terça-feira, 22 de julho de 2008

Preso Karadzic, o Bin Laden da Europa



por
Wálter Fanganiello Maierovitch

1. A Prisão.

As forças de segurança da Sérvia capturaram ontem Radovan Karadzic, o médico-psiquiatra que foi o mentor intelectual do massacre de Srebrênica (1995), durante a guerra da Bósnia (1992-1995).

Aos 63 anos de idade, Karadzic foi localizado e preso, conforme divulgado em seca nota, pelo gabinete do presidente da Sérvia, Boris Tadic. Para um funcionário do Tribunal Penal Internacional (TPI), ele não ofereceu resistência e aparentou estar deprimido. Karadzic, chamado de Osama Bin Laden da Europa, sabia que a Sérvia precisa entrar na União Européia e a condição primeira imposta era a sua captura e entraga ao TPI para responder por genocídio e crimes contra a humanidade.

A prisão ocorre num momento emblemático da vida política da Sérvia: o novo governo foi empossado há duas semanas.

O novo governo, favorável ao ingresso do país na União Européia, sofre a pressão dos ultranacionalistas, que davam cobertura a Karadzic e querem a retomada de Kosovo, antigo enclave que se autoproclamou independente.

Com Karadzic preso, o governo, em duas semanas, mostra a sua autoridade e impõe aos ultranacionalistas pesada derrota. O Partido Democrático, vencedor das eleições e liderado pelo presidente Tadic, possui perfil filo-ocidental. Os democratas conseguiram uma aliança com o Partido Socialista, que ganhou nova roupagem depois da prisão e morte de Slobodan Milosevic, apelidado de “carniceiro dos Bálcãs”.

Agora, só falta a Sérvia localizar e entregar ao TPI o ex-chefe do exército, Ratko Mladic, 65 anos de idade, foragido desde 1995 e acusado de crimes de guerra, contra a humanidade e genocídio.


2. O Médico e o Monstro: um pouco de cinzas

A Corte Internacional de Justiça das Nações Unidas (Corte de Haia) concluiu, em decisão tornada pública em 26 de março de 2007, pela ocorrência de genocídio no enclave islâmico de Srebrênica (Bósnia), então sob proteção da ONU, que empregava militares holandeses.

O massacre de 8.100 islâmicos, todos do sexo masculino, consumou-se entre 11 julho de 1995. Em Srebrênica, os capacetes azuis holandeses foram ignorados pelos paramilitares da milícia “Os Escorpiões”, que atendia às ordens de dois sérvios, o general Ratko Mladic e o ideólogo, psiquiatra e poeta, Radovan Karadzic.

Contra Mladic e Karadzic pendem mandados de prisão expedidos pelo Tribunal Penal Internacional das Nações Unidas (TPI) e, por cada cabeça, os EUA ofertam o prêmio de US$5 milhões.

À época, Mladic e Karadzic jogavam de mão com Slobodan Milosevic, presidente da Nova República Federal Iugoslava, formada pela Sérvia e Monte Negro. O sonho do trio era a formação da Grande Sérvia e, para tanto, promoveram a chamada “limpeza étnica”, ou seja, a eliminação dos mulçumanos dos enclaves, para fixação regional de uma etnia considerada pura.

Infelizmente , os capacetes azuis da ONU limitaram-se a assistir ao massacre em Srebrênica e isso provocou a demissão do indignado premier holandês de Wilm Kok.

Com efeito, contra o voto de dois dos seus 15 juízes, a Corte de Haia, instituída em 1945, entendeu, apesar de reconhecer o genocídio em Srebrênica, não ter o estado da Sérvia responsabilidade direta pelo sucedido, embora pudesse tê-los impedido.

Caso seu coração tivesse agüentado uns poucos meses mais, o açougueiro dos Bálcãs, ex-presidente Slobodan Milosevic, teria nas mãos bom argumento (decisão da Corte de Háia) para conseguir relaxar a prisão imposta pelo permanente TPI, criado pela Convenção de Roma, em 18 de junho de 1998.

A decisão da Corte de Haia decepcionou, pois, como até os peixes do mar Adriático sabem, o aparato montado pelo regime de Milosevic, entre 1993 e até novembro de 1995, quando cedeu e celebrou o tratado de paz de Dayton (EUA), objetivava a constituição da “Grande Sérvia”, com a eliminação dos islâmicos.

A respeito de Srebrênica, o TPI já havia concluído pelo genocídio, mas com motivação que tromba com a da Corte de Háia, pois responsabilizava Milosevic e agentes da sua autoridade. Caso tivesse o TPI competência para julgar, além de pessoas, os estados nacionais, seria a Sérvia responsabilizada pelo genocídio.

No TPI, o processo contra Milosevic começou em maio de 1999 e a sua prisão ocorreu em julho de 2001. A Corte de Haia entrou no caso de Srebrênica por provocação da Bósnia, desejosa de responsabilizar a Sérvia, até por condenação a uma simbólica indenização pecuniária.

Na verdade, a Corte de Haia é uma corte arbitral. Mas tem competência, por provocação do Conselho de Segurança, Assembléia Geral e de estado-membro, para deliberar sobre normas de direito internacional. Assim, apreciou o caso da Sérvia e, contraditoriamente, negou o direito à indenização, apesar de reconhecer a omissão governamental: “poderia o governo da Sérvia ter evitado o massacre”.

O TPI tem competência para julgar os autores e cúmplices de crimes de genocídio, de guerra, contra a humanidade e de agressões internacionais. Apenas sete países não aceitam a jurisdição do TPI, entre eles EUA, China, Índia e Israel.

No processo criminal para a ex-Iugoslávia, o TPI já declarou que as “forças sérvio-bosníacas, com o objetivo de eliminar parte de mulçumanos estabelecidos na Bósnia, escolheram Srebrênica, por ser um enclave emblemático. Primeiro, dominaram os muçulmanos do sexo masculino, adultos e jovens, tiraram os seus pertences e apreenderam as suas cédulas de identidade pessoal. Depois, mataram a todos, deliberada e metodicamente”.

Em maio de 2005, a destemida procuradora Carla del Ponte exibiu aos juízes do TPI um filme sobre os massacres em Srebrênica. Um fotógrafo amador, com risco, fez a histórica filmagem: as mulheres eram expulsas de suas casas, jogadas em caminhões e obrigadas a deixar Srebrênica. Muitas delas foram estupradas. As crianças, adolescentes e adultos do sexo masculino foram executados depois de amarrados, com as mãos para trás.

A Corte Haia poupou a Sérvia que, já com um governo democrático eleito e recém-empossado, tem por meta ingressar na União Européia. A senha para isso pode estar no infeliz comentário de Javier Solana, representante da política externa e da defesa comum da União Européia. Para Solana, como se o TPI não estivesse a julgar os genocidas, a decisão da Corte de Háia “vira uma página da história”.

Fonte: Carta Capital
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