativos.

A proposta não surge do nada. Nas duas últimas décadas, a sociedade civil procurou focar as ações das empresas por meio de duas formas de ação distintas. Lançou-se o conceito de responsabilidade social empresarial, que sustenta a necessidade de as corporações deixarem de se preocupar apenas com os lucros, e incorporarem temas da cidadania. No Brasil, esta trilha é seguida, destacadamente, pelo Instituto Ethos Ao mesmo tempo, ONGs como Corp Watch (EUA) e Corporate Watch (Reino Unido) passaram a acompanhar sistamaticamente, numa postura de denúncia, violações cometidas pelas corporações contra direitos humanos e a natureza.

A nova postura tenta um passo adiante. Ela vê a responsabilidade empresarial como algo muito importante, para ser tratado apenas por empresários... Não propõe um ataque em bloco às corporações. Sugere, ao contrário, que terão espaço mesmo num mundo regido por valores opostos aos hoje hegemônicos. Mas afirma: deve-se impedi-las de continuar colonizando governos e parlamentos, influindo nas eleições e na elaboração das leis, pressionando permanentemente em favor de políticas que submetem a sociedade ao “Fundamentalismo dos Mercados”. Para tanto, é preciso inverter a própria lógica das corporações — que hoje prioriza, acima da preocupação com o bem-estar e da sustentabilidade, os lucros, o acúmulo de riquezas e a expansão permanente.

A proposta que acaba de nascer também não se limita à denúncia. Até o momento, diz em certo ponto um dos textos de Yes!, os cidadãos têm se preocupado apenas com os sintomas dos abusos das empresas – entre outros, devastação de ecossistemas, o ataque a comunidades, o trabalho em condições degradantes. Trata-se, agora, de agir sobre as causas. Uma parcela majoritária da opinião pública (mais de 80%, nos EUA, segundo pesquisas) considera que as corporações têm “demasiado poder”. É hora de encontrar alternativas que permitam aparar suas garras, e colocá-las sob controle social.

Le Monde Diplomatique reproduz abaixo a matéria de abertura da ampla série de artigos de Yes! sobre o tema. É possível ter acesso, por internet, a todos os demais textos (inglês, castelhano). A publicação sinaliza uma importante novidade em nosso Caderno Brasil. Além dos textos produzidos por colaboradores brasileiros, ele trará, a partir de hoje, artigos de publicações destacadas da imprensa alternativa em todo o mundo. Em contrapartida, elas estamparão textos do Caderno, numa permuta permanente, sem contrapartida financeira. Yes! é o pontapé inicial:integrarão nossa rede de parceiros jornais e revistas de muitos países. Além de oferecer ao leitor informações e análises inéditas, o sistema será um sinal permanente de que é possível contruir formas de jornalismo baseada no direito à livre circulação do conhecimento.

O poder das corporações está por trás de todos os principais problemas que enfrentamos – dos salários estagnados e do preço preço da saúde até o consumismo e o aquecimento global. Em alguns casos, é a causa do problema; em outros, é um obstáculo para soluções abrangentes. O poder empresarial é tão invasivo que chegamos a vê-lo como incontornável. E é tão onipresente que não conseguimos enxergá-lo. Mas está bloqueando soluções para alguns dos problemas mais urgentes do nosso tempo.

Em quase todos os países, a maioria dos cidadãos percebe, por exemplo, que o aquecimento global é uma enorme ameaça para o planeta — e deseja que algo seja feito a respeito. Por que os governos demoram tanto para agir? Em grande medida porque os lobbies das corporações investem pesado para evitar saídas que signifiquem redução de lucros.

Por que as deslocalizações de empresas reduzem os salários e agravam o desemprego? Entre outros motivos, porque os tratados de comércio, redigidos a portas fechadas e com grande influência das corporações, mudaram as regras da economia mundial, permitindo que a globalização tomasse um rumo favorável às empresas — às custas dos trabalhadores, comunidades e do ambiente.

