O presidente do IPEA, Márcio Pochmann, jamais se meteu com o grupo de economistas de mercado e professores-banqueiros, a não ser como crítico. Está pagando o preço de sua honestidade intelectual. É uma sorte que o Brasil conte, na administração pública, com gente como ele.
por J. Carlos de Assis
Partiu de mim a sugestão ao então secretário Roberto Mangabeira Unger para que escolhesse o economista Márcio Pochmann para a presidência do IPEA. Não é meu, porém, o mérito pelo fato de ele ter aceitado. É do atual ministro Mangabeira. Alegando problemas reais de família, Márcio me fez acreditar que não aceitaria. Foi Mangabeira, com uma insistência tenaz, quem o convenceu do contrário. Com isso, honrou o Governo Lula com um dos mais competentes quadros do País no terreno da pesquisa e da investigação econômica.
Não precisei de indicar João Sicsú para o segundo posto no IPEA. Quando ia mencionar o seu nome, Márcio já o havia escolhido. Indiquei, sim, como pesquisador ou para qualquer outro posto no Instituto, o economista Miguel Bruno. É o mais notável da nova geração de pesquisadores econômicos brasileiros. Fez uma primorosa tese de doutorado na França sobre financeirização da economia. Eu a usei na carta Momento Nacional, do Instituto Desemprego Zero, mostrando que 29% da renda interna líquida do País, entre 1992 e 2005, são juros.
É graças a essa tese, ignorada pela maior parte da imprensa brasileira com a rara exceção do jornal Valor, que o jovem doutor está sendo submetido à mais sórdida campanha de jornais como O Estado de S. Paulo e O Globo – os mesmos que denigrem a imagem do IPEA, com base em informantes desqualificados de ressentidos. A motivação explícita é uma mudança de métodos na divulgação de pesquisas de conjuntura. A implícita é o despudor de quem quer fazer com que o IPEA continue sendo uma “dobradinha” do mercado financeiro.
Para o jornalista Elio Gaspari, no Globo de domingo, “o comissariado está destruindo o IPEA”. Gaspari conhece as artes da destruição. Ele ajudou a destruir a ditadura com um competente jornalismo no Jornal do Brasil. Infelizmente, tomou de amores por sua principal fonte, o General Golbery, eminência parda dos governos Castello Branco e Geisel. Sabe-se, pela coleção de livros históricos de Gaspari, tudo o que Golbery lhe contou. Apenas não se sabe o que Gaspari contou a Golbery. Não sei se isso o honra, ou o denigre.
A fúria contra Márcio Pochmann se justifica pela esclarecedora entrevista que deu à Gazeta Mercantil, no último dia 23, sob o título “BC pode matar ciclo de crescimento”. Não é necessário ler mais nada. Está em todos os jornais, todos os dias, afirmações de economistas do mercado e professores-banqueiros segundo as quais o único e exclusivo objetivo da política econômica brasileira é trazer a inflação para o centro da meta. Nada mais, e também nada menos, pois se for menos o Banco Central, contrariado, não terá justificativa para aumentar os juros.
Num instituto de pesquisa, como em qualquer repartição pública burocrática, a hierarquia é fundamental. Menos no IPEA. Ali, qualquer economista ressentido pode bater boca com seus dirigentes, sob a cobertura da liberdade de expressão e do direito à divergência. No Globo de sábado, 28 de junho, Paulo Levy se arvora o direito de definir o papel do IPEA. Ao lado, Márcio Pochmann procura esclarecer que o papel do Instituto não é fazer projeções. Elas mudam todo o dia, ao sabor da especulação financeira. E pergunta: “Por que erram tanto?”
A resposta é simples. Erram porque são fruto de especulação primária, as quais, por sua vez, são a base dos gigantescos ganhos financeiros com que o povo brasileiro, através do superávit orçamentário primário combinado com taxas de juros estratosféricas e o swap reverso, premia os gangsters do mercado. De fato, Márcio, que, como Miguel Bruno e João Sicsú, jamais se meteu com esse bando, a não ser como crítico, está pagando o preço de sua honestidade intelectual. É uma sorte que o Brasil conte, na administração pública, com gente como ele.
Ele varreu o IPEA. Leva farpas de gente que se esconde no BNDES e que, não contente com a terapia ocupacional a que foi relegada, se alia ao rebotalho da casa para denegrir a honra das pessoas e das instituições. Em linguagem bem clara, cospem no prato em que comeram. O Brasil sofrido, o Brasil honesto, o Brasil trabalhador (mas ainda sem emprego suficiente), merece Márcio Pochmann, Sicsú e Miguel Bruno. Quanto a Bruno, Ancelmo Góis tem razão. Um dia, será o primeiro Prêmio Nobel brasileiro, por causa de sua tese sobre financeirização. É mais velho que Einstein quando recebeu o de Física.
J. Carlos de Assis é economista, editor-chefe do site Desemprego Zero.
Fonte: Agência Carta Maior
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