MEIO AMBIENTE
A última do Greenpeace - Reflexões sobre equívocos da nossa agenda ambientalista (II)
Fiquei imaginando se o Greenpeace confeccionaria o mesmo “informe publicitário” substituindo o retrato de Lula pelo de Marina Silva, a ministra diretamente responsável pelas questões ambientais. Não, a Marina não, ela é do bem...
Bernardo Kucinski
O espantoso "informe publicitário" ocupou a página inteira do Estadão (1). No topo, uma foto do presidente de ponta a ponta, cabisbaixo, escolhida a dedo para humilhar, no melhor estilo Folha de S. Paulo, onde, aliás foi comprada (ou foi cedida?). Em baixo, em corte horizontal um cenário de floresta incendiada. Sobre a fumaça, a admoestação: Presidente Lula: o problema das mudanças climáticas está bem embaixo do seu nariz.
No pé da página um longo parágrafo começa com “O Brasil é o quarto maior emissor de gas carbônico na atmosfera... acelerando o aquecimento global..” E repete pacientemente o pito: “A explicação, presidente, está bem debaixo do seu nariz e na frente dos nossos olhos: o desmatamento da Amazônia.....etc e tal, e assim vai. Assinado: Greenpeace.
Quanto será que custou esse anúncio de página inteira no jornal mais caro do país? De onde veio o dinheiro? Certamente de doações, filiados do Greenpeace, ambientalistas desprendidos e apoiadores da boa causa. Enfim: dinheiro do público. Essa gente toda foi consultada sobre a relação custo-benefício desse anúncio? Ou sobre seus termos, sua linguagem? Se não foi, está errado. Se foi está mais errado ainda, porque o “informe publicitário” dessa ONG internacional, que não deveria se meter em política partidária, explora a cultura do preconceito anti-lulista, criada e adubada pelos tucanos. O presidente é um ignorante, não percebe um problema que está “bem embaixo do seu nariz” . É preciso que o Greenpeace "explique".
O informe publicitário personaliza a crítica, num ataque direto à figura do presidente, outra característica do discurso tucano. Fiquei imaginando se o Greenpeace confeccionaria o mesmo “informe publicitário” substituindo o retrato de Lula pelo de Marina Silva, a ministra diretamente responsável pelas questões ambientais. Não, a Marina não, ela é do bem...
A linguagem da propaganda não admite nuances, contradições. Por isso, o Greenpeace passa por cima das medidas que o governo já tomou para defender o meio ambiente, ou das novas medidas em discussão. Não discute se são boas, suficientes, se não são. Não considera se o desmatamento da Amazônia está diminuindo no governo Lula ou não. De fato, está diminuindo, mas esse “detalhe” complicaria o “informe publicitário”.
Não é uma peça didática, analítica, que procura conscientizar, como se esperaria de uma ONG ambientalista . Não discute. É uma peça de ataque político . É um informe de natureza metafísica, que por isso precisa ignorar a realidade das políticas do governo em relação à Amazônia. Mais que isso, o pressuposto do discurso do “está bem embaixo do seu nariz”, é o de que não há política nenhuma. Uma mentira.
Como toda peça de propaganda, esse “informe publicitário” foi concebido para desinformar, não para informar. Por isso, as falácias do informe sucedem-se, dentro da lógica inexorável da linguagem enganosa de toda propaganda. A primeira frase é a primeira falácia: “O Brasil é o quarto maior emissor de gás carbônico na atmosfera acelerando o aquecimento global...”
Não é o quarto maior, é o sexto maior (2) e nem poderia estar acelerando o aquecimento global, porque suas emissões de 1,14 bilhões de toneladas de CO2 equivalente por ano, correspondem a apenas 6% das 19,31 bilhões de toneladas emitidas pelos cinco grandes. Mesmo que o Brasil corte toda sua emissão, se nada for feito pelos Estados Unidos e China, ao aquecimento continuará se acelerando.
A relação entre efeito estufa e Floresta Amazônica é bem mais complexa: graças à sua imensidão, a floresta amazônica praticamente captura de volta todo o CO2 que o Brasil emite, inclusive o CO2 de suas próprias queimadas, que constituem a maior parte do que emitimos. É o que mostram os últimos estudos do maior projeto de pesquisa ambiental da Amazônia, revelados pelo caderno especial Amazônia, publicado pelo Estadão (3). Ou seja, o Brasil não pode tecnicamente contribuir para o aquecimento global, porque a floresta amazônica não deixa. É nisso que está justamente a importância da preservação da floresta amazônica.
Ao contrário do que sugere o “informe publicitário” do Greenpeace, é o aquecimento global que ameaça a floresta amazônica. Foi essa a grande mudança de percepção, verbalizada no começo de novembro na Espanha pelo secretario geral da ONU, Ban Kimoon: “Se as mais severas projeções do painel de mudanças climáticas se tornarem reais, muito da Amazônia será transformada em savana.”
E problema é emergencial, alertam os cientistas. Se o problema é a aceleração do aquecimento global, base da peça publicitária do Greenpeace, o ataque deve ser dirigido contra essas cinco potências poluentes e seus padrões de consumo. São elas que em primeira instância ameaçam a Amazônia com suas emissões. “O problema foi causado pelas nações ricas, então elas precisam mostrar liderança ” diz o Secretário executivo da Convenção do Clima, Yvo de Bôer (4). Por que não cobrar do presidente Bush a não adesão ao protocolo de Kyoto?
Mesmo não tendo a obrigação de reduzir suas emissões, por sermos uma economia que ainda não satisfaz as necessidades básicas da população, somos signatários do protocolo de Kyoto e estamos para adotar uma meta voluntária de redução de emissões. Essa discussão já vem, rolando no governo há alguns meses e o Greenpeace sabia disso. Por que não publicou um manifesto ou abaixo assinado dizendo por exemplo: Nós os abaixo assinados, apoiamos a propostas em tramitação no governo de adoção de metas voluntárias de redução de emissões, mesmo sabendo que com isso perdemos um instrumento de pressão para que o presidente Bush aceite o protocolo de Kyoto, etc, e tal.
E agora, uma última pergunta? Quantas árvores foram derrubadas para produzir essa página de propaganda enganosa do Greenpeace? Tentei fazer uma estimativa. Como não entendo do assunto, usei a lógica formal: a cinco gramas por folha de jornal, teríamos 2,5 gramas por página. Vezes 300 mil exemplares de tiragem chegamos a 750 quilos de polpa, numa estimativa grosseira. Uns cinco pés de eucalipto, pelo menos. Essa foi a contribuição do informe publicitário do Greenpeace à derrubada de nossas árvores. O Estadão ainda não usa papel reciclado.
(1) Estadão do dia 21/11/07, página A15.
(2) Ver os dados de 2006 antecipados por José Goldenberg, em O Estado de S. Paulo, 5/11/07.
(3)Datado nov/dez 2007.
(4) Entrevista ao ESP, 24/11/07
Bernardo Kucinski, jornalista e professor da Universidade de São Paulo, é colaborador da Carta Maior e autor, entre outros, de “A síndrome da antena parabólica: ética no jornalismo brasileiro” (1996) e “As Cartas Ácidas da campanha de Lula de 1998” (2000).
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