Atacam ambiente, demitem em massa, controlam a mídia

Por que os sindicatos estão declinando e suas conquistas desaparecendo? Em grande parte, porque o poder das corporações anula drasticamente o poder de trabalhadores e governos. Coloca os países e regiões uns contra os outras e quebra a força dos os sindicatos, para manter rebaixados os custos do trabalho, aumentar lucros e promover, em conseqüência, uma corrida duradoura aos mercados de ações.

Por que a distribuição eletricidade, as telecomunicações, o transporte aéreo e outros setores críticos da economia estão desregulados e submetidos a colapsos ou tragédias, cujos custos são pagos pela sociedade? Em grande parte, porque a teoria do "livre mercado", incentivada por contribuições a campanhas eleitorais e lobbies, seduz parlamentares e os convence a confiar na "auto-regulação" da economia.

Se tudo isso acontece, por que nos não lemos mais sobre a capilaridade do poder das corporações? Um dos motivos é que o próprio “Quarto Poder” — a mídia — pertence majoritariamente a um punhado de mega-corporações.

Grandes corporações tornaram-se governos de fato, e a ética que as comanda pretende dominar a sociedade. Maximizar lucros, manter os salários comprimidos e transferir custos para o ambiente tornou-se a dinâmica central da economia e, virtualmente, de toda a sociedade. O que se perde é o bem público, a noção de que a vida é mais do que consumo e o entendimento de que o mercado não pode administrar todos os aspectos da ordem social.

Bases para um movimento para o Bem Público

A solução é colocar as corporações sob controle dos cidadãos e a serviço do bem público. Os principais componentes para encarar tal desafio já existem: trabalhadores organizados; ambientalistas; ativistas em favor dos direitos humanos e do consumidor; grupos de juventude; movimentos camponeses; ativistas da saúde; associações comunitárias e, em alguns países, ativistas que compram ações de empresas, para denunciar suas práticas nocivas nas assembléias gerais.

Em momentos como os protestos de Seattle, em 1999, a ação conjunta de grupos como esses foi capaz de enfrentar a Organização Mundial do Comércio (OMC). Outros resultados importantes têm sido alcançados com ações que freiam o consumo de produtos fabricados em condições desumanas, limitam a publicidade do cigarro, desafiam práticas predatórias dos bancos e protegem florestas ameaçadas — para nomear apenas alguns êxitos.

Outra tendência atual é a difusão de projetos econômicos de perfil comunitário, como empresas controladas por trabalhadores, cooperativas e assentamentos de agricultores, que, por sus própria natureza, estão muito mais voltados para o bem-estar humano e ambiental que para os lucros.

Todos estes movimentos defendem sociedades saudáveis, uma economia ética e o bem comum. Se agissem juntos, teriam enorme poder coletivo. Mas ainda não há um todo, apenas partes desconexas. Apesar de muitas realizações, a desigualdade de poder entre corporações e forças democráticas tem crescido muito, nas últimas décadas.

Sonhar alto, somar forças em alguns temas decisivos

Ativistas e cidadãos estão começando a mudar isto. É possível somar forças. Mas as estratégias precisam evoluir, para que seja possível reduzir o abismo de poder entre a cidadania e as corporações. É preciso sonhar mais alto, somar forças em torno de alguns temas decisivos, agir mais estrategicamente. O foco deve ser repensado: ao invés de se concentrar nos sintomas de abuso das corporações, pode deslocar-se para suas causas, relacionadas com o poder excessivo das empresas. É importante reconhecer que, em última instância, nossa luta é por poder. Não apenas para tornar as corporações mais responsáveis, mas para colocá-las a serviço da sociedade, como parte do serviço público.

Faltam, hoje, a nossos movimentos, uma visão coerente sobre o papel que atribuímos às corporações, em nossa sociedade, e uma estratégia para concretizar esta visão. Trata-se de colocar Nós, o Povo, no comando do nosso futuro — em lugar dos robozinhos poderosos, que enxergam apenas o crescimento a curto prazo e os lucros elevados, sem se importar com as conseqüências.

É preciso que a diversidade de pequenos movimentos hoje existentes flua para um movimento global, capaz de colocar as corporações sob controle dos cidadãos e seus governos eleitos. A necessidade urgente de uma ação unificada levou um pequeno grupo de organizações a iniciar uma Iniciativa Estratégica sobre Corporações (SCI, em inglês), de qual a revista YES! é parte.

Um caminho diante de nós, com três eixos

Nos últimos 18 meses, a equipe do SCI entrevistou dezenas ativistas de movimentos sociais e executivos progressistas, para construir uma estratégia coerente visando controlar as corporações. Emergiram, destes encontros, três objetivos principais:

1. Restaurar a democracia e constituir forças que possam controlar o poder das corporações:

No plano local, significa ampliar os direitos dos municípios sobre as corporações. As comunidades devem ter o direito de determinar que empresas vão se instalar em sua jurisdição, além de estabelecer exigências como padrões de salário e proteções ambientais.

No plano nacional, restaurar a democracia significa separar o Estado das corporações. Não é possível continuar permitindo que elas, e os mais ricos, dominem os processos legislativos e eleitorais.

Na esfera internacional, a tarefa é criar acordos e instituições que transformem os direitos sociais, ambientais e humanos em parte integrante das regras da economia global.

2. Restringir severamente os terrenos em que operam as corporações orientadas pelo lucro:

A maioria das indústrias de extração (pesca, óleo, carvão, mineração, madeira) extraem riqueza do meio-ambiente comum. Danificam ecossistemas, esgotam recursos e pagam apenas um valor simbólico para os governos. A solução é desenvolver fortes instituições que tenham direitos de posse sobre a riqueza coletiva. Nas situações em que esta for escassa ou estiver ameaçada, é preciso limitar seu uso, atribuindo direitos de propriedade a empresas ou autoridades públicas. Se houver limites claros para a ação das empresas, os conflitos sobre os bens comuns se alteram. Ao invés de poderosas corporaçõs globais contra um setor público impotente, podemos ter disputas reais, resolvidas com base no princípio do respeito ao bem comum.

3. Redesenhar as corporações em si, e o sistema de mercado no qual elas operam:

As dinâmicas internas das empresas funcionam hoje como uma fornalha, cujo ponteiro de temperatura só pode ser girado para cima. Todos os fluxos internos exigem agir mais rápido, expandir a atuação, obter mais lucros a curto prazo. Tudo isso conduz a demissões, às pressões contra os sindicatos, à exigência de subsídios dos governos, a tensões crescentes que o consumismo impõe sobre os eco-sistemas.

Para desmontar tal dinâmica, as corporações precisam da presença consistente de acionistas não-financeiros. São eles que poderão contrabalançar as demandas por lucro, sustentando como objetivos importantes o respeito aos direitos dos trabalhadores, da comunidade e do meio-ambiente.

Para acabar com a tentação pelo curto prazo, os incentivos oferecidos pelas empresas — incluindo a remuneração dos executivos — devem estar condicionados a seu desempenho em relação ao bem-comum. As remunerações extra pagas aos executivos por meio de ações da própria empresa (stock-opitions) devem ser proibidas ou reconcebidas. As aplicações especulativas nas bolsas de valores precisam ser tributadas com alíquotas substantivamente maiores que os investimentos de longo prazo. As empresas podem ser ranqueadas com base em seu comportamento em relação ao trabalho, meio-ambiente e comunidade. Os governos usariam seu poder financeiro — impostos, compras, investimentos e subsídios — para recompensar os bem-comportados e punir os vilões.

Ao mesmo tempo, é preciso celebrar e encorajar projetos empresariais alternativos, como cooperativas, sistemas de crédito ético e empresas controladas por empregados.

Os trajetos assinalados aqui não são utopias irreais. Com um movimento de cidadãos, em vinte anos podemos fazer destes planos, realidade.

Construindo um Movimento Global de Cidadãos

Como podemos mudar as leis que regulam o comportamento das corporações, se elas dominam o processo político? A resposta é que as mudanças sempre começam entre as sociedades, não a partir de seus governos. As organizações da sociedade civil e as comunidades podem articular seus interesses para produzir uma onda na qual um governo pode tanto surfar quanto se afogar.

As sociedades são a fonte da legitimidade, e nenhum sistema pode se sustentar sem ela por muito tempo, como demonstrou a queda dos déspotas do século 20. As corporações já perderam muito de sua legitimidade moral. Nos Estados Unidos, uma pesquisa da revista Business Week revelou, em 2002, que mais de 80% dos entrevistados acreditavam que as corporações eram poderosas demais. Uma enquete nacional feita pela empresa Lake, Snell, Perry e Mermin, há dois anos, concluiu que mais de três quartos dos norte-americanos não acreditam nos executivos-chefes, e os culpam por eliminação de empregos. Uma pesquisa internacional feita pelo Globe Scan mostrou recentemente que as pessoas confiam muito mais nas ONGs do que nas corporações.

Alguns processos podem acelerar as mudanças. Infelizmente, é provável que o aquecimento global continue a produzir manchetes; os preços do petróleo e energia podem chegar a patamares inacessíveis; e não se deve duvidar de novos escândalos corporativos. Embora indesejáveis, estes fatos podem ajudar as pessoas a juntar os pontos: a encontrar os nexos, por exemplo, entre o pagamento excessivo dos executivos-chefes, o olhar a curto prazo das empresas, e a inabilidade do setor privado para administrar problemas estratégicos, como a crise da energia e o aquecimento global

Os conceitos que ajudam a sociedade a perceber

Podemos lançar novos conceitos. "Economia ética", por exemplo, coloca em xeque a demissão de milhares de empregados, simultânea à concessão de bônus multimilionários aos executivos. Sugerido por Fred Block, do Longview Institute, o conceito de Economia Ética convida a introduzir um novo sistema de forças nas dinâmicas do mercado. Visa neutralizar o comportamento imoral, de curto prazo, interessado apenas em si mesmo, promovido pelo Fundamentalismo do Mercado.

Outros conceitos, como a Comunidade e os Bens Comuns desafiam a supremacia do individualismo e egoísmo, típicos do Fundamentalismo de Mercado. O bem-estar da Comunidade se torna o padrão pelo qual as práticas de negócios são julgadas; e as próprias comunidades, os árbitros que avaliam o cumprimento dos padrões. Os Bens Comuns representam nossa propriedade e riqueza compartilhadas, que não podem ser exploradas para benefício egoísta de poucos.

Novos quadros conceituais, fatos que aceleram mudanças, crise da legitimidade do Fundamentalismo de Mercado. Elementos como esses podem ajudar a construir um movimento de cidadãos para controlar as corporações. Mas não podemos simplesmente esperar que ele surja espontaneamente. No plano internacional, precisamos que organizações regionais articulem-se para chegar a acordos sobre prioridades comuns. Em cada pais, igualmente, é possível definir prioridades compartilhadas. No plano local, é preciso criar redes de organizações que atuem juntas para desafiar os interesses das corporações, promover formas de negócios alternativos, fazer o levantamento das riquezas comuns e reivindicá-las. As comunidades também podem organizar rankings sociais e ambientais das empresas e exigir que as decisões locais de investimento os levem em conta.

Agendas compartilhadas não significam que cidadãos ou organizações abandonem seus temas e os troquem por novos — mas que possamos somar nossas agendas específicas a outras, que as reforcem. Podemos nos ligar a um grande movimento adotando conceitos comuns e integrando, às campanhas existentes, prioridades de estratégia compartilhada.

Estados: “ineficientes” ou colonizados?

Como indivíduos, podemos deixar nossas identidades de consumidores e investidores num segundo plano, priorizando em seu lugar nossas identidades como cidadãos e membros de comunidades: pessoas com responsabilidade pelo mundo natural e com obrigação moral com os outros. Diante da velha ladainha, segundo a qual, os Estados são ineficientes e esbanjadores, é preciso lembrar que, na grande maioria dos casos, as grandes corporações e o sistema financeiro controlam os governos.

As mudanças de que precisamos não estarão nas agendas dos partidos até que um movimento de cidadãos as exija. Como a redução do poder subterrâneo das corporações poderia ajudar outros movimentos? O fim das doações das empresas às campanhas eleitorais seria extremamente benéfico aos grandes interesses públicos. Com que freqüência iniciativas tão diversas como a proteção de florestas, a ampliação da recliclagem de materiais, ou a garantia de melhor atendimento por parte dos planos de saúde têm sido abatidas pelas corporações, que têm recursos incomparavelmente maiores que os da sociedade civil para influenciar os parlamentos?

Além disso, se fosse possível reduzir o enorme exército de lobbystas corporativos que atuam em qualquer Legislativo, e fechar as janelas de promiscuidade entre empresas e agências reguladoras, o sistema financeiro, as empresas de energia, de transporte ou cigarros ainda estariam desreguladas — ou não reguladas? As empresas aéreas ainda poderiam dirigir a política aeroportuária? Um punhado de grandes empresas poderia dominar a mídia?

Imagine que, em vinte anos, nossos esforços sejam bem sucedidos e as sociedades possam governar a si mesmas. Haveria, então, uma barreira clara entre as corporações e o Estado, reduzindo a influência financeira sobre as eleições e as leis, tornando possível o surgimento de uma geração de parlamentares e funcionários públicos qualificados, progressistas e comprometidos com a transformação social.

Um dos grandes desafios do novo século

Imagine que, em vinte anos, seja possível reorganizar as instituições da economia global, de modo que os direitos dos trabalhadores e o ambiente estejam integrados a políticas de negócios, e as nações empobrecidas estejam livres do pagamento de dívidas externas. As regras de negócios e investimentos promoveriam o comércio justo, e os governos nacionais teriam o espaço político para propor e alcançar metas sociais e ambientais. As corporações transnacionais que promovessem ações destrutivas responderiam a uma Corte Mundial para Crimes Corporativos.

Imagine que, em vinte anos, o auto-governo das comunidades tenha se tornado a nova norma. As empresas não poderiam mais abrir novas filiais onde não fossem desejadas, nem poderiam jogar comunidades umas contra as outras, para obter subsídios públicos ilegítimos. Protegeríamos e valorizaríamos nossas riquezas comuns, os bens ecológicos comuns como o ar, a água, a pesca e as sementes, e os bens culturais comuns, como a música e a ciência.

Imagine que, em vinte anos, torne-se violação da responsabilidade, para as as empresas, pagar remunerações obcenas a executivos-chefes, pressionar agressivamente os sindicatos ou promover lobby contra proteções ambientais. Empresas responsáveis protegeriam o ambiente como se houvesse amanhã, e veriam, como seu maior recurso, os conhecimentos dos empregados e a reputação da companhia nas comunidades onde opera. Imagine que tais empresas recebam um tratamento preferencial nas compras do governo, e se beneficiem de tributação e políticas de investimento público favoráveis, enquanto empresas irresponsáveis vejam-se proibidas de firmar contratos com o governo.

Imagine que tenhamos políticas nacionais para fazer da propriedade dos trabalhadores sobre a empresa algo comum. E que projetos empresariais alternativos — como coperativas e empresas novas, voltadas para o bem das comunidades — cresçam e floresçam.

Imagine, em outras palavras, que [Nós, o Povo] sejamos capazes de recuperar nossa economia e sociedade do controle das corporações. Ousar pensar que tais eventos são possíveis — e fazer um mapa do caminho para chegar lá — é um grande desafio de nosso novo século.

Tradução: Gabriela Leite Martins
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