quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Tropa de Elite

DEBATE ABERTO

A Tropa Púrpura do Rio

Quando, fascinado pela trama de "Tropa de Elite", o governador fluminense Sérgio Cabral Filho (PMDB), entra na tela e dela sai de braços dados com o capitão Nascimento, ficção e vida real se fundem na lógica fria de uma visão belicista de segurança pública.

(Se torturo um inimigo, seja em nome do que for, perco a razão que me faz guerreá-lo, uma vez que qualquer razão para poder subsistir, tem que se erigir sobre um fundamento ético que a precede- e a sustenta- Hélio Pellegrino)

Quando o astro principal de "A Rosa Púrpura do Cairo", a maravilhosa fábula de Woody Allen, sai da tela para conhecer a garçonete Cecília, vivida por Mia Farrow, fantasia e realidade são magistralmente capturadas pela magia do cinema.

Quando, fascinado pela trama de "Tropa de Elite", o governador fluminense Sérgio Cabral Filho (PMDB), entra na tela e dela sai de braços dados com o capitão Nascimento, ficção e vida real se fundem na lógica fria de uma visão belicista de segurança pública. Uma opção que muito revela sobre as condições que presidem o funcionamento de uma sociedade desde sempre fracionada.

Se o filme americano evoca vida, ilusão e esperança, a produção brasileira amplifica o apoio que ações mais violentas de combate ao crime têm na classe média brasileira. A garçonete faz parte de um roteiro de lirismo. O governador incorpora as subtramas do fascismo nativo. Ambos têm algo em comum: são intensos em suas escolhas. Delas não sairão incólumes. Não importa se enredo e técnicas sejam totalmente distintos.

O confronto como tentativa de erradicação da criminalidade, descontextualizada das graves causas sociais que a produzem, é procedimento ideológico destinado a encobrir o privilégio delinqüente e a culpa das classes dominantes. É a reiteração de que barbárie se combate com barbárie e que eficiência repressiva só é possível desrespeitando a lei e ignorando direitos humanos.

Não há nada de novo na terra em transe, salvo a glamourização da política do extermínio. As cenas de policiais em um helicóptero matando dois supostos traficantes que fugiam de uma operação na Favela da Coréia, realizada em 17/10, representam muito mais que um flagrante assustador: é o registro, como espetáculo, da execução sumária. O uso do Poder Público como simulacro de videogame. Uma ação "tolerável" por ter acontecido em um "não-lugar". A versão oficial, não pirateada, da continuação do filme em Senador Câmara, subúrbio do Rio de Janeiro. A morte imita a arte para deleite do governador e seu novo lugar-tenente.

Como já destacamos em artigo publicado em Carta Maior (O terror dos inocentes), “a tragédia da segurança pública é a tragédia de um Estado que, por nunca ter sido plenamente democrático e de direito, falhou no combate ao crime na mesma medida em que foi incapaz de implementar políticas públicas de inclusão".

A política adotada na gestão de Sérgio Cabral, tal como a de governos anteriores, tem tanto impacto na mídia quanto pouca eficácia. A visibilidade é inversamente proporcional ao alto custo humano.Só se combaterá o tráfico quando o acesso à justiça for garantido pelo Estado. Enquanto questões centrais tais como regulamentação do uso do solo; urbanização ; saúde; lazer e cultura não forem sequer tangenciadas, o enfrentamento armado só aguçará a violência e o protesto perverso.

Mas a "bopização" de Cabral não parou por aí. Para o governador, seguindo a tese do livro "Freakonomics ,"o aborto de mulheres pobres pode ser um excelente remédio contra a violência" Você pega o número de filhos por mãe na Lagoa Rodrigo de Freitas, Tijuca, Méier e Copacabana, é padrão sueco. Agora, pega na Rocinha. É padrão Zâmbia, Gabão. Isso é uma fábrica de produzir marginal" Nunca foi tão explícito o local de combate ao tráfico: no útero. A invasão tem mais chance de êxito. Pouco importa se as estatísticas oficiais não lhe dêem amparo. O imaginário da classe média endossa suas afirmações.

Se o levantamento da Fundação Getúlio Vargas indica que a maioria de usuários no Brasil tem renda superior a R$9,5 mil, o que fazer com a "Suécia" cheiradora? Reproduzir o “não procriem" dos cartazes de protesto de universitários que marcaram o casamento dos filhos de políticos influentes do Rio,? Ou dispensar tratamento diferenciado?

Como pouco, ou nada, se sabe da filmografia da Zâmbia, talvez o governador deva assistir a um belo filme sueco: Em "O Sétimo Selo", Antonius Block se nega a morrer enquanto não entender o sentido da vida. Consegue um trato. Enquanto conseguir contê-la em um jogo de xadrez, a morte o poupará. Como adaptar o jogo aos moradores da "Zâmbia" se no tabuleiro repressivo o Rei é o caveirão? Bergman cede o lugar a Padilha.

Mas não há motivos para Cabral rever posições. Quando um personagem de filme, assassino e torturador,ascende ao panteão de heróis populares, não há por que mudar de rota. Os moradores da Suécia aprovam a tortura e execução dos zambianos. Só lhe pedem um favor: que poupe os serviçais. Sem problemas, para o governador do Rio de Janeiro missão dada é missão cumprida.


Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, e colaborador do Jornal do Brasil e Observatório da Imprensa.


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