sábado, 24 de janeiro de 2009

Blog em recesso!

Caros amigos.
Desculpe a falta de atualizações no blog. Estou de férias, em lugar de difícil acesso à internet.
Em fevereiro, estaremos de volta com muita coisa nova.
Um grande abraço,
Alexandra
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segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

A música ao redor do mundo


Fonte: Blog do Luis Nassif
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A idade da mentira

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Segundo José Saramago, “George Bush expulsou a verdade do mundo para, em seu lugar, fazer frutificar a idade da mentira”. Uma retrospectiva dos anos Bush talvez nos ajude a compreender com mais clareza o que essa era representou para o mundo.

George Walker Bush é aquilo que o “american way of life” reconhece como um “winner”.

O 43º presidente dos Estados Unidos nasceu em 06 de julho de 1946. Graduado em História em Yale e com MBA pela Harvard Business School, da conceituada Harvard University, primeiro venceu na indústria do petróleo.

Em 1977 criou a Arbusto Energy, uma companhia de exploração de petróleo e gás. Em 1982 mudou o nome da empresa para Bush Exploration Oil & Gas Company, depois da quinta crise internacional do petróleo (1979), e a vendeu em 1984 à Spectrum 7, que faliu em 1985.

Pelo contrato, Bush assumiu como diretor da Spectrum, ainda antes de sua falência. Foi isso que permitiu que, com o resgate dessa empresa, em 1986, pela Harken Energy Corp., Bush assumisse como um de seus diretores.

Em 1991, quando participava do Conselho Diretor dessa empresa, foi acusado de usar informações sigilosas em benefício próprio. Logo depois que vendeu suas ações, a Harken registrou um prejuízo de 23,2 milhões de dólares no trimestre. Seus detratores alegaram que a investigação federal que avaliou sua conduta teria sido influenciada diretamente pelo seu pai, George H. W. Bush, então presidente dos EUA.

Foi eleito duas vezes governador do Texas, em 1994 e 1998. Venceu sua primeira eleição presidencial em 2000, ao derrotar o democrata Al Gore, e foi reeleito em 2004, ao superar o também democrata John Kerry.

Sua primeira vitória ainda hoje causa discussão, bem como a validade dos votos que o elegeram. Superou por apenas 5 votos, no Colégio Eleitoral, o democrata Al Gore, embora o então vice-presidente dos EUA tenha recebido 500 mil votos a mais do que Bush na eleição direta.

Coincidentemente, os votos que decretaram sua vitória foram obtidos na Flórida, estado então governado por seu irmão, Jeb Bush...

“É meu dever libertar pessoas”
Um dos mais impopulares presidentes estadunidenses de todos os tempos começou sua administração, a bem da verdade, sob fogo cerrado.

Bush, porém, soube tirar proveito disso. Sua postura diante dos ataques de 11 de setembro de 2001 elevaram seus índices de aprovação a mais de 90%, uma marca histórica.

Porém, ao recorrer aos pilares da cultura estadunidense - tradição, família, propriedade, liberdade e o velho e bom self-made -, e discursando em nome de um fundamentalismo que, na prática, renegava tudo o que uma religião poderia ter de bom, mal sabia Bush que sua empáfia mergulharia os EUA num dos maiores atoleiros morais de sua história recente.

Na “Sessão Conjunta do Congresso e do Povo Americano”, logo após os atentados do onze de setembro, a palavra “cruzada” pôde ser ouvida em seu discurso.

Fez-se um lúgubre silêncio no mundo. Ninguém imaginava que uma liderança internacional, ao menos em sã consciência, assumisse o discurso do “choque de civilizações”.

Porém, o estrago estava feito.

Islâmicos de todo o mundo apontaram o caráter de “Guerra Santa” presente no discurso estadunidense. Feridas medievais, cicatrizadas após séculos de esforços em nome da convivência pacífica entre ocidente e oriente, irromperam por conta de uma retórica maniqueísta, que via na reação estadunidense a realização plena da eterna luta do bem contra o mal.

A espada da justiça divina havia sido depositada em suas mãos. Sua missão era a realização da vontade de Deus. “É meu dever libertar pessoas”, teria dito George Bush.

Décadas de secularismo foram imediatamente destroçadas, enquanto quase se ouviam, ao longe, as trombetas dos sete anjos, anunciando o Juízo Final.

A “Guerra contra o Terrorismo”
Sua “Guerra contra o Terrorismo” e contra o “Eixo do Mal” começou no Afeganistão, onde supostamente operariam Osama Bin Laden e sua Al-Qaeda, apontados como autores dos atentados do onze de setembro.

O governo talibã foi deposto e o presidente exilado, Burhanuddin Rabbani, reempossado. Contando com a ajuda de forças da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), questionada por lideranças internacionais, os EUA jamais controlaram o país asiático.

Chefiados por um governo especial interino, que artificialmente tenta unificar etnias que divergem do que comer a maneira de se vestir, os afegãos vivem o caos.

Milhares de vítimas colaterais depois, os EUA disfarçam seu fracasso concentrando suas forças ao redor da capital afegã, Cabul, enquanto recente relatório do Conselho Internacional sobre Segurança e Desenvolvimento afirma que os Talibãs já controlam 72% do Afeganistão e três das quatro principais vias de acesso à capital afegã. Em numerosas vilas e cidades ao sul, afirma o relatório, o Talibã continua sendo o único poder.

Ainda assim, os EUA planejam enviar até 20 mil homens para o Afeganistão, no início do ano que vem. Talvez para ajudarem nas plantações de papoula, de onde se extrai o ópio, umas das principais fontes de renda dos aliados estadunidenses no país.

Em fevereiro de 2003, convencido de que o governo iraquiano tinha ligações com a Al-Qaeda desde o atentado do onze de setembro, e munido de um relatório de inteligência que apontava a existência de armas de destruição em massa no Iraque, George Bush pediu ao Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) autorização para o uso preventivo da força, que lhe foi negada. Bush, depois disso, recusou-se a propor uma segunda resolução à ONU.

“Pela paz do mundo e pelo bem e liberdade do povo iraquiano, dou a ordem para executar a Operação Liberdade Iraquiana. Que Deus abençoe as tropas”, teria dito Bush ao jornalista Bob Woodward.

No mês seguinte, mais uma vez os céus de Bagdá escureceram.

George Bush rezou logo após a decisão de desencadear a operação Liberdade Iraquiana. “(...) para ser o mais possível um bom mensageiro da vontade de Deus”, teria dito.

Nove meses depois, Saddam Hussein seria preso. Três anos depois, em dezembro de 2006, seria executado por enforcamento, após condenação por genocídio, por um tribunal iraquiano comandado politicamente pelos EUA.

Ainda em 2003, o vice-secretário da Defesa dos EUA havia afirmado que “nadar em petróleo” teria sido a principal razão para a invasão do Iraque. “no caso do Iraque, economicamente falando, nós simplesmente não tínhamos escolha. O país [Iraque] nada em um mar de petróleo”, teria dito Paul Wolfowitz.

Em outra polêmica declaração, o mesmo Wolfowitz afirmou que foi somente “por razões que estão muito ligadas à burocracia do governo dos EUA”, que George Bush e seus falcões estabeleceram “como ponto principal algo com que todos poderiam concordar: armas de destruição em massa”.

Armas de destruição em massa que, também, nunca existiram. “Muitas agências de inteligência acreditaram que Saddam Hussein tinha armas de destruição em massa, e é verdade que essa informação se provou errada”, afirmou Bush, ainda em 2005.

O presidente, na verdade, eufemizava o fato dos serviços de inteligência dos EUA terem produzido relatórios falsos e os apresentado às Nações Unidas, a fim de legitimar o achaque ao petróleo iraquiano.

Tudo isso ocorreu antes de Saddan ser condenado e executado.

Recentemente, Bush defendeu vigorosamente seus oito anos de intervenções no Oriente Médio, que, segundo suas palavras, “tornaram a região mais livre que em 2001”.

De 600 mil a um milhão de iraquianos morreram e continuam morrendo desde a invasão estadunidense, em 2003. Civis foram assassinados covardemente por forças mercenárias contratadas para fazer a segurança dos estadunidenses que lá trabalham e mulheres foram estupradas. Embora os conflitos internos entre sunitas e xiitas sejam agora menos freqüentes, jamais recrudesceram tanto quanto durante os anos de ocupação. O Líbano, recentemente, quase foi varrido por Israel, que continua fazendo do território palestino campo de testes para armamentos experimentais, com o apoio dos EUA.

“Yes, we can”
Tão logo trombeteou sua Guerra Santa, George Bush obteve, do Congresso estadunidense, a autorização para manter sob custódia, por tempo intederminado e sem acusação legal, suspeitos de “terrorismo internacional”.

O “Patriot Act” também autorizava o governo a espionar cidadãos estadunidenses, mas foram os estrangeiros que pagaram o pato.

Muitos dos 250 prisioneiros de Guantánamo, prisão estadunidense em território cubano, não foram formalmente indiciados. Oriundos de países como o Afeganistão e Arábia Saudita, aguardam a hora de seus julgamentos pelos tribunais militares especiais de George Bush, criados a fim de julgar suspeitos de terrorismo internacional ligados a organizações como a Al-Qaeda. Eles são chamados de “combatentes inimigos”.

Residentes nos Estados Unidos que não são seus cidadãos também estão sujeitos aos tribunais militares especiais. Esse é o caso de Ali al-Marri, nascido no Catar, que está em confinamento solitário desde 2003 em um navio da marinha dos EUA, na Carolina do Sul. A Suprema Corte dos EUA vai se manifestar sobre seu caso.

Assim como Guantánamo, Abu-Ghraib também é uma prisão estadunidense onde permanecem detidos prisioneiros sem acusação legal. Ao menos extra-oficialmente, a grande vantagem de um prisioneiro de Guantánamo, em relação ao seu colega detido em Abu-Ghraib, sempre foi a de que aquele primeiro somente apanhava, enquanto seu colega detido na prisão iraquiana poderia, além de ser espancado, ser torturado ou ridicularizado pelos soldados dos EUA.

Isso, porém, até George Bush democratizar a tortura, ao vetar a legislação apresentada pelo Congresso que proibia a Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA) de utilizar métodos de interrogatório pouco ortodoxos, como a simulação de afogamento. Desde então, os prisioneiros de Guantánamo passaram a ser oficialmente interrogados pela CIA de acordo com os legalizados métodos de investigação.

Depois da capitulação do Iraque, George Bush devotou especial atenção para o Irã, um dos três pilares do chamado “eixo do mal”. O Irã, segundo a Casa Branca, estaria produzindo armas nucleares para atacar Israel e o Ocidente e colaboraria com a resistência iraquiana.

Em 2006, o secretário de Defesa dos EUA, Robert Gates, em uma conferência na Espanha, afirmou que a Casa Branca teria provas sobre o envolvimento do Irã com “rebeldes” iraquianos, eufemismo estadunidense para designar todo cidadão que resiste à ocupação de seu país por uma força estrangeira.

O Irã, segundo Gates, forneceria armas e tecnologia para os referidos rebeldes. A resistência iraquiana também seria patrocinada pelo Hezbollah, por sua vez subvencionado pelos governos do Irã e da Síria.

Essas acusações jamais foram provadas.

Quando o presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, condicionou a suspensão de seu programa de enriquecimento de urânio à suspensão dos programas mantidos por países ocidentais, ouviu de Tony Snow, porta-voz do fundamentalismo cristão da Casa Branca, a seguinte afirmação: “Você acha que essa oferta é séria?”

Snow tinha muitos motivos para troçar da proposta de Ahmadinejad. O primeiro deles é que o maior aliado dos EUA no Oriente Médio, o Estado de Israel, jamais reconheceu publicamente possuir um arsenal nuclear militar.

Israel negou-se terminantemente a assinar o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (proposto em 1970 e ratificado em 2002 por 188 países, inclusive o Irã), o que o desobriga de assumir, perante a comunidade internacional, o status de potência nuclear, condição que o exime de inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica.

Os próprios serviços de inteligência estadunidenses acabaram desmentido as acusações da Casa Branca de que o Irã produzia armas nucleares.

“Ainda acho que o Irã é perigoso”, respondeu Bush.

Sua política de relações internacionais, depois de estreitar laços com o Afeganistão, com o Iraque e com o Irã, voltou-se para o leste europeu, o que criou mais um foco de tensão internacional.

O anúncio de que Washington teria planos de instalar um sistema antimísseis na Polônia e na República Tcheca gerou imediata reação russa. O chefe do Estado Maior da Rússia, general Yuri Baluyevsky, afirmou à imprensa que “O disparo de um foguete antimíssil da Polônia poderia ser considerado pelo sistema automático da Rússia como o lançamento de um míssil balístico, o que poderia provocar um ataque como resposta”.

O projeto de escudo antimísseis dos EUA no leste europeu prevê a instalação de bases de radares na República Checa e um sistema de interceptação de mísseis na Polônia. Os acordos com os dois países europeus foram assinados, respectivamente, em julho e agosto últimos.

A Rússia argumentou que a instalação de um sistema antimísseis americano no Leste Europeu afeta o equilíbrio militar na Europa e estimula uma nova corrida armamentista. Washington rebateu dizendo que o objetivo do sistema será proteger os Estados Unidos e seus aliados na Europa de ataques de países considerados perigosos, como o Irã.

