sexta-feira, 25 de julho de 2008

Outdoor com desenho de Latuff censurado no RJ

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Cabral censura desenho de Latuff

por Marcelo Salles

Relâmpagos e trovoadas caíram sobre o Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedca). E sobre a empresa de outdoor que vendeu espaço para a veiculação do desenho de Carlos Latuff. O desembargador Siro Darlan recebeu um telefonema do governador Sérgio Cabral (PMDB), que se disse “muito ofendido” com o outdoor. O chefe da Casa Civil do governo estadual, Regis Fichtner, afirmou ontem à Agência Estado: "Liguei para o presidente do Cedca e ponderei que considerava a imagem de muito mau gosto, que isso não ajudava em nada a causa da criança e continha mensagem grave e equivocada sobre a PM" (íntegra aqui).

Fontes seguras garantem que a Prefeitura de César Maia (DEM) e a Associação de Cabos e Soldados da PM pressionaram a empresa de outdoor. No caso da Prefeitura, o tom teria sido de ameaça contra os pontos comerciais que pertencem à empresa, já que se trata de serviço autorizado pelo poder público municipal. Outras entidades também teriam pressionado pela retirada do desenho.

Mas nada disso será confirmado, nem pela empresa de outdoor, nem pela Prefeitura. A versão oficial será a de que o Cedca decidiu, sozinho, solicitar a retirada dos cartazes. Vão tentar fazer o povo engolir essa.

O fato é que desde ontem a empresa está oficialmente notificada pelo Cedca para retirar os oito outdoors. O que estava na Av. Presidente Vargas, no centro do Rio, foi removido entre 13h e 17h10. O desenho de Latuff, que agride pelo único motivo de ser fiel à realidade, está sendo devidamente censurado: removido ou simplesmente coberto, como era comum durante a ditadura de 1964, até que uma arte mais amena seja posta no lugar. Os que saíram ontem terão ficado expostos apenas 4 dos 14 dias contratados.

A reação contra o outdoor nos remete à análise da força que uma imagem pode ter. E aí a gente volta para a questão do poder dos meios de comunicação de massa, especialmente numa cidade como o Rio de Janeiro, que tem aproximadamente 6 milhões de habitantes. Enquanto os detentores da produção e veiculação das mensagens imagéticas forem os representantes da direita, não haverá problema. Podem, tranqüilamente, veicular mensagens preconceituosas e até fascistas como vemos em novelas e filmes policialescos cujas mensagens legitimam a tortura e o extermínio das classes marginalizadas pelo sistema capitalista. No entanto, se a imagem for concebida por um artista de esquerda, forjado nas lutas contra a violência e a opressão do sistema capitalista, moverão mundos e fundos para censurá-la – o que conseguirão com freqüência, até que os movimentos sociais e os partidos políticos que defendem as maiorias viabilizem seus próprios veículos de comunicação de massa (jornais, rádios, televisões, outdoors, entre outros).

E o que dizer do argumento do chefe da Casa Civil de Sérgio Cabral (PMDB)? Ele considerou o desenho do Latuff de “muito mau gosto” e disse que continha uma “mensagem grave e equivocada da PM”. Ora, que escola de comunicação o senhor Regis Fichtner freqüentou para ter condições de aprovar ou deixar de aprovar uma determinada ilustração? Se o governo impede, ou trabalha para impedir, uma determinada manifestação artística, está cometendo grave atentado à liberdade de expressão. Ademais, há pelo menos um fato curioso nessa história: trata-se do reconhecimento, por parte do governador, de sua política de segurança na ilustração. Por quê, Cabral, se ali não continha nenhuma referência explícita à sua polícia? A interpretação está nos olhos de quem vê, e se o governador associou a brutalidade da imagem, trabalhada com esmero pelo artista, à violência de sua polícia contra quem mora nas favelas, dispenso comentários. Quem se entregou à carapuça lattufiana foi o chefe do Executivo.

Não podemos assistir calados a tamanho autoritarismo. Não podemos ser coniventes com uma política de segurança que faz a polícia do Rio ser a que mais morre e a que mais mata no mundo. Vale a pena dividir a indignação com os amigos e familiares. Telefone para o governador Sérgio Cabral (2553-1030) ou escreva para governador@governador.rj.gov.br e diga: “Sou cidadão do Rio de Janeiro e reprovo a censura contra o desenho de Carlos Latuff. Governador Sérgio Cabral, respeite a liberdade de expressão!”. Vamos, também, denunciar esse autoritarismo junto aos organismos internacionais. Se tivermos 10 pessoas diferentes ligando e/ou escrevendo, já será uma vitória. Se 100, 200 pessoas pressionarem o governador, melhor ainda. Mas desconfio de que teremos 1.000 cidadãos empenhados em colocar o governador em seu devido lugar. Sérgio Cabral é nosso empregado, não é nosso patrão. Somos nós quem pagamos seu salário através dos impostos. Portanto, nós é que devemos decidir os rumos do governo.

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Uma correção e uma constatação

Em sua edição de ontem, O Globo afirma, em matéria publicada à página 19, que Carlos Latuff "não quis falar com a imprensa". Não é verdade. Latuff, como vocês leram abaixo, falou com o Fazendo Media. E olha que a jornalista ainda me perguntou, durante a caminhada: "Ele só não fala com a grande ou não fala com nenhuma imprensa?". Respondi aquilo que todos os que conhecem Latuff sabem: "Ele não fala com a mídia grande, mas fala com a alternativa e popular".

Na edição de hoje, O Globo simplesmente ignora a censura que o governo Cabral impôs ao desenho do Latuff. Os oito outdoors já começaram a ser retirados. Ontem, entre 13h e 17h, o que estava na Av. Presidente Vargas foi substituído por uma propaganda qualquer. Mas o Globo não achou que isto seria um fato jornalístico.

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No caminho certo

“O governador disse que estava muito ofendido com aquele outdoor”, afirmou o desembargador Siro Darlan, presidente do Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedca). E o que tinha no outdoor? Um texto e um desenho. O texto convocava para a missa, nesta quarta-feira (23/7), em lembrança dos 15 da Chacina da Candelária e dos 18 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente. Após a celebração, cerca de mil pessoas caminharam até a Cinelândia pela Av. Rio Branco, que foi parcialmente fechada.

As inscrições no outdoor eram as seguintes:

“Candelária, Vigário Geral, Baixada, Alemão, Providência... estamos mais seguros?”

“Este ano o Estatuto da Criança e do Adolescente completa 18 anos sob banhos de sangue”

“Infeliz é a sociedade que assiste passivamente sua juventude ser assassinada”

“O DESRESPEITO AO ESTATUTO ESTÁ ACABANDO COM O FUTURO DO PAÍS”

E seguiam, em caixa menor, as informações sobre dia, horário e local da missa.

E o que havia no desenho? Por que uma imagem incomodou tanto o governador Sérgio Cabral (PMDB)? Aliás, não apenas o governador. O jornal O Globo, que sempre esteve ao lado do governo (lembram da cobertura do dia seguinte à Chacina do Alemão?), disse em sua edição desta quarta-feira (23/7) que o desenho foi reprovado por seus leitores. Peraí. Mas quem são os leitores do Globo? Melhor: quem são os leitores credenