quarta-feira, 23 de julho de 2008

Quando Sig, o rato, rugiu


Tomo a liberdade de retomar um tema já discutido (as indenizações por perseguições políticas durante a ditadura militar) para tecer uma breve consideração que vai na contramão dos argumentos daqueles que falaram em "bolsa-ditadura" e traição aos princípios.

O assunto é antigo. Já discutido, quase à exaustão, nos mais variados fóruns. Mas como este Observatório comporta critérios outros que não restringem a análise a fatos de noticiabilidade recente, volto a tocar em um assunto que, há três meses, ocupou páginas com uma unanimidade inaudita. Tomo a liberdade de retomar o tema para tecer uma breve consideração que vai na contramão dos argumentos predominantes: aqueles que falaram em "bolsa-ditadura" e traição aos princípios.

Indenizados com outros 18 jornalistas por perseguição política, os cartunistas Jaguar e Ziraldo receberam, no início de abril, direito a reparações vultosas, além de prestação mensal permanente e contínua de R$ 4.375,88. Foram os valores mais altos concedidos pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, mas será que justifica a grita geral a que assistimos à época?

O coro uníssono de colunistas, alguns ex-presos políticos e personalidades de alto coturno afirmava categoricamente que a conhecida dupla do saudoso Pasquim, ao aceitar a reparação, teria ultrapassado o Rubicão dos bons manuais de ética.

Representação do procurador-adjunto do Tribunal de Contas da União (TCU) criticou os valores e houve quem falasse em farra milionária à custa da Viúva. Mas algo, e não é um grito, continua pairando no ar. O distanciamento temporal talvez nos permita interpelar os críticos e suas razões aparentemente irrefutáveis.

Eles pareciam ignorar ou ter se esquecido, convenientemente, que o Pasquim foi asfixiado economicamente, com anunciantes de peso sendo "aconselhados" a não programarem o jornal.

Moralismo neo-udenista

Ficou em segundo plano que a censura prévia, além de obrigar a "fechar" três ou quatro edições por número e torcer para sobrar o bastante para colocar uma nas bancas, prejudicou a circulação do jornal quer por causar atrasos na distribuição, quer por fazer com que perdesse leitores "desencantados" porque o jornal tinha ficado muito "tímido". E como esquecer os atentados a bomba que levaram muitos jornaleiros a deixarem de vender jornais "nanicos", entre os quais o Pasquim, Movimento etc., etc.?

Nos casos específicos de Jaguar e Ziraldo, pareceu igualmente não terem sido levados em conta os prejuízos profissionais que sofreram: nos anos de chumbo foram barrados na grande imprensa além de terem, assim como o Pasquim, perdido contratos publicitários.

Jaguar, por certo tempo, chegou a praticamente torrar todos os seus haveres e dormir num colchonete na redação do jornal. Insinuar que fizeram isso de caso pensado, contando com vantagens futuras, é mais que estultice; é má-fé. Supor que a resistência embutia um imaginário mercado futuro de indenizações é conceder habeas-corpus a todo tipo de aleivosia.

O mesmo quanto à estranha lógica segundo a qual os dois jornalistas não teriam direito a ser indenizados porque não foram barbaramente torturados (argumento típico de quem jamais sequer levou um achaque dos "homens"). Não estando na mais abjeta miséria (típico moralismo neo-udenista que envolve até mesmo uma conhecida "esquerda" de classe média), estariam se queixando de quê? Não estavam se "queixando", pleitearam – há sete anos! – algo a que tinham direito e obtiveram ganho de causa. Simples, não?

Conseqüência lógica

Miriam Leitão, conhecida colunista de O Globo, dizendo-se "amiga de longa data" dos dois, escreveu que Jaguar e Ziraldo "venderam suas biografias". Pode ser? Mas não seria o caso de lembrar que eles, pelo menos, têm uma biografia que podem vender. Há quem nem isso tenha. Miriam, por exemplo, não faz muito tempo, declarou em entrevista a Jô Soares que o que a levou a militar no PC do B foi "o desejo de lutar pela liberdade". Mais que reescrever sua trajetória e a do partido a que pertenceu, a jornalista revelou uma faceta oculta do bom humor albanês.

Estamos em julho, e muito matutei sobre o assunto. Pressionado pelas críticas, Ziraldo esbravejou:

"Eu quero que morra quem está criticando. Porque é tudo cagão e não botou o dedo na seringa. Enquanto eu estava xingando o Figueiredo e fazendo charge contra todo mundo, eles estavam servindo à ditadura. Então, qualquer crítica que se fizer em relação ao que está acontecendo conosco eu estou me lixando".

Será que, conforme escreveu Sérgio Malbergier, editor do caderno "Dinheiro" da Folha de S.Paulo, a dupla apenas estaria "aumentando o prejuízo dado ao Tesouro Nacional?". Ou estamos diante de uma reparação que deve ser vista como conseqüência lógica do pleno restabelecimento do Estado Democrático de direito?

O que teria a dizer Sig, o rato que rugia, quando muitos leões emitiam discretos miados?

Artigo publicado originalmente no Observatório da Imprensa.

Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Observatório da Imprensa.

Fonte: Agência Carta Maior


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