Segundo os próprios serviços de inteligência da Casa Branca, é bom lembrar, o Irã não produz armas nucleares.

Seu legado ambiental também não é dos mais honrosos. Bush recusou-se a ratificar o Protocolo de Kyoto, assinado por seu antecessor, o democrata Bill Clinton. A esse respeito chegou a declarar que o acordo seria “desleal e inútil”, pois deixaria de fora 80% do mundo, além de causar “sérios prejuízos à economia americana”. A administração Bush também questiona a teoria de que os poluentes emitidos pelo homem causem elevação da temperatura da Terra.

“Hay que endurecer...”
As relações da Casa Branca com a América do Sul não foram nada ternas, na gestão Bush.

Porém, o outrora playground político estadunidense vem diminuindo, não obstante sua crescente presença militar no continente.

A CIA montou em Assunción, durante o governo (1954-1989) do ditador paraguaio Alfredo Stroessner, uma estação de espionagem eletrônica e de rastreamento de sinais de rádio. Emissões de rádio de toda a região sul da América eram monitoradas e utilizadas pelos aparelhos repressores dos diversos ditadores de plantão de então.

Anibal Miranda, especialista em geopolítica, ainda em 2001 assegurava à imprensa “que a estação ainda funciona, no prédio da embaixada americana em Assunção”.

Foi provavelmente graças a esse monitoramento que os EUA recentemente divulgaram relatório demonstrando “preocupação” com o terrorismo na Tríplice Fronteira, confluência geográfica entre Argentina, Brasil e Paraguai. De acordo com a Casa Branca, células terroristas de grupos do Oriente Médio, como o Hezbollah e o Hamas, estariam operando na região, arrecadando doações entre a comunidade muçulmana local.

O exército paraguaio executa ações conjuntas com o exército estadunidense. Em Assunción, militares dos EUA estão presentes no Centro de Instrução Militar de Operações Especiais. Em Mariscal Estigarribia há uma pista de pouso para qualquer tipo de aeronave, que serve de apoio a operações estadunidenses na região.

Segundo Maria Luisa Mendonça, coordenadora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, a estratégia estadunidense nessa região tem combinado “campanhas de propaganda sobre a suposta ‘ameça terrorista’, com a presença de militares estadunidenses, favorecida pelo acordo militar bilateral dos Estados Unidos com o Paraguai”.

Já a estratégia militar estadunidense em geral, por sua vez, ainda segundo Mendonça, “inclui implementação de bases militares, treinamentos e presença de tropas em território estrangeiro, investimentos em tecnologias de monitoramento, espionagem e projetos de infra-estrutura. Esta estratégia está baseada em diversos pilares, desde a intervenção direta até campanhas de propaganda e difamação, passando por processos das chamadas 'guerras de baixa intensidade', que promovem a opressão e estimulam a violência contra populações de baixa renda, urbanas e rurais”.

O Comando de Operações Especiais (Socom, em inglês), ainda em 2006, expandiu suas atividades para cerca de 20 países do Oriente Médio, da África e da América Latina. Desde 2003, já na administração Bush, o orçamento desse comando aumentou 60%.

Segundo o The Washington Post, entre suas missões está o recolhimento de informações para o planejamento de eventuais ações militares em países onde não há guerra ou conflito direto.

Talvez tenha sido graças a tais informações, e em nome da estratégia de estímulo a conflitos locais, que Phillip Goldberg, embaixador dos EUA na Bolívia, reuniu-se com líderes da oposição boliviana ao presidente Evo Morales, antes dos recentes conflitos racistas no país andino.

Goldberg foi expulso da Bolívia e o presidente Lula declarou apoio a Evo Morales, lembrando que a diplomacia dos EUA têm um longo histórico de ingerência nos assuntos sul-americanos.

Recentemente, Evo Morales qualificou como “vingança política” a decisão estadunidense de excluir seu país de benefícios alfandegários, unilateralmente condicionados à “luta antidrogas”. Bush suspendeu isenções fiscais de que se beneficiavam produtos bolivianos no mercado dos EUA.

Integrantes do governo dos EUA também mantiveram freqüentes contatos com diversos líderes golpistas nas semanas anteriores ao golpe de estado contra Hugo Chávez, em 2002. Meses após o golpe, que foi condenado oficialmente pela Organização dos Estados Americanos (OEA), o governo venezuelano revelou a presença de navios e aviões militares americanos em seu território, durante os dias da manobra oposicionista.

George Bush também tentou “aprimorar” o “Plano Colômbia”, criado pelo governo dos Estados Unidos em 2000, ainda na administração democrata.

O plano, que em tese combateria o narcotráfico na região, seria expandido a ponto de permitir a atuação dos militares estadunidenses no país sul-americano contra “ameaças à segurança nacional”, tanto dos EUA quanto da Colômbia. Incluída em um apêndice do orçamento nacional que Bush apresentou ao Congresso no ano passado, essa autorização permitiria aos EUA não se restringir, na região, apenas ao combate ao narcotráfico e às guerrilhas.

As guerrilhas, segundo classificação do Departamento de Estado dos EUA, seriam as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farcs), o Exército de Libertação Nacional (ELN) e a Autodefesas Unidas Colombianas (AUC).

Só que as AUC financiavam suas ações contra a guerrilha de esquerda com o tráfico de cocaína, tudo sob a vista grossa do presidente Álvaro Uribe, do exército colombiano e da agência estadunidense antidrogas (DEA).

Talvez tenha sido por isso que, no recente episódio de violação da soberania do Equador pela Colômbia, os EUA tenham dado apoio incondicional a Álvaro Uribe. “Democratas e republicanos devem trabalhar para estar ao lado de nosso aliado e lutar contra o narcotráfico”, disse Bush na oportunidade. Tratava-se de “uma questão de segurança nacional”, complementou à época.

A resolução da 25ª Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores da Organização dos Estados Americanos (OEA), realizada em março último, em Washington, repudiou, em seu artigo 4, “a incursão de forças militares e efetivos da polícia da Colômbia em território do Equador, na Província de Sucumbíos, em 1° de março de 2008, feita sem conhecimento nem consentimento prévio do Governo do Equador, por considerar que constitui uma clara violação dos artigos 19 e 21 da Carta da OEA”.

Os EUA, evidentemente, fizeram restrições a tal artigo, argumentando que "a Colômbia exerceu o seu direito de 'legítima defesa', durante o ataque voltado contra as Farc".

A diplomacia brasileira, na oportunidade, defendeu a inegociabilidade do Artigo 21 da Carta da OEA, que trata da inviolabilidade territorial de seus estados-membros, contra a peculiar noção estadunidense de “soberania relativa”, defendida dias antes por Condoleezza Rice. Segundo a lógica de Rice, o combate ao terrorismo não pode respeitar fronteiras, o que implica que, nesses casos, a noção tradicional de soberania seja substituída pela de “soberania relativa”.

Um dos últimos movimentos da estratégia militar estadunidense para o continente foi a reativação de sua 4ª Frota Naval, responsável pela área marítina do Caribe e da América do Sul.

Uma das preocupações brasileiras com a reativação da 4ª Frota é que os EUA assinaram, mas não ratificaram, a Convenção de Montego Bay, da qual o Brasil é signatário. Segundo Montego Bay, o Brasil tem mar territorial de 12 milhas náuticas e Zona Econômica Exclusiva (ZEE) de 188 milhas, extensível até trezentas caso haja prolongamento da plataforma continental no fundo do oceano, fato que pode ser verificado tecnicamente.

Boa parte das novas reservas de petróleo localizadas pela Petrobras se localizam na ZEE, na chamada camada pré-sal.

Paranóia? Na verdade, recentemente os EUA questionaram, perante a Comissão de Levantamento da Plataforma Continental da ONU (LEPLAC) “os valores apresentados pelo Brasil no processo de levantamento de sua plataforma continental”, segundo o contra-almirante José Eduardo Borges de Souza, secretário-executivo da Comissão Interministerial para Recursos do Mar (Secirm).

De resto, desde o princípio da era Bush, a Casa Branca jamais aceitou negociar seus gigantescos subsídios à agricultura estadunidense e seu protecionismo a produtos como o aço, quando discutiu a implementação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). Medidas compensatórias e acesso ao mercado estadunidense jamais fizeram parte da agenda de Bush para a ALCA, marcada por medidas unilaterais e pela exclusão de temas que não interessam a sua economia.

Mas que interessam, e muito, principalmente aos países do Mercosul.

Em função dessa resistência, os EUA passaram a celebrar tratados bilaterais de comércio, sobretudo com os países cujas economias são menos estruturadas, o que lhe confere maior poder de barganha sobre o conjunto do continente.

A reação latina veio na forma da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL).

“No, we can't anymore”
Em matéria de políticas internas, suas campanhas fundamentalistas para a abstinência sexual de adolescentes e jovens solteiros foram tão condenadas por setores da sociedade estadunidense quanto a proibição de pesquisas científicas sobre células-tronco.

A lei federal “No child left behind” (“Nenhuma Criança Deixada para Trás”), de 2001, foi duramente criticada. Entre as acusações de especialistas está a de que promoveu a privatização de parte do serviço básico de educação pública.

Acusação que também pesou sobre as reformas promovidas nos serviços sociais e de saúde. A privatização maciça desses setores foi feita, sobretudo, em benefício de organizações religiosas.

As mesmas que exigiram limitações legais ao direito ao aborto e o cancelamento de financiamentos a associações internacionais, como o Fundo das Populações das Nações Unidas, vinculado a ONU. Responsável por questões populacionais, a entidade foi acusada por setores religiosos fundamentalistas de promover, indiscriminadamente, o aborto e a esterilização forçada entre mulheres da China.

Segundo dados do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, entre 2001 e 2007 aumentaram em 25% os casos em que autoridades encarregadas da aplicação da lei violaram direitos civis das vítimas que deveriam proteger, um aumento de 25% em relação aos sete anos anteriores. A maioria dos acusados, contudo, sequer foi processada.

A taxa oficial de pobreza do país, em 2006, era de 12,3%. 7,7 milhões de famílias viviam em condições de pobreza, bem longe do sonho americano. Em novembro do ano passado, o Departamento de Agricultura apresentou relatório admitindo que, ainda em 2006, 35,52 milhões de estadunidenses, incluídas aí 12,63 milhões de crianças, haviam passado fome.

Enquanto isso, o orçamento estadunidense deste ano, de US$ 2,7 trilhões, previa 419 bilhões em despesas militares, além de outros 235 bilhões exclusivos para manter a ocupação ilegal do Afeganistão e do Iraque. Os recursos previstos para o Pentágono, este ano, representaram um aumento de 62% em relação a 2001, quando George Bush assumiu a Casa Branca. 47 dias de ocupação estadunidense no Iraque e no Afeganistão equivalem ao orçamento anual das forças armadas brasileiras.

O atual déficit recorde dos EUA, de US$ 427 bilhões, é uma conseqüência das ocupações no Iraque e no Afeganistão, do aumento das despesas com segurança nacional, depois do onze de setembro, e da recessão de 2001, que eliminaram o superávit do orçamento herdado por Bush quando assumiu a Casa Branca pela primeira vez.

Alguns analistas também afirmam que seus cortes gigantescos de impostos, entre eles a “Tax Relief for America”, de 2001, também são responsáveis pelo atual déficit histórico. Os principais objetivos desses cortes, a recuperação da economia e a criação de empregos, não foram atingidos.

Ainda na economia, sua gestão foi marcada por duas crises, a recessão de 2001/02 e o recente colapso de Wall Street.

A recessão do começo deste século teve sua origem, segundo afirmou o economista Walden Bello nessa mesma Carta Maior, na bolha tecnológica do final dos 90, que resultou na perda de ativos no valor de 7 bilhões de dólares em função do desmoronamento dos preços das ações das empresas do mundo da Internet, que haviam disparado de forma artificial.

Foi então que, em junho de 2003, já na administração Bush, o presidente do Banco Central dos EUA, Alan Greenspan, tratando de prevenir uma recessão duradoura, rebaixou as taxas de juros 1%, nível sem precedentes em 45 anos. “Com isso, o que conseguiu foi estimular a formação de outra bolha: a bolha imobiliária”, afirmou Bello, responsável pela maior quebra da economia estadunidense desde a crise de 29.

Que vem arrastando, consigo, boa parte da economia mundial.

Segundo José Saramago, “George Bush expulsou a verdade do mundo para, em seu lugar, fazer frutificar a idade da mentira”.

Informações recentes dão conta que, cada vez mais isolado, sequer seus amigos o visitam na Casa Branca, e nem mesmo seus secretários mais próximos têm comparecido aos seus antes concorridos encontros.

Na contabilidade final da história, o homem que um dia pensou falar com Deus e agir em seu nome não passa de um grande perdedor.

* Mestrando em filosofia. Mantém o blog www.laviejabruja.blogspot.com

Fonte: Agência Carta Maior

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Análises sobre o massacre dos Palestinos na Faixa de Gaza

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A REPETIÇÃO DE UM ERRO

Israel não aprende!

A história tem mostrado que o colonialismo só sobreviveu intacto, quando a maioria dos nativos usurpados foram exterminados. Algumas vezes, como na Argélia ocupada, os colonizadores tiveram de fugir. A prosseguir a violência de Israel sem que nada a detenha, os palestinos não aceitarão nem a solução de um Estado igualitário, e os colonialistas de Israel serão forçados a sair.

Quando George Bush, presidente dos EUA, pisou pela primeira vez na Casa Branca como comandante-em-chefe, em 2001, os palestinos estavam sendo mortos na intifada de al-Aqsa. Oito anos depois, quando Bush prepara-se para sair de lá, Israel realiza um dos maiores massacres dos seus 60 anos como potência ocupante, na Palestina. Antes, como hoje, os EUA decididamente apóiam a ofensiva israelense, e dizem, até, que seria defensiva.

Recentemente, um general israelense ameaçou usar força militar para obrigar Gaza a "retroceder décadas", a mesma linguagem usada antes de Israel invadir o Líbano, em 2006. Mas, apesar de Israel ter devastado o Líbano, o Hizbóllah emergiu vitorioso, e o movimento social e de resistência dos xiitas emergiu como herói do mundo árabe. Hoje, Israel está próximo de cometer erro idêntico, na luta contra o Hamás.

Israel, para assinar uma trégua com o Hamás, exige que os palestinos aceitem, mudos e imóveis, qualquer tipo de bloqueio ou sítio. Israel negou-lhes até os meios mais básicos para a sobrevivência e, isso, sem falar que sempre lhes negou qualquer chance de construírem uma sociedade funcional. E a cada movimento de resistência, Israel tentou esmagá-los.

Já no Líbano, há anos, Israel deveria ter aprendido, de uma vez por todas, que a força militar não basta, para destruir a resistência dos palestinos.

O papel da mídia

O exército israelense chacina, depois de ter aprisionado, a população de 1,5 milhão de seres humanos que vive em Gaza, e o Ocidente assiste ao sacrifício dos palestinos. A mídia opera para explicar, quando não para justificar, a carnificina em cores.

Até no mundo árabe houve noticiários e comentaristas para informar que o poder de fogo da resistência palestina - praticamente rojões, todos de fabricação caseira - seria grave ameaça à portentosa máquina militar que Israel é, mais do que comanda ou possui.

Pois nada disso é surpresa; os israelenses montaram uma campanha global de propaganda para obter apoio para o assalto, e até conseguiram, sim, a colaboração de alguns Estados árabes.

Um jornal norte-americano convidou-me certa vez para uma discussão sobre se haveria caso ou circunstância em que se justificasse o terrorismo ou o ataque militar a populações civis. Respondi que nenhum jornal norte-americano deveria perguntar a mim sobre justificativas para ataques a civis desarmados. Que essa pergunta só poderia ser respondida por, e portanto só poderia ser feita a, civis que algum dia tivessem sofrido ataque militar: pelos índios nos EUA, há 150 anos; pelos judeus, na Alemanha Nazista; pelos palestinos, hoje.

Terrorismo é termo que se usa hoje, doentiamente, para descrever o que 'outros' fazem, não para descrever o que 'nós' fazemos. Nações poderosas, como Israel, os EUA, a Rússia ou a China, sempre descrevem como "terrorismo" a luta de resistência que seja feita, contra as nações poderosas, pelas suas vítimas.

Estranhamente, não dizem que seria ato de terrorismo a destruição da Chechênia, o massacre lento do que resta dos palestinos, a repressão aos tibetanos e a ocupação, pelos EUA, do Iraque e do Afeganistão.

As mesmas nações, porque são potências militares, definem o que seja legal e permitido, no que tange a matar em grande escala. As mesmas nações formulam o conceito de terrorismo, criam leis terroristas, e fazem parecer que alguma corte neutra houvesse definido alguma espécie de lei do opressor, do ocupante, do invasor, do assassino.

Assim se torna ilegal, por definição, que o oprimido, o ocupado, o invadido, o mais fraco resista.

O uso excessivo do jargão judiciário e legalista de fato mina os fundamentos do que é legítima e verdadeiramente legal e diminui a credibilidade das instituições internacionais como a ONU. A lei passa a ser inimiga dos que resistam.

Já é visível que os poderosos - os que escrevem as leis - insistem na legalidade apenas para preservar relações de poder que lhes sirvam ou para criar ou para manter relações de ocupação e de colonialismo.

Resistência desesperada

Os poderes coloniais sempre usam estrategicamente as populações civis. Sempre cabe a civis ocupar terras e deslocar as populações nativas, sejam as populações indígenas nos EUA, sejam palestinos no que hoje são Israel e os Territórios Ocupados.

Assim surgem os grupos civis armados, em movimento desesperado de resistência, porque a resistência local grupal passa a ser o único modo de enfrentar a ameaça sempre iminente da erradicação.

Os palestinos não atacam civis israelenses porque esperem que aquela violência derrote ou destrua Israel. Eles recorreram à resistência armada quando perceberam que há uma dinâmica poderosíssima, quase irreversível, que os quer extrair da própria terra e da própria identidade, apoiada num poder que parece ser incomensuravelmente maior do que qualquer resistência. Então, sim, recorreram às armas, como qualquer um recorreria a qualquer meio que encontrasse.

OLP, depois Hamás

Em 1948, quando Israel implantou-se como um novo Estado, houve um processo de 'limpeza étnica' de 750 mil palestinos, deliberadamente arrancados de suas casas; centenas de vilas foram destruídas até serem reduzidas a pó.

A terra que ali havia foi entregue a colonos judeus que até hoje negam que ali existissem palestinos e fazem guerra, há 60 anos, contra as populações nativas e contra todos os movimentos de libertação nacional que os palestinos organizaram por todo o mundo.

Israel, seus aliados no Ocidente e vários países árabes na região conseguiram corromper as lideranças da OLP, com promessas de poder, ao preço da liberdade da Palestina. Assim, Israel neutralizou o poder legítimo da OLP de Arafat e surgiu a OLP que passou a colaborar com a Israel ocupante. Dos restos da OLP de Arafat nasceu então o Hamás. Imediatamente, Israel mudou seu foco: o alvo, então, passou a ser o Hamás.

E o Hamás passou a ser obsessão, para Israel, quando, há três anos, venceu as eleições legislativas.

Ao apoiar o boicote e o sítio de Gaza, para atacar o Hamás, o Ocidente, de fato, declara os palestinos 'não preparados' para a democracia. Todas as ditaduras do mundo, até hoje, fizeram, sempre, igual 'avaliação'.

Isolamento e radicalização

Ao declarar aos palestinos que não são livres para votar e escolher seus líderes, líderes nos quais confiam, e têm de curvar-se e aceitar líderes que lhes sejam impostos, a comunidade internacional aprofunda o isolamento – e portanto os leva a radicalização cada vez maior dos palestinos.

Essa radicalização já é hoje maior do que jamais foi, porque Israel continua a bombardear a já precaríssima estrutura de sobrevivência na Palestina ocupada, sob o pretexto falso, como se vê, de estar atacando estruturas do Hamás.

É mentira sobre mentira; as forças de Israel bombardearam instalações da Polícia palestina. Já assassinaram, dentre outros, Tawfiq Jaber, Chefe da Polícia, ex-oficial da OLP de Arafat, que permaneceu no cargo depois que o Hamás foi eleito.

Com o fim dos últimos vestígios de ordem e segurança debilitados ainda mais por sucessivos ataques militares israelenses, haverá caos, em Gaza. Com o Hamás muito enfraquecido, não haverá grupo moderador.

Então, assumirá o poder, não alguma Fatah debilitada, corrompida e impopular, mas um grupo extremista, persuadido pela violência do bloqueio e pela brutalidade dos ataques israelenses, de que nenhuma negociação se pode esperar, que não se pode confiar, porque todo e qualquer acordo sempre será rompido por Israel.

Políticas fracassadas

Nos últimos 60 anos, os políticos israelenses têm incansavelmente repetido que "a violência é a única linguagem que os árabes entendem." Mas Israel, muito mais que os árabes, tem feito da violência, rotina. Na Cúpula Árabe em Beirute, em 2002, a Liga Árabe, coletivamente, ofereceu meios a Israel para pôr fim ao banho de sangue e evoluiu para um acordo de paz regional amplo. Em resposta, Israel invadiu Jenin e matou centenas.

Mês passado, a Fatah lançou campanha, pelos jornais, para reviver a Iniciativa de Paz de 2002. Israel, outra vez, respondeu com brutalidade.

Uma Israel sionista já não é projeto viável. E as colônias armadas, a expropriação violenta de terras e os muros de separação já tornaram impossível qualquer Solução dos Dois Estados.

Só pode haver um Estado, na Palestina histórica. Mais dia, menos dia, os israelenses terão de enfrentar a questão que decidirá seu destino: como construir uma transição pacífica e construir, afinal, uma sociedade de palestinos e israelenses, sociedade igualitária, na qual os palestinos tenham os mesmos direitos que os israelenses.

Mais alguns anos de violência desmedida, nem essa alternativa será possível.

A história tem mostrado que o colonialismo só sobreviveu intacto, quando a maioria dos nativos usurpados foram exterminados. Algumas vezes, como na Argélia ocupada, os colonizadores tiveram de fugir. A prosseguir a violência de Israel sem que nada a detenha, os palestinos não aceitarão nem a solução de um Estado igualitário, e os colonialistas de Israel serão forçados a sair.

Restaurar a Palestina

Apesar de nada fazer na direção de qualquer processo de paz para o Oriente Médio, a Casa Branca, nos anos recentes tem-se mostrado incapaz de resolver o nó da ocupação da Palestina por Israel, principal causa que põe em armas todos os militantes anti-americanos no mundo árabe e fora do mundo árabe.

O anti-americanismo é o denominador comum que modula todos os discursos populistas, no Oriente Médio. Invadir o Iraque ou oferecer vantagens a Estados aliados, não ajudará a resolver o problema em que os EUA converteram em problema quase insolúvel para todo o mundo.

Nas minhas viagens e pesquisas, tenho falado com jihadistas no Iraque, no Líbano, no Afeganistão, na Somália e em outros lugares: todos falam da luta dos palestinos como sua de suas principais motivações.

O apoio a Israel custará muito caro aos EUA. Em breve, as ditaduras árabes, que os EUA consideram moderadas e que contribuem para manter a hegemonia dos EUA na região perceberão que, elas mesmas, estão em posição insustentável.

Perda de prestígio

Já se vêem aparecer novas tensões na região. Damasco retirou-se das conversações tripartites com Telavive. Muitos árabes já temem, não só Israel ou os EUA ou ambos, mas, mais, a própria instabilidade interna de seus governos e regimes, enfraquecidos por décadas de colaboração com Washington.

Também em Israel, a opinião pública começa a apresentar tendências novas. Embora 81% dos israelenses estejam hoje apoiando a guerra, pesquisa recente mostrava que apenas 39% dos israelenses acreditam que o atual governo, com guerra ou sem, conseguirá enfraquecer o Hamás ou reduzir a violência.

Em editorial, há poucos dias, o jornalista Gideon Levy escreveu, no Haaretz, de Telaviv, editorial intitulado "The neighborhood bully strikes again" ("O delinquente do quarteirão ataca novamente" (28/12/2008).

Barack Obama, presidente eleito dos EUA permanece mudo, enquanto Israel assassina palestinos. A mudez é manifestação de cumplicidade.

(*) Nir Rosen é jornalista, professor do New York University Center on Law and Security, autor de "The Triumph of the Martyrs: A Reporter's Journey in to Occupied Iraq" (escrevendo de Beirute).

Publicado originalmente na Al-Jazeera, em 31/12/2008.

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Operação "cast lead"

Essa guerra é como um graffiti no muro: Israel está perdendo a chance histórica de fazer paz com o nacionalismo árabe secular. Amanhã talvez seja obrigada e enfrentar um mundo uniformemente árabe fundamentalista, o Hamás multiplicado por mil.

Pouco depois da meia-noite, o canal árabe Aljazeera exibia matéria sobre os eventos em Gaza. De repente, a câmera apontou para o céu escuro. Tela negra. Não se via coisa alguma. Mas ouvia-se o ruído dos aviões, assustador, um rugido apavorante.

Impossível não pensar nas dezenas de milhares de crianças de Gaza que ouviam aquele ruído naquele momento, encolhidas, paralisadas de medo, à espera da explosão das bombas.

Israel tem de defender-se contra os foguetes que aterrorizam as cidades do sul do país", explicou o porta-voz israelense. "Os palestinenses têm de reagir contra o assassinato de seus combatentes na Faixa de Gaza", declarou o porta-voz do Hamás.

De fato, não se pode dizer que o cessar-fogo foi rompido, porque nem chegou a haver cessar-fogo, para começar. A principal exigência, para que haja qualquer cessar-fogo na Faixa de Gaza é que se libere a passagem nos postos de fronteira. Não há vida possível em Gaza sem um fluxo regular de suprimentos. E os postos não foram abertos, senão apenas por algumas horas, esporadicamente. O bloqueio por terra, mar e ar contra 1,5 milhão de seres humanos é ato de guerra, tanto quanto lançar bombas ou lançar rojões. O bloqueio paralisa a vida na Faixa de Gaza: extingue fontes de trabalho e emprego, limita oportunidades onde já praticamente não há oportunidade alguma, leva centenas de milhares de pessoas à fome, impede que os hospitais funcionem, corta o suprimento de eletricidade e água.

Os que decidiram fechar os postos de passagem, seja qual tenha sido o pretexto, sabem que nunca haveria e não houve efetivo cessar-fogo, nessas condições.

Isso é o principal. Depois, vieram as provocações menores, planejadas para obrigar o Hamás a reagir. Depois de vários meses, durante os quais praticamente não foram lançados rojões Qassam, uma unidade do exército foi mandada à Faixa, para "destruir um túnel localizado muito próximo da cerca de fronteira". De um ponto de vista estritamente militar, faria mais sentido montar uma emboscada dos dois lados da cerca. Mas o objetivo era criar um pretexto para pôr fim ao cessar-fogo, de modo que parecesse plausível culpar os palestinenses. Afinal, depois de várias pequenas ações, nas quais foram assassinados combatentes do Hamás, o Hamás retaliou com lançamento massivo de rojões e, abracadabra, acabou o cessar-fogo. Todos culparam o Hamás.

Para quê? Tzipi Livni disse abertamente: para derrubar o governo do Hamás em Gaza. Os rojões Qassam foram o pretexto.

Derrubar o governo do Hamás? Soa como capítulo de "A Marcha da Insensatez". Afinal de contas, todo mundo sabe que, para começar, o governo de Israel praticamente criou o Hamás. Uma vez, perguntei a um ex-chefe do Shin-Bet, Yaakov Peri, sobre isso, e ele respondeu-me com ar enigmático:“Não criamos, mas tampouco dificultamos.”

Durante anos, as autoridades da ocupação estimularam o movimento islâmico nos territórios ocupados. Quaisquer outras atividades políticas foram rigorosamente suprimidas, mas a atividade dos movimentos islâmicos nas mesquitas continuou liberada. O cálculo foi tão simples quanto ingênuo: a OLP era considerada o principal inimigo de Israel, Yasser Arafat era o demônio da hora. O movimento islâmico combatia a OLP e Arafat. 'Então'... foi tratado como aliado de Israel.

Na primeira intifada, em 1987, o movimento islâmico oficialmente se rebatizou: passou a chamar-se Hamás (sigla, em árabe, de "Movimento da Resistência Islâmica") e mergulhou na luta. Mesmo então, o Shin-Bet nada fez contra o Hamás durante quase um ano, enquanto os membros do Fatah eram executados ou presos aos magotes. Israel só reagiu depois de um ano, e prendeu também Sheikh Ahmed Yassin e seus seguidores.

Depois disso, as coisas mudaram. Hoje, o demônio da hora é o Hamás, e a OLP é vista por muitos em Israel quase como um braço do movimento sionista. A conclusão lógica, se o governo de Israel quisesse a paz, seria aceder ao que pedem as lideranças do Fatah: fim da ocupação, assinar um tratado de paz, instituir um Estado da Palestina, retorno às fronteiras de 1967, solução razoável para o problema dos refugiados, libertação de todos os prisioneiros palestinenses. Com isso, com certeza, o crescimento do Hamás teria sido contido.

Mas lógica e política não se dão bem. Nada daquilo aconteceu. Aconteceu o contrário. Depois do assassinato de Arafat, Ariel Sharon declarou que Mahmude Abbas, que sucedeu Arafat, era "galinha depenada". Não permitiram que Abbas contabilizasse a seu favor nenhum feito político, por pequeno que fosse. As negociações, patrocinadas pelos EUA, viraram piada. O mais autêntico dos líderes do Fatah, Marwan Barghouti, foi preso, com sentença de prisão perpétua. Em vez de libertação de prisioneiros, só "gestos" estreitos e insultantes.

Abbas passou a ser sistematicamente humilhado, o Fatah virou saco vazio e o Hamas obteve retumbante vitória eleitoral nas eleições na Palestina – as eleições mais democráticas que jamais houve no mundo árabe. Israel imediatamente pôs-se a boicotar o governo eleito. Na luta interna que se seguiu, o Hamas obteve controle direto sobre a Faixa de Gaza.

Agora, depois de tudo isso, o governo de Israel decidiu "liquidar o poder do Hamás em Gaza" com sangue, fogo e colunas de fumaça.

O nome oficial da guerra é "Cast Lead" ["soldadinho de chumbo", dentre outras traduções possíveis], duas palavras tiradas de uma canção infantil sobre um brinquedo do Hanukkah.

Mais adequado seria que a chamassem "Guerra das Urnas".

Já outras vezes, no passado, também houve guerra durante campanhas eleitorais. Menachem Begin bombardeou o reator nuclear do Iraque durante a campanha eleitoral em 1981. Quando Shimon Peres reclamou que seria golpe eleitoral, Begin esbravejou, logo no comício seguinte: Judeus! Crêem que eu mandaria nossos valentes rapazes para a morte ou, pior, para cair prisioneiros nas mãos de animais, só para vencer uma eleição?" Begin venceu.

Peres não é Begin. Quando, durante a campanha de 1996, ordenou a invasão do Líbano (operação "Vinhas da Ira"), todos sabiam que o fizera por puro cálculo eleitoral. A guerra foi um fracasso para Israel, Peres perdeu e Binyamin Netanyahu chegou ao poder.

Barak e Tzipi Livni recorrem agora ao mesmo velho golpe. Segundo as pesquisas, só nas últimas 48 horas, Barak já conquistou mais cinco cadeiras no Parlamento. Cerca de 80 cadáveres de palestinos por voto eleitoral.

Fato é que é muito difícil caminhar sobre uma pilha de cadáveres. Os ganhos eleitorais podem evaporar. Basta, para que evaporem, que a opinião pública em Israel passe a ver a guerra como um fracasso. Por exemplo, se os Qassams continuarem a atingir Beersheba, ou se a invasão por terra levar a muitas mortes de soldados israelenses.

O timing foi cuidadosamente escolhido, também por outro critério. Os ataques começaram dois dias depois do Natal, quando os líderes europeus e norte-americanos estão em férias, até o Ano Novo. A idéia brilhante: ainda que alguém sinta algum ímpeto de deter a guerra, ninguém desistirá do feriado. Assim, Israel ganhou vários dias sem qualquer pressão do exterior.

Mais uma razão para a ocasião escolhida: são os últimos dias de George Bush na Casa Branca. Cabia esperar que esse tolo encharcado de sangue apoiasse entusiasticamente a chacina, o que, de fato, ele fez. Barack Obama ainda não tomou posse e encontraria pretexto perfeito, pronto, para não interferir: só há um presidente. O silêncio nada acrescenta, de positivo, à história do governo Obama.

A idéia central foi: não repetiremos os erros da Segunda Guerra do Líbano. Essa fala foi incansavelmente repetida em todos os jornais, nas entrevistas e noticiários de televisão. O que não altera o fato: a Guerra de Gaza é réplica quase idêntica da Segunda Guerra do Líbano.

O conceito estratégico é o mesmo: aterrorizar a população civil, com ataques implacáveis por ar, semeando a maior quantidade possível de morte e destruição. Esse tipo de estratégia não implica risco para os pilotos israelenses, porque os palestinos não têm qualquer armamento de defesa anti-aérea. O plano: se a infra-estrutura de manutenção da vida diária das populações que vivem na Faixa for completamente destruída e se se implantar total anarquia... a população se levantará e derrubará o regime do Hamás. Então, Máhmude Abbas voltará para Gaza montado nos tanques de Israel.

No Líbano, o mesmo plano deu errado. A população chacinada, inclusive cristãos, reuniu-se em torno do Hizbóllah, e Hassan Nasrallah tornou-se herói do mundo árabe. O mesmo, provavelmente, acontecerá agora. Generais entendem de matar e movimentar tropas, não de psicologia de massas.

Há algum tempo escrevi que o bloqueio de Gaza é experimento científico, para determinar o quanto agüenta uma população privada de tudo, antes de que a espinha dorsal se parta. É experimento conduzido com o generoso apoio da Europa e dos EUA. Até agora, deu em nada. O Hamas tornou-se mais forte e os Qassam alcançam alvos cada vez mais distantes. A guerra, hoje, é a continuação do mesmo experimento, por outros meios.

É possível que não tenha restado "outra alternativa" ao exército, além de tentar reocupar a Faixa de Gaza, porque não há outro meio de deter os Qassams exceto um acordo com o Hamás, o que contraria a política do governo. Quando começar o avanço por terra, tudo dependerá da motivação e da capacidade de combate dos soldados do Hamás, contra os soldados israelenses. Ninguém sabe o que acontecerá.

Dia a dia, noite após noite, o canal árabe Al-Jazeera exibe imagens atrozes: corpos mutilados, velhos e crianças chorando, à procura dos seus, nas dezenas de cadáveres espalhados no chão, uma mulher puxando de uma pilha de cadáveres o cadáver de uma menina, médicos exauridos, sem remédios e sem gaze, tentando salvar a vida dos feridos. (O canal Aljazeera que transmite em inglês, diferente do canal que transmite em árabe, tem exibido imagens saneadas e repetido a incansável propaganda do governo de Israel. Seria interessante descobrir o que houve por lá.)

Milhões de pessoas estão vendo aquelas imagens terríveis, tela após tela, dia e noite. São imagens que ficam gravadas na memória para sempre: Israel, a horrível. Israel, a abominável. Israel, a desumana. Cria-se hoje mais uma geração que odeia. É erro horrendo, pelo qual Israel continuará a pagar, até muito depois de todos esquecerem quaisquer outros resultados dessa guerra.

Mas outra coisa está também sendo inscrita para sempre, na mente de milhões: o retrato dos miseráveis, corruptos, passivos regimes árabes. Do ponto de vista dos árabes, um fato é hoje visível, inescapável: que governos vergonhosos!

Para o milhão e meio de árabes em Gaza, que sofrem tão terrivelmente, a única abertura para o mundo, não controlada por Israel, é a fronteira com o Egito. Só por ali podem chegar comida para matar a fome, ou medicamentos para os feridos. Essa fronteira permanece fechada, no momento do terror máximo. O exército egípcio bloqueou a única via possível para que cheguem remédios, em momento em que os feridos estão sendo operados sem anestésicos.

Por todo o mundo árabe, de um extremo a outro, ecoaram as palavras de Hassan Nasrallah: Os líderes egípcios são cúmplices do crime. Estão colaborando com o "inimigo sionista" na tentativa de dobrar o povo da Palestina. Evidentemente, não se referia apenas a Mubarak, mas a todos os demais, do rei da Arábia Saudita ao presidente palestino. Quem assista às manifestações que estão acontecendo em todo o mundo árabe e ouça seus slogans terá a impressão de que, para muitos árabes, os políticos parecem patéticos, no melhor dos casos; ou criminosos colaboracionistas, no pior.

Tudo isso terá consequências históricas. Uma geração inteira de líderes árabes, uma geração imbuída da ideologia secular do nacionalismo árabe, os sucessores de Gamal Abd-al-Nasser, Hafez al-Assad e Yasser Arafat, pode estar sendo varrida do cenário. Podem estar dando lugar, no mundo árabe, à única alternativa que ainda parece viável: a ideologia do fundamentalismo islâmico.

Essa guerra é como um graffiti no muro: Israel está perdendo a chance histórica de fazer paz com o nacionalismo árabe secular. Amanhã talvez seja obrigada e enfrentar um mundo uniformemente árabe fundamentalista, o Hamás multiplicado por mil.

Meu motorista de táxi, em Telaviv, dia desses, pensou em voz alta: Por que não convocam os filhos dos ministros e dos deputados, organizam batalhões e os mandam invadir Gaza por terra?

*Uri Avnery é jornalista, membro fundador do Gush Shalom (Bloco da Paz israelense).

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A causa palestina é nossa

Ou assumimos a causa palestina como nossa ou assumimos o papel de integrantes de uma força de ocupação que nega nossos melhores discursos. Não há meio-termo.

O que vinha sendo planejado há meses, como estratégia eleitoral do primeiro-ministro Ehud Olmert, virou, com respaldo da mídia ocidental e seus “especialistas em Oriente Médio", uma compreensível reação aos foguetes lançados por militantes do Hamas contra território israelense. Trata-se de pura falácia, propaganda ideológica barata que trata uma ação de extermínio como se fosse o confronto de forças simétricas.

A ofensiva militar ao território de Gaza obedeceu a um cálculo frio de custos e benefícios. Os mais de 500 mortos até agora, sendo 87 crianças, tiveram seus destinos traçados em outubro de 2008, quando o partido governista, submeteu à apreciação do Parlamento sua dissolução e a proposta de eleições antecipadas.

Além de uma disputa parlamentar acirrada, o ataque à Faixa de Gaza é um recado ao futuro governo estadunidense. Para as lideranças israelenses não há como sobreviver sem um projeto expansionista. A sorte dos dois é indissociável da manutenção da barbárie no Oriente Médio. Sionismo e imperialismo são as duas faces de uma mesma moeda. Obama deve assimilar isso como ensinamento da Torá. Hillary lhe pode servir como excelente guia.

A hegemonia política do fundamentalismo sionista é responsável pelo emprego de métodos de guerra que são comparáveis aos utilizados por outras potências coloniais, ao longo da história, contra a população civil que resistiu à opressão. Transformar o terrorismo de Estado em política aceitável tem sido a tarefa do jornalismo ocidental. Um trabalho tão recorrente quanto a punição coletiva de um povo se mostra aceitável para as “boas consciências” ocidentais.

Mais uma vez o governo israelense, com total apoio dos Estados Unidos, pratica uma aventura bárbara e criminosa, ditada por interesses e conveniências estratégicas. Conta para isso com a cumplicidade covarde das ditaduras e monarquias árabes. As demais potências, como já destacou José Arbex Jr, em artigo para Caros Amigos, “mesmo tendo seus interesses contrariados pela política expansionista da aliança Washington/ Tel Aviv, não têm vontade política nem se sentem com força para impor qualquer limite legal"

Como já tivemos oportunidade de escrever aqui mesmo ("O Holocausto Palestino" - 08/02/2008) desde o massacre no Sul do Líbano, em 82, passando pelo sufocamento de duas intifadas, não é o terrorismo de fanáticos que Israel persegue. Na região conflagrada, o movimento palestino era o mais progressista projeto de resistência, o mais prenhe de valores da modernidade. O mais rico em termos culturais. As pedras dos jovens árabes defenderam da insanidade uma herança cara ao Ocidente. Querer reduzi-los ao Hamas e outros grupos de motivação religiosa é, com apoio logístico da mídia internacional, distorcer a realidade para ocultar contradições mais profundas. Mentir com insistência até que a inverdade assuma ares de realidade inconteste"

Para o historiador Oswaldo Coggiolla “na Faixa de Gaza são visíveis as razões para a resistência dos palestinos. Com uma população de mais de 1 milhão de habitantes, a Faixa de Gaza, chamada de "Soweto de Israel", não é um estado e não foi anexada a Israel. As forças de defesa de Israel controlam toda a fronteira. Se os moradores de Gaza quiserem sair dessa área, precisam obter uma permissão dos israelenses. Muitos palestinos - nascidos a partir de 1967 - nunca saíram da faixa, uma tripa de terra situada entre o deserto de Neguev e o mar Mediterrâneo, que mede 46 km de comprimento e 10 km de largura, aproximadamente"

Em um contexto dessa natureza qual a única forma possível de ação a um povo destituído de qualquer direito? Sem qualquer possibilidade de ser reconduzido a uma unidade territorial que nem de longe lembre a idéia de Estado?

Quando o presidente Shimon Peres rejeita a possibilidade de trégua e diz que o Hamas precisa de “uma lição real”, reafirmando que não tem qualquer interesse em reocupar a Faixa de Gaza, vem à memória a famosa fala de Itzak Rabin na Guerra dos Seis Dias, como comandante do Exército:” Não temos o objetivo de anexar qualquer terreno palestino, sírio ou egípcio. É o caso de se perguntar qual a lição real a ser extraída? A quem interessava que o conflito israelense-palestino, que tinha um caráter nacional, se transformasse em conflito religioso que atinge todo o mundo mulçumano?

Oslo e Mapa da Estrada foram elaborações frustradas pelo extremismo sionista. Em novembro do ano passado, durante a Conferência de Annapolis (EUA), o presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, e o primeiro-ministro de Israel, Ehud Olmert, concordaram em realizar um esforço negociador para alcançar um acordo até o final de 2008. Em janeiro de 2009, agentes da ONU informam que a ofensiva terrestre israelense piorou a crise humanitária em Gaza.

Ou assumimos a causa palestina como nossa ou assumimos o papel de integrantes de uma força de ocupação que nega nossos melhores discursos. Não há meio-termo.

*Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Observatório da Imprensa.

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Gaza: o novo Gueto de Varsóvia

É necessário lembrar, não só aos judeus e aos israelenses, mas a todos os povos do mundo, que permitir que o governo israelense transforme a Faixa de Gaza numa espécie de Gueto de Varsóvia redivivo, é a pior afronta que se pode fazer à própria história do povo judeu que durante séculos foi um dos alvos da intolerância e da construção da desigualdade.

Nos comentários e análises que correm sobre a ofensiva militar israelense na Faixa de Gaza, fica mais ou menos claro o que está por trás dela. Aqueles e aquelas podem ser mais ou menos acendrados em defesa da causa palestina, do Hamás (podem até ser bem críticos em relação a esse agrupamento político), mas retira-se, mais ou menos por consenso, as seguintes motivações para a brutal carnificina aérea que vem se processando, agora desdobrada e agravada pela invasão por terra:

1) Há um claro intuito eleitoral, uma vez que a coalizão conservadora no poder, liderada por Tzipi Livin, está ameaçada pelos ultra-conservadores liderados por Benyamin Netanhyau, no pleito antecipado para o próximo 10 de fevereiro.

2) Para as intenções de voto é crucial cortejar os colonos israelenses assentados ao sul de Israel, na região próxima à Faixa de Gaza.

3) Para isso é necessário elevar o moral militar de Israel, combalido depois da fracassada campanha contra o Hizbollah no Líbano, em 2006.

4) Para esses objetivos, o Hamás é um alvo político conveniente, por várias razões: é fraco militarmente; não tem apoio no mundo árabe; não tem o apoio nem mesmo da Fatah, sua co-irmã e rival. Politicamente, embora tenha o apoio até agora da população de Gaza, a posição do Hamás também é frágil e padece de inconsistências, pois sua política de lançar foguetes sobre Israel, mesmo como retaliação pelo bloqueio econômico, político, social e cultural sobre a Faixa, aproxima-se da temeridade de “cutucar a onça com vara curta”. É evidente que o objetivo imediato dessa política é diferenciar-se da Fatah, não ameaçar de fato Israel.

5) Além disso, há um objetivo de ganhar tempo. Apesar de não se esperar mudanças significativas na política externa norte-americana em relação ao Oriente Médio com a posse próxima de Barack Obama, é evidente que o governo israelense se sentia muito mais confortável com a dupla Bush Filho – Condoleezza Rice no poder. Trata-se de agir agora, antes que qualquer surpresa, mesmo completamente inesperada, possa se armar.

A questão maior é o que está pela frente. Isto é, quais serão os desdobramentos desse gesto político-militar que parte de um governo fragilizado, assombrado por uma direita interna cada vez mais agressiva, e cada vez mais isolado diante da opinião pública mundial, pelo menos a melhor informada.

Uma coisa é certa: a causa de Israel está sendo perdida, e pelos próprios israelenses. Israel é uma criação da ONU (1948), e só assim, como uma causa mundial, o país fez e faz sentido. Houve muita controvérsia, inclusive entre os movimentos políticos judaicos, sobre se Israel deveria ou não ter sido criado. Mas ele foi; e agora, falar da destruição do Estado de Israel (como fazem o Hamás e o Irã) implica, mesmo que se pretenda que não, em destruir o povo judaico na região.

No entanto, progressiva e mesmo programaticamente, Israel vem se distanciando deste tipo de cobertura internacional, tendo optado por um jogo de alianças com as políticas imperialistas dos Estados Unidos de algumas das potências européias na região. A realpolitik de Israel, sua busca por um “lebensraum” para assentar colonos e assentar-se em sua política interna, vem destruindo sua possibilidade política de sobrevivência a longo prazo. Israel vem se transformando num fantasma de si mesmo. A política de Israel vem sendo engolfada pelo terror. Pelo seu próprio terrorismo de estado em relação à população palestina; pelo terrorismo contrário que sua política fomenta. É justo, apesar das negativas histéricas ou feéricas, dizer que em parte o Hamas é uma cria de Israel, pois os governos deste, enquanto puderam, humilharam e sufocaram a Fatah e a Autoridade Palestina, chegando ao ponto de transformar a casa de seu líder num monte de escombros.

Mas há mais. Premido pelas circunstâncias ou forçando-as, Israel optou por desenvolver sua própria política de hegemonia regional, às vezes até confrontando os interesses e o jogo político de seu maior protetor, os Estados Unidos. Dois casos ilustram muito bem esse jogo em que às vezes o menor encurrala o maior, contando, é claro, com seu lobby eleitoral em estados-chave para as eleições norte-americanas.

Já a partir de 1948 Israel iniciou seu programa nuclear, e hoje ninguém de bom senso duvida que seja um dos países que detém o poder da bomba. Em segundo lugar, Israel aproximou-se, nessa mesma atitude “defensiva”, da África do Sul, no tempo do regime do apartheid, o que abalou o serviço de defesa norte-americano. Graças a essa aproximação criou-se, por exemplo, o controverso caso do “Incidente Vela”, de setembro de 1977, quando um satélite norte-americano com esse nome captou indícios bastante consistentes de uma explosão nuclear no Oceano Índico, e os serviços secretos de vários países, por sua vez, captaram sinais bastante convincentes de que essa possível explosão nuclear seria uma operação conjunta do regime sul-africano e do governo de Israel.

Até hoje se discute se houve ou não a explosão; mas a aproximação de Israel com o pior da direita africana, através do Mossad ou de quadros jubilados desse serviço secreto, é bastante evidente. Um dos casos mais escandalosos disso foi a sustentação do regime de Houphouet Boigny na Costa do Marfim e depois o apoio sub-reptício dado a grupos populistas de direita contra os governos social-democratas no país, grupos esses que, curiosamente, tinham como uma de suas bases a população muçulmana empobrecida no norte do país.

Nesse ponto Israel parece ter atravessado o Rubicão no sentido de uma política imperial de conquista de espaço político a qualquer custo. Qualquer aproximação com um regime como o do apartheid nega pela raiz qualquer das idéias que levou à fundamentação da própria criação de Israel. Esse é o nó maior do que está acontecendo agora.

O tipo de guerra que Israel vem desenvolvendo na Faixa de Gaza, da qual a atual ofensiva é apenas uma parte, leva um observador que queira um pouco pelo menos de objetividade a considerar que ela se enraíza na idéia de que não há uma guerra entre Estados. Não há um propriamente um Estado palestino; Israel nunca deixou que isso pudesse se armar. A guerra parece ser mesmo “entre povos”. Nesse tipo de lógica, a sobrevivência de um supõe a destruição do outro. Não do outro estado, mas do outro povo. Coisa de Roma contra Cartago, mais ou menos.

É impossível hoje fazer o que Roma fez com Cartago, o que equivaleria na atual situação a destruir o povo palestino fisicamente. Trata-se então de destruí-lo espiritualmente. Ou seja, se é verdade que o alvo presente e imediato da ofensiva é o Hamás, o alvo permanente da guerra é o próprio povo palestino: bombardeá-lo, isolá-lo, sufoca-lo, até que espiritualmente ele se renda.

É uma guerra louca, porque seu primeiro efeito é o efeito bumerangue: os sobreviventes alemães do nazismo sabem muito bem disso. A insensibilidade em relação ao outro leva à insensibilidade em relação aos seus. Parodiando o famoso poema de Brecht, começa-se matando comunistas, depois os judeus, depois os ciganos, depois os homossexuais, depois os deficientes, depois... o vizinho e assim por diante: a lista não tem fim. A presente guerra é o prenúncio de uma guerra completamente fratricida no interior mesmo de Israel, no momento em que qualquer dos seus pilares de sustentação, sejam os econômicos ou as alianças políticas em escala mundial, fraquejarem. De certo modo isto já está acontecendo, pois arrastar um país inteiro numa guerra a longo prazo suicida, à beira de uma eleição é mais ou menos desenhar a perspectiva de ganhar ambas semeando minas para os próprios pés. Os pés do próprio povo, quero dizer.

É verdade que desafios análogos se colocam para a causa palestina. Não adianta clamar pela obediência às resoluções da ONU sobre fronteiras em 1967 se não se aceitar a resolução da mesma ONU de 1948. Não adianta clamar por um Estado palestino com reconhecimento internacional se os movimentos políticos palestinos não reconhecem sequer mutuamente a sua legitimidade. Antes de negociar com Israel ou outros é necessário que Hamás e Fatah negociem entre si.

Mais do que nunca, portanto, é necessário concertar duas coisas:

1) A causa da solidariedade internacional, em todos os níveis. Somente uma pressão internacional vigorosa poderá demover Israel de sua “guerra louca”; somente a idéia de que é possível, mesmo que no horizonte distante, concertar uma idéia de convivência soberana entre povos e nações, poderá neutralizar, mesmo que devagar, as políticas de aniquilamento mútuo que levam, no fundo, ao próprio aniquilamento moral.

2) É necessário mais do que nunca se solidarizar com a história do povo palestino e também com a história do povo judeu. É necessário lembrar, não só aos judeus e aos israelenses, mas a todos os povos do mundo, que permitir que o governo israelense, seja por que razões geo ou intra-políticas for, transforme a Faixa de Gaza numa espécie de Gueto de Varsóvia redivivo, é a pior afronta que se pode fazer à própria história do povo judeu, que durante séculos foi um dos alvos e bodes expiatórios da intolerância e da construção da desigualdade. Até por que o anti-semitismo, depois de séculos de construção, não vai desaparecer de uma hora para outra. Ao contrário, ele está apenas adormecido no fundo da gaveta, pronto para o bote. E se nada mudar, esse bote virá. Em que parte do mundo? Não se sabe, o que só aumenta a sensação de terror e o desarme da política.

Penso que uma maneira prática de enfrentar, a partir da cidadania comum, esses dilemas dramáticos, pode se assentar nas universidades, lugar de reflexão e que deveria ser instrumento de construção de uma cultura da paz em qualquer lugar do mundo. O ataque da aviação israelense contra a Universidade de Gaza é um bom motivo para se empreender uma tal reflexão e uma tal ação. Os departamentos e programas universitários – TODOS, não apenas os de hebraico e árabe, deveriam se comprometer com reflexões públicas sobre as possibilidades de paz na região e no mundo, diante dessa situação patética que só interessa a falcões. Seria um passo, pequeno, mas certamente adiante.

*Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior.


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A mídia em Israel toca as trombetas da guerra

Historiador do futuro que algum dia examine os arquivos dos jornais de Israel verá com clareza absoluta: para Israel, 200, 300 e, depois, 400 palestinos assassinados 'não é' manchete. A mídia em Israel é "poupada" de ter de exibir imagens "fortes". Israel abraça e sempre abraçará qualquer guerra, qualquer barbárie. Israel crê-se tão poderosa que se brutalizou, que já não sente. Em Israel a barbárie é regente. A análise é do jornalista israelense Gideon Levy.

Eis como estão as coisas em Israel: opor-se à paz é sempre atitude legítima e patriótica; opor-se à guerra é traição, atitude antipatriótica e atitude que deve ser combatida. Essa semana, falando do seu programa "London & Kirschenbaum", Yaron London, apresentador, deu sinais de que a coisa está ficando difícil: "Tivemos problemas com o programa. Sabemos do amplo consenso a favor da guerra – acabar com eles, bater até que se calem. Mas também há outras vozes, não só dos israelenses-árabes, também de muitos judeus. Encontramos alguns poucos judeus que defendem o fim dos ataques, ou que jamais deveriam ter começado, e que é preciso iniciar negociações. Não é minha opinião. Minha linha é outra, e já a expus em muitos artigos. Mas é preciso ouvir as outras vozes. Falar sozinho leva sempre ao desastre. O problema é que todos têm medo. As vozes da paz estão em silêncio, porque estão aterrorizadas."

Depois, London disse ao seu entrevistado, Amir Peretz, que planejara entrevistar também moradores de Gaza, para ouvir "o outro lado", mas que, desgraçadamente, aquelas poucas vozes foram silenciados "pelo terror".

Com terror ou sem terror, sei de muitos judeus, não de 'alguns poucos', que defenderiam "o outro" lado e que não vacilariam, nem por um segundo, para declará-lo na televisão. Por exemplo, as centenas que tomaram a Praça da Cinemateca, em Telavive, no sábado à noite, para protestar contra a operação de guerra do exército israelense. Mas a equipe da produção do programa "London & Kirschenbaum" não os procurou. Problemas de produção, claro.

Seja como for, ninguém quis saber da opinião deles, no mais ouvido programa de entrevistas da televisão – porque há expressa proibição de que sejam ouvidos.

Pouco antes de sermão de autojustificativa de London, alguém que defende a posição "do outro lado", Ahmed Tibi, foi convidado para uma entrevista nos estúdios do programa "Erev Hadash" ['outra noite'].

O que dali se ouviu está fadado a tornar-se um clássico do telecine de terror: horror e horror, berros, gritaria e insultos. Veias a ponto de explodir e gargantas roucas de tanto berrar. Margalit [apresentador do programa]: "Você está inventando bobagens... Você não respondeu minha pergunta." Tibi: "Respondo o que eu queira responder." Margalit: "Baixe a voz. Fale como ser humano civilizado!" Tibi: "Estou falando como ser humano civilizado." Margalit: "Me respeite!" Até que Margalit deu-se por satisfeito e ordenou ao co-entrevistador, Ronen Bergman: "OK. Deixe-o falar." Tibi, então, tentou dizer que a única diferença entre o Hamas e o governo de Israel é a questão dos pontos de controle, "que têm de ser liberados". Margalit, então, gargalhou em cena.

Pense: quando, algum dia, você ouviu Margalit ou qualquer outro entrevistador de televisão, dizer ao entrevistado "Você está inventando bobagens"? Será que falam assim a Benjamin Netanyahu? Ehud Barak? Tzipi Livni? E esses? Não "inventam bobagens" vez ou outra? E quando, algum dia, alguém assistiu a um entrevistador dizer, na televisão "Baixe a voz. Fale como ser humano civilizado!" Gargalhar em cena?! Os nervos estão mesmo em frangalhos e os árabes (além de vários judeus heréticos) andam criando dificuldades.

Porque é assim que estão as coisas em Israel. Opor-se à paz é sempre atitude legítima e patriótica; opor-se à guerra é traição, atitude antipatriótica e deve ser combatida. Podem debater o custo da paz eternamente; ninguém ouvirá uma palavra sobre o custo da guerra. Movimentos pacifistas são censurados. Movimentos pró-violência são ensinados. Pelo menos, até certo ponto.

A crítica da guerra, mais uma vez, terá de esperar. [...] Esse é o teste de coragem e credibilidade da mídia, sempre igual, guerra após guerra. E sempre, guerra após guerra, a mídia fracassa.

Nos estúdios de televisão, só entram generais e analistas militares, as mesmas caras, nos mesmos estúdios, já desde a guerra passada, na de antes, na de antes daquela, porque só neles concentra-se a sabedoria e o talento que há na sociedade de Israel, na opinião da mídia de Israel.

Porque é assim que estão as coisas em Israel: os primeiros dias de guerra, de qualquer guerra, são sempre os mais sombrios. Mas nada de "Silêncio, não perturbem, estamos matando gente!" Ah, não! Silêncio nenhum. O que se ouve é sempre o mesmo coro estridente de entrevistas e noticiários de televisão, gritaria, vinhetas espalhafatosas, clamores urgentes de "mais ataques, mais ataques", "matem mais", que Israel mate muito, que não pare de matar, entusiasmo crescente a cada nova chacina, guerra sem parar, cada vez mais.

Só depois, quando baixa a poeira, quando já todos sabem que mais uma vez a vitória converteu-se em derrota, e as conquistas foram ilusão (quando não apenas mentiras), então, sim, começam a falar outras vozes. Até que, algumas vezes, algum senso, depois, aos poucos, implanta-se também na opinião pública. Sempre tarde demais. Sempre desgraçadamente tarde demais.

"Silêncio, não perturbem, estamos matando gente!"? Dia 6 de junho de 1982, há 25 anos, quando Israel embarcou na primeira Guerra do Líbano, talvez a mais ensandecida das guerras em que Israel embarcou, meu falecido colega Amiram Nir publicou, naquele seu artigo que fez história: "Silêncio, não perturbem, estamos matando gente!": "Hoje não há oposição, nem Likud nem Ma'arakh, nem religiosos nem seculares, nem ricos nem pobres. Somos um só povo em armas. Estamos matando gente. Portanto, façam silêncio." Nir de fato não queria qualquer silêncio. Israel não quer silêncio. Quer sempre muito barulho, mas que só falem as vozes da beligerância, da violência, do nacionalismo fanático, da propaganda, da opinião 'geral'. Exceto essas vozes, sim, o silêncio. Silêncio total. Silêncio de morte.

No primeiro dia dessa nova guerra, a televisão mostrou imagens horripilantes. Praticamente nada se escondeu. Telas divididas mostravam de um lado o medo em Ashkelon, de outro, o sofrimento em Gaza. (...) Todos os canais de televisão em Israel exibiram pedaços de cadáveres de palestinos carregados, com escavadeiras, para caminhões de carga. O pior de tudo: nem aquelas imagens despertaram qualquer protesto. Dessa vez, já não pareceu necessária qualquer tipo de consideração. Israel tornou-se tão indiferente à morte, o coração dos israelenses endureceu, petrificou-se de tal modo, que Israel vê o que viu essa semana... e nada! Apatia? Não, não é só isso.

A verdade é que, vez ou outra, muitos tiveram uma mesma idéia: Será que a "campanha de Relações Públicas do governo de Livni" não nos fere mais do fere 'o outro lado'? (...)

A mídia foi cuidadosamente preparada para essa guerra. Nenhuma comissão de inquérito, nem Winograd nem Doner, poderá jamais dizer que a mídia não tenha sido preparada para essa guerra. Durante meses, todos recebemos apavorantes 'informes' sobre o crescente poderio do Hamás, sobre como o Hamás se armava. Túneis, bunkers, casamatas, mísseis de longo alcance, exército cada dia maior. Nenhum jornalista investigou. Ninguém sequer suspeitou.

Assim a mídia em Israel inventou o Hamas. Apagou a realidade de uma organização em frangalhos, em luta desesperada para não se deixar assassinar e que lança rojões de salão contra o mais poderoso exército do mundo. Assim, também, a mídia de Israel encobriu o fato de que Israel, não o Hamas, foi quem quebrou o pacto de cessar-fogo, imediatamente, no mesmo dia em que firmou o pacto: um dos túneis foi bombardeado no mesmo dia em que o cessar-fogo foi assinado.

A mídia israelense também ocultou os efeitos do boicote. Durante dois anos e meio nenhum veículo da mídia de Israel pôde entrar em Gaza. A opinião pública em Israel não soube de nada. Tampouco se ouviu qualquer protesto dos jornalistas em Israel. O sofrimento pelo qual passa a população sitiada em Gaza não apareceu na agenda jornalística em Israel. Alguns ainda tentaram acalmar a própria consciência (nunca, de fato, muito torturada), com notícias de que não havia bloqueio; alguns "pressentiram"; alguns inventaram cenas piores do que a realidade. Mas os efeitos do sítio e do bloqueio de Gaza não foram noticiados em Israel.

Depois da fase de preparação, a fase de avaliação: isso não pode continuar, disseram todos os analistas, introduzindo a idéia de que a resposta teria de ser militar, exclusivamente militar. Os assustados moradores de Sderot passaram a ser as únicas vítimas conhecidas. Não as crianças de Gaza, que não têm nem caderno para escrever, não os adultos que não tem nem cimento para vedar os túmulos de seus mortos, não os motoristas que dirigiam carros movidos com óleo de cozinha que aprenderam a reciclar, não os médicos que operavam sem eletricidade, não os feridos operados sem anestésicos, não as famílias mortas de frio. Essas não são personagens da cena do "isso não pode continuar".

E então começou a fase mais ativa da campanha pela mídia: à guerra, à guerra! Acabem com eles! Operação militar! Ação, reação, o que for, desde que 'eles' sejam detidos.

O último a aderir foi Nahum Barnea, colunista nacional, que entrou numa barbearia para cortar o cabelo, semana passada, em Sderot, e, é claro, não perdeu a oportunidade de partilhar a experiência com seus leitores e imediatamente, já de cabelo cortado, desafiou o ministro da Defesa, Ehud Barak, exatamente na véspera de Barak despachar seus aviões, para suas missões de morte. "Onde está o ministro da Defesa? Quem defenderá Israel?" bradava aquela manchete inesquecível.

Mas essa ainda não foi a manchete da semana do jornalismo nacional em Israel. Esfuziante, imediatamente depois do início de mais uma guerra, um dia depois do Sábado Negro, quando mais de 200 palestinos foram mortos e havia mais de 1.000 feridos em Gaza, um terço dos quais, pelo menos, civis (70 eram guardas de trânsito, reunidos na cerimônia de formatura, jovens em busca desesperado de algum meio para ganhar a vida, que pensaram tê-la ganho na polícia, no instante em que a perderam sob bombardeio israelense), nesse mesmo dia e hora, com a tipagem que se reserva para guerras novinhas em folha, a principal manchete do dia declarava, em letras enormes: "Meio milhão de israelenses sob fogo". Isso. Apenas isso. Coisa simples, modesta, com a muito clara certeza e o profissionalismo típico de jornal e jornalistas que sabem a importância que têm para seus leitores.

Quem quisesse saber o que ocorrera em Gaza naquele festim sangrento, e não só em Sderot e Netivot ("Netivot da Morte" dizia outra manchete), teria de andar até a página 13, para lá encontrar um relato muito sucinto do que, àquela hora, todos os telespectadores do mundo já sabiam: que o horror desabara dos céus sobre Gaza.

Historiador do futuro que algum dia examine os arquivos dos jornais de Israel verá com clareza absoluta: para Israel, 200, 300 e, depois, 400 palestinos assassinados 'não é' manchete. Que a mídia em Israel é "poupada" de ter de exibir imagens "fortes", que o que Israel e seus militares fizeram contra Gaza é assunto para especialistas em "Relações Públicas", que a Livni tudo é permitido, que os palestinos fizeram por merecer, e que Israel abraça e sempre abraçará qualquer guerra, qualquer barbárie. Que Israel crê-se tão poderosa que se brutalizou, que já não sente, que em Israel a barbárie é regente.

(*) Gideon Levy é jornalista, colunista do jornal Haaretz.
Tradução: Caia Fitipaldi

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DAS CINZAS DE GAZA

EUA e União Européia são cúmplices do massacre em Gaza

Os palestinos assassinados são trunfo eleitoral, numa disputa cínica entre a direita e a extrema-direita israelenses. Seus aliados em Washington e na União Européia, perfeitamente informados de que Gaza estava para ser atacada, exatamente como no caso do Líbano em 2006, sentaram e esperaram. A análise é de Tariq Ali.

O assalto a Gaza, em planejamento há mais de seis meses e executado em momento cuidadosamente selecionado, foi feito, como Neve Gordon observou corretamente, como instrumento de campanha eleitoral, com vistas às eleições do mês que vem e para manter no poder os partidos que estão hoje no governo de Israel. Os palestinos assassinados são trunfo eleitoral, numa disputa cínica entre a direita e a extrema-direita israelenses. Seus aliados em Washington e na União Européia, perfeitamente informados de que Gaza estava para ser atacada, exatamente como no caso do Líbano em 2006, sentaram e esperaram.

Washington, como sempre faz, culpa os palestinos favoráveis ao Hamas, com Obama e Bush cantando pela partitura do sempre mesmo AIPAC (American Israel Public Affairs Committee). Os políticos da União Européia souberam dos planos, assistem aos ataques, ao sítio, ao bloqueio, ao castigo coletivo imposto à população em Gaza, aos assassinatos de civis etc. (sobre isso, ver o impressionante ensaio de Sara Roy, de Harvard, na London Review of Books [em português, "Se Gaza cair...").

Apesar de ver e saberem de tudo isso, foram facilmente convencidos de que alguns rojões de quintal teriam "provocado" a reação de Israel. E puseram-se a 'exigir' o fim da violência dos dois lados. Efeito? Zero.

A ditadura-come-mosca de Mubarak no Egito e os islâmicos preferidos da Otan em Ancara não se deram o trabalho, nem isso, de registrar algum tipo de protesto simbólico; sequer retiraram seus embaixadores de Israel. A China e a Rússia não convocararm reunião do Conselho de Segurança da ONU para discutir a crise. Para discutir. Que fosse.

Resultado da apatia oficial, um dos resultados das mais recentes agressões de Israel será incendiar as paixões nas comunidades muçulmanas em todo o mudo e fazer crescer a influência e o prestígio até das organizações terroristas que, no ocidente, apresentam-se como líderes de uma "guerra contra o terror".

A carnificina em Gaza obriga a discutir questões estratégicas cruciais para os dois lados, todas relacionadas à história recente. Fato que todos têm de reconhecer é que já não existe Autoridade Palestina. Jamais existiu. Os Acordos de Oslo foram completo desastre para os palestinos, criando um conjunto de guetos desconectados, todos sob obcecada vigilância de um cão-de-guarda brutal. A OLP, onde uma vez depositaram-se todas as esperanças dos palestinenses, é hoje pouco mais que mendigo que suplica migalhas do dinheiro da União Européia.

O entusiasmo pela democracia torna-se zero entre os aliados ocidentais, no instante em que, no oriente, os eleitores elejam partidos e candidatos que se oponham as políticas ocidentais. Israel e o ocidente fizeram de tudo para eleger candidatos do grupo Fatah: os palestinenses enfrentaram manobras, ameaças, golpes, tentativas de suborno pela "comunidade internacional" e sua campanha incansável de perseguição aos candidatos do Hamás e outros grupos de oposição. A campanha foi incansável. Os candidatos do Hamas eram rotineiramente perseguidos ou atacados pelos soldados e pelas polícias de Israel, os cartazes eram confiscados e queimados, rios de dinheiro dos EUA e da União Européia enriqueceram a campanha a favor do Fatah, e, nos EUA, deputados e congressistas discursavem, para dizer que, se eleito, o Hamás não poderia governar.

Até a data das eleições foi planejada para alterar o resultado das urnas. Marcadas para o verão de 2005, foram adiadas até Janeiro de 2006, para que Abbas pudesse distribuir vantagens a mancheias porque – nas palavras de um oficial da inteligência egípcia –, "depois, o público apoiará a Autoridade, contra o Hamas."

O desejo popular de promover limpeza geral, depois de dez anos de corrupção, de conversações sem propósito e sem objetivo, sob governos do Fatah, foi mais forte que tudo. O triunfo eleitoral democrático do Hamas foi tratado como sinal do renascimento do fundamentalismo e preocupante derrota nos planos de paz com Israel, por governos e por todos os grandes impérios de mídia em todo o mundo atlântico.

Imediatamente começaram as pressões financeiras e diplomáticas, para forçar o Hamas a adotar as mesmas políticas do partido derrotado nas urnas.

Sem qualquer ligação com o misto de ganância e dependência, com o sonho de enriquecimento rápido dos porta-vozes e políticos servis do Fatah de depois de Arafat, sem o mesmo tipo de subserviência a qualquer idéia de que algum "processo de paz" fosse algum dia possível mediante as políticas do Fatah de depois de Arafat e de Israel, o Hamas construiu na Palestina a alternativa e a lição de seu próprio exemplo.

Sem ter a abundância de meios com que conta o atual Fatah, o Hamas construiu clínicas, escolas, hospitais, ofereceu programas de assistência social para as populações mais pobres. Os líderes e quadros dirigentes do Hamas vivem frugalmente, como vivem todos os pobres na Palestina.

Esse tipo de resposta social e política às reais necessidades da vida no dia a dia explica o amplo apoio popular e eleitoral de que o Hamas goza hoje, não alguma recitação diária do Corão. Não se sabe ainda o quanto a conduta do Hamas na II Intifada aumentou sua credibilidade na Palestina.

Os ataques armados a Israel, como os da Brigada dos Mártires, a Al-Aqsa, do Fatah, são respostas de retaliação à ocupação muito mais mortal do que qualquer ação armada de resistência. Avaliadas na escala dos massacres perpetrados pelo exército de Israel, a reação dos palestinenses é rara e sempre é muito menos violenta.

A assimetria pode ser bem avaliada durante o cessar-fogo (que foi proposta unilateral do Hamas), iniciado em junho de 2003, e mantido durante o verão, apesar dos inúmeros ataques israelenses e das prisões em massa que aumentaram muito durante o cessar-fogo, quando mais de 300 combatentes do Hamás foram 'desaparecidos' ou mortos na Cisjordânia.

Em 19/8/2003, uma célula autoproclamada do Hamas, de Hebron, já denunciada e desautorizada oficialmente pelos dirigentes do Hamas, explodiu um ônibus em Jerusalém Oeste. Como reação, Israel imediatamente assassinou Ismail Abu Shanab, negociador-chefe, pelo Hamas, do cessar-fogo. O Hamas respondeu. Resposta à resposta, a Autoridade Palestina e os Estados árabes suspenderam todo o fluxo de ajuda financeira às inicitivas sociais do Hamas e, em setembro de 2003, a União Européia acedeu a pedido que Telavive fazia-lhe há muito tempo: incluiu o Hamas na sua relação de "organizações terroristas".

O traço que distingue o Hamas em toda a Região, obrigado a lutar uma luta desesperadamente desigual, não são os homens-bomba – recurso desesperado que se vê em muitos outros grupos –, mas uma espécie superior de disciplina, firmemente orientada para atender necessidades vitais de uma população também desesperadamente desamparada. Prova desse tipo de disciplina dedicada é, por exemplo, a competência com que o Hamás conseguiu implantar o cessar-fogo, também entre seus grupos, apesar das provocações de Israel, durante todo o ano passado. Todas as mortes têm de ser condenadas, sobretudo a morte de civis, mas Israel é, de longe, autor de muito maior número de assassinatos na Região, estatística que os euro-norte-americanos ignoram completamente. Na Palestina, nem que quisessem os palestinos matariam na escala em que os israelenses matam.

O exército de Israel é o mais modernamente armado exército de ocupação que há no mundo. E é, sem dúvida, o mais fortemente armado exército de ocupação de toda a história moderna.

"Ninguém pode condenar que uma população se revolte, depois de viver 45 anos sob ocupação militar", disse o General Shlomo Gazit, ex-chefe da inteligência militar de Israel, em 1993.

O verdadeiro problema dos EUA e da União Européia, motivo da oposição obcecada ao Hamas, é que o Hamas recusou-se a aceitar a capitulação implícita nos Acordos de Oslo, e, depois, de Taba a Genebra, tem-se recusado a esquecer as calamidades que EUA e a União Européia têm imposto aos palestinos. Desde Oslo, EUA e a União Européia têm, como prioridade, quebrar a resistência do Hamas. Cortar os financiamentos à Autoridade Palestina é instrumento óbvio, para minar a influência de qualquer iniciativa política local na Região. Outro, é inflar os poderes de Abbas – escolhido a dedo, por Washington, como, também, Karzai, em Cabul –, ao mesmo tempo em que minam a influência do Conselho Legislativo.

Não houve qualquer esforço sério na direção de negociar com as lideranças políticas eleitas na Palestina. Duvido muito que o Hamas se deixasse rapidamente subordinar aos interesses israelenses e ocidentais, mas se assim acontecesse, não seria o primeiro. O próprio Hamas carrega uma pesada hipoteca sobre os ombros, desde a formação: a fraqueza fatal do nacionalismo palestino, que sempre acreditou que só haveria duas vias, ou a completa rejeição de Israel ou a completa aceitação do desmembramento dos retalhos da Palestina, até ser reduzida a 1/5 de seu próprio território. Entre o delírio maximalista da primeira via, ao patético minimalismo da segunda, praticamente não há caminho para fora do abismo, como o demonstrou a história do Fatah.

O teste de vida e morte para o Hamas, não é ser ou não ser 'adaptado' de modo a tornar-se palatável para a opinião pública ocidental, mas, sim, conseguir separar-se do peso devastador de seu passado. Logo depois da vitória eleitoral do Hamas, em Gaza, um palestino perguntou-me, numa entrevista, o que eu faria se estivesse no lugar do Hamas, recém-eleito. "Dissolveria a Autoridade Palestina", respondi. Para acabar com a encenação. Isso feito, seria possível repor a causa nacional palestina sobre bases adequadas para exigir que o território e seus recursos sejam partilhados proporcionalmente entre populações assemelhadas em quantidade – não com 80% para os israelenses e 20% para os palestinenses, uma violência tão grande que, no longo prazo, nenhum povo jamais a aceitará. A única solução aceitável é um único Estado, para israelenses-palestinenses, no qual os crimes do sionismo possam afinal ser reparados. Não há outra possibilidade. Só essa.

Os cidadãos de Israel bem podem meditar sobre essas palavras de Shakespeare (n'O Mercador de Veneza), em que introduzi pequenas mudanças:

"Sou palestino. Palestino não tem olho? Não tem mãos, órgãos, altura, peso, sentidos, afeições, afetos, paixões? Não come a mesma comida, não morre pelas mesmas armas, não padece as mesmas doenças, não se cura pela mesma cura, não se aquece no mesmo verão e não congela no mesmo inverno, como o judeu? Se nos furam, não sangramos? Se nos fazem cócegas, não rimos? Se nos envenenam, não morremos? Se nos fazem mal, não nos podemos defender? Se somos iguais em tudo, não reclamem de sermos iguais também nisso… A vilania que nos ensinaram, nós a aprendemos; seremos vis; menos vis que vocês, sim, porque viemos depois. Aprendemos com vocês, mas a vilania purga-se, no tempo. Mais do que isso, não posso prometer."

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Editorial CLACSO: Gritando contra o horror

O que está acontecendo em Gaza é um massacre que atenta contra os mais elementares direitos humanos, arrancando sem compaixão toda esperança de paz em uma das regiões mais injustas do planeta. Um massacre que pretende, pela prepotência de bombardeios assassinos, negar o direito dos palestinos a um Estado independente.

Há alguns dias, desde a Secretaria Executiva de CLACSO (Conselho Latinoamericano de Ciências Sociais) distribuíamos nosso tradicional cartão de final de ano. Nele, reproduzíamos um belíssimo mural do artista equatoriano Pavel Éqüez, Grito pela Vida. Poucas horas após o início do envio do cartão, começava na Faixa de Gaza um novo e brutal ataque do governo israelense contra o povo palestino.

Um massacre que atenta contra os mais elementares direitos humanos, arrancando sem compaixão toda esperança de paz em uma das regiões mais injustas do planeta. Um massacre que pretende, pela propetência de bombardeios assassinos, negar o direito dos palestinos a um Estado independente.

Nosso "grito pela vida", modesto e alegre, ganhava uma dimensão inesperada, contaminada de horror e espanto, de indignação e revolta, de impotência e repulsão. Ninguém pode ficar indiferente ante qualquer massacre, nem sequer os indolentes. Todo massacre interpela a humanidade e nos obriga a tomar partido.

Hoje, novamente, perdemos um pouco de nossa já maltratada humanidade em Gaza. Ali, junto com esses meninos e meninas, seus pais e mães, nossos irmãos reduzidos a escombros, gritando pela vida, com seu silêncio de morte e humilhação.

Neste marco, a destruição da Universidade Islâmica de Gaza não faz mais do que agregar uma pérfida marca de brutalidade ao ataque israelense. Nós, desde este lado do mundo, gritamos hoje, mais do que nunca, pela vida, pela paz e pela justiça. Gritamos pela dignidade e pelos direitos negados ao povo palestino. E, gritando, somamos nossa voz e nossa solidariedade com todos aqueles que não aceitam fazer da vida de um povo uma montanha de escombros.

Emir Sader (Secretário Executivo)
Pablo Gentili (Secretário Executivo Adjunto)


Tradução: Katarina Peixoto

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JOSÉ SARAMAGO

Gaza e os vestígios de um deus rancoroso e feroz

Desde o dia 9 de dezembro os caminhões da agência das Nações Unidas, carregados de alimentos, aguardam que o exército israelense lhes permita a entrada na faixa de Gaza, uma autorização uma vez mais negada ou que será retardada até ao último desespero e à última exasperação dos palestinos famintos. Nações Unidas? Unidas?

A sigla ONU, toda a gente o sabe, significa Organização das Nações Unidas, isto é, à luz da realidade, nada ou muito pouco. Que o digam os palestinos de Gaza a quem se lhes estão esgotando os alimentos, ou que se esgotaram já, porque assim o impôs o bloqueio israelense, decidido, pelos vistos, a condenar à fome as 750 mil pessoas ali registadas como refugiados. Nem pão têm já, a farinha acabou, e o azeite, as lentilhas e o açúcar vão pelo mesmo caminho.

Desde o dia 9 de dezembro os caminhões da agência das Nações Unidas, carregados de alimentos, aguardam que o exército israelense lhes permita a entrada na faixa de Gaza, uma autorização uma vez mais negada ou que será retardada até ao último desespero e à última exasperação dos palestinos famintos. Nações Unidas? Unidas? Contando com a cumplicidade ou a covardia internacional, Israel ri-se de recomendações, decisões e protestos, faz o que entende, quando o entende e como o entende.

Vai ao ponto de impedir a entrada de livros e instrumentos musicais como se se tratasse de produtos que iriam pôr em risco a segurança de Israel. Se o ridículo matasse não restaria de pé um único político ou um único soldado israelense, esses especialistas em crueldade, esses doutorados em desprezo que olham o mundo do alto da insolência que é a base da sua educação. Compreendemos melhor o deus bíblico quando conhecemos os seus seguidores. Jeová, ou Javé, ou como se lhe chame, é um deus rancoroso e feroz que os israelitas mantêm permanentemente atualizado.

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TRAGÉDIA EM GAZA

Fim da era Bush e eleição em Israel: uma das faces obscenas do massacre

O ataque a Gaza é uma tentativa de última hora de mudar as relações de forças no Médio Oriente, antes do fim da era Bush, nos EUA. E tem uma dimensão obscena: as centenas de vítimas dos bombardeios são vítimas colaterais da campanha eleitoral em Israel.Para aumentar o seu apoio popular antes das eleições, todos os líderes israelenses estão competindo para ver quem é o mais duro e quem está disposto a matar mais. A análise é de Michael Warschawski.

"A morte de uma única vítima israelense justifica o assassinato de centenas de palestinos. Uma vida israelense vale uma centena de vidas palestinas. É isto que o Estado de Israel e os meios de comunicãção mundiais mais ou menos descuidadamente repetem, com questionamentos marginais. E esta alegação, que acompanhou e justificou a mais longa ocupação de territórios estrangeiros da história do século XX, é visceralmente racista. Que o povo judeu aceite isto, que o mundo concorde, que os palestinnos se submetam - esta é uma história de piadas irônicas. Ninguém acha graça..."
John Berger

Enquanto o mundo inteiro está em choque diante das terríveis imagens emitidas de Gaza, a opinião pública israelense apóia maciçamente a sangrenta ofensiva de Barak-Olmert. Isto inclui o Meretz, a oposição de esquerda parlamentar. Apesar de ter manifestado preocupação pelas mortes de civis, o líder do Meretz, Haim Oron, numa entrevista à televisão israelense, aderiu aos argumentos da propaganda oficial, responsabilizando o Hamas pelo banho de sangue. Um discurso mistificador como este está sendo copiado pela maioria dos líderes do mundo ocidental, com o Ministro dos Negócios Estrangeiros de França superando até a Secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice. Vamos colocar os fatos em sua devida ordem:

Gaza está sendo alvejada pelo exército israelense desde a vitória do Hamas, e o cerco imposto sobre mais de 1,5 milhão de civis - por Israel, mas também pela chamada comunidade internacional - é em si um aco de violência e um crime de guerra;

O ataque israelense é uma agressão planeada: de acordo com as notícias vindas de Israel, Ehud Barak planeou o ataque a Gaza já em agosto;

Os foguetes lançados sobre cidades de Israel foram uma retaliação a agressões militares israelitas anteriores, e não foram lançados pelo Hamas, mas sim pela pequena organização Jihad Islâmica;

O ataque a Gaza é parte integral da guerra santa neo-conservadora contra o mundo islâmico, e a administração neo-conservadora cessante dos EUA, assim como o Egipto e outros regimes reaccionários árabes, instaram as autoridades israelenses a desencadear a ofensiva antes de Obama entrar na Casa Branca;

A intenção declarada de Barack Obama de abrir conversações com a República Islâmica do Irã é uma das principais preocupações das administrações cessantes em Tel Aviv e Washington, e a ofensiva contra Gaza é uma tentativa de provocar uma reação iraniana que permita a retaliação israelense e dos EUA. Nos últimos dias, o vice-ministro da Defesa israelense, Ephraim Sneh, bem conhecido pela sua obsessão anti-iraniana, vinculou sistematicamente os foguetes do Hamas (sic) ao Irã, sem, evidentemente, apresentar quaisquer provas.

Esta estratégia geral, baseada na mistificação do "choque de civilizações" e na guerra global contra o Islã, é partilhada por todos os partidos políticos sionistas de Israel e explica o apoio do Meretz à actual agressão.

Apesar de não ser de esperar uma mudança rápida da política norte-americana no Ocidente asiático, os líderes israelitas e os seus patrocinadores neo-cons em Washington estão preocupados pela mudança na administração norte-americana, e temem que uma nova estratégia possa quebrar a guerra global "preventiva". O ataque a Gaza é uma tentativa de última hora de mudar as relações de forças no Médio Oriente, antes do fim da era neo-conservadora.

E, antes de concluir, não esqueçamos a dimensão obscena: as centenas de vítimas dos bombardeios sobre Gaza são vítimas colaterais da campanha eleitoral israelense. Para aumentar o seu apoio popular antes das eleições, todos os líderes israelenses estão competindo para ver quem é o mais duro e quem está disposto a matar mais. Ehud Barak, contudo, tem uma memória muito curta, e Shimon Peres pode recordar-lhe que este cálculo cínico não é necessariamente o melhor: o massacre de Qana, que, supostamente, deu a vitória a Shimon Peres, teve como consequência que centenas de milhares de cidadãos palestinos virassem as costas ao Partido Trabalhista.

Apesar da sua brutalidade, contudo, Ehud Barak permanece um dos mais populares líderes na arena israelense, e os milhares de manifestantes que saíram às ruas ontem, quase sem convocação, protestando contra o massacre, podem indicar que todos os que estão por trás dele, incluindo o Meretz, não vão receber os seus votos. É previsível que o repúdio internacional e o relativamente amplo sentimento anti-guerra entre os eleitores force o Meretz, uma vez mais, a mudar de posição. Deviam, porém, lembrar-se da antiga verdade que os eleitores preferem sempre o original: quando o Meretz sanciona a estratégia de guerra e as mentiras de Netanyahu, os eleitores vão preferir votar em Netanyahu em vez de na sua pálida e sensaborona cópia.

(*) Ativista de esquerda israelense, diretor do Centro de Informação Alternativa de Jerusalém.

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MASSACRE EM GAZA

Por que bombardear Asklan é a mais trágica ironia

Tanto Yitzhak Rabin como Shimon Peres declararam, ainda na década de 1990, que desejavam que Gaza simplesmente desaparecesse, que sumisse mar adentro. A existência de Gaza é um indício permanente das centenas de milhares de Palestinos que perderam suas casas para o Estado de Israel, que fugiram apavorados ou foram expulsos por temor à limpeza étnica executada por Israel há 60 anos. A análise é de Robert Fisk.

Como é fácil desconectar o presente da história palestina, deletar a narrativa de sua tragédia, e evitar a ironia grotesca de Gaza que, em qualquer outro conflito, os jornalistas estariam descrevendo desde suas primeiras reportagens: qual seja, que os habitantes originais e legais da terra israelense almejada pelos foguetes do Hamas, hoje vivem em Gaza.

Por isso existe Gaza: porque os Palestinos que vivem em Ashkelon e campos ao seu redor – Asklan em árabe - foram destituídos de suas terras em 1948 quando foi criado o Estado de Israel e empurrados para onde residem hoje, na Faixa de Gaza. Eles –ou seus filhos, netos e bisnetos- estão entre o um milhão e meio de Palestinos espremidos na fossa séptica de Gaza. 80% dessas famílias viviam no que é hoje o Estado de Israel.

Assistindo os noticiários, tem-se a impressão de que a história começou apenas ontem, que um bando de lunáticos islâmicos barbudos anti-semitas apareceu de repente nas favelas de Gaza –um lixão povoado por pessoas destituídas de origem - e começou a atirar mísseis contra a democrática e pacífica Israel, apenas para dar de encontro com a indignada vingança da força aérea israelense. Nessa história simplesmente não consta o fato de que as cinco meninas mortas no campo de Jabalya tinham avós oriundos da mesmíssima terra de onde os atuais habitantes as bombardearam à morte.

Percebe-se porque tanto Yitzhak Rabin como Shimon Peres declararam, ainda na década de 1990, que desejavam que Gaza simplesmente desaparecesse, que sumisse mar adentro. A existência de Gaza é um indício permanente das centenas de milhares de Palestinos que perderam suas casas para o Estado de Israel, que fugiram apavorados ou foram expulsos por temor à limpeza étnica executada por Israel há 60 anos, momento no qual uma imensa onda de refugiados varria a Europa no pós Segunda Guerra Mundial, e um punhado de árabes expulsos de suas propriedades não importava ao mundo.

Mas agora o mundo deveria se preocupar. Espremido nos poucos quilômetros quadrados mais densamente povoados do mundo, está um povo destituído, vivendo no isolamento, no esgoto, e, durante os últimos seis meses, na fome e no escuro, sancionados pelo Ocidente. Gaza sempre foi insurrecional. A "pacificação" sangrenta de Ariel Sharon, começando em 1971, levou dois anos para ser completada e não vai ser agora que conseguirão dobrar Gaza.

Infelizmente para os palestinos, perderam sua mais poderosa voz política –refiro-me a Edward Said e não o corrupto Yasser Arafat (e como os Israelenses devem sentir sua falta)- ficando a sua sorte, em grande medida, sem explicação, no que depender dos seus atuais porta-vozes ineptos. "É o lugar mais deplorável que já vi", disse Said, certa vez, sobre Gaza. "É um lugar terrivelmente triste devido ao desespero e à miséria em que vivem as pessoas. Não estava preparado para encontrar campos que são piores do que qualquer coisa que eu tivesse visto na África do Sul".

Claro que ficou a cargo da Ministra de Relações Externas, Tzipi Livni, admitir que "às vezes os civis também pagam o preço", um argumento que ela não usaria se a estatística de mortes fosse invertida. Foi certamente educativo ouvir ontem um membro do Instituto Empresarial Americano –repetindo fielmente os argumentos israelenses- defender o indefensável número de mortos palestinos, dizendo que "não faz sentido entrar no mérito dos números". No entanto, se mais de 300 israelenses tivessem sido mortos, contra dois palestinos, pode ter certeza que se entraria "no mérito dos números", e a violência desproporcional seria absolutamente relevante. O simples fato é que as mortes palestinas importam muito menos que as mortes israelenses. É verdade que 180 dos mortos eram membros do Hamas, mas e o restante? Se a estatística conservadora da ONU de 57 civis mortos for verdade, ainda assim seria uma desgraça.

Não é de surpreender que nem os EUA nem a Grã-Bretanha condenem o ataque Israelense, e ponham a culpa no Hamas. A política norte-americana para o Oriente Médio é indistinguível da israelense, sendo que Gordon Brown está assumindo a mesma devoção de cão à administração Bush, já demonstrada pelo seu antecessor.

Como sempre, os Estados árabes clientes –pagos e armados pelo Ocidente- permanecem em silêncio, absurdamente, chamando uma cúpula árabe para discutir e (se chegar a isso) apontar um "comitê de ação" que redigiria um relatório que jamais será escrito. É assim que funcionam o mundo árabe e seus líderes corruptos. Quanto ao Hamas, este terá, é claro, que suportar a desmoralização dos Estados árabes enquanto cinicamente esperam que Israel fale com eles. O que farão. De fato, dentro de alguns meses, chegará a notícia de que Israel e Hamas mantêm "diálogos secretos" –assim como outrora ouvimos falar em relação a Israel e a ainda mais corrupta OLP. Mas, até lá, os mortos estarão enterrados e estaremos ingressando na próxima crise do Oriente Médio.

Artigo publicado originalmente no jornal The Independent e reproduzido na Folha de São Paulo.

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Todos os textos foram extraídos do excelente site de notícias Agência Carta Maior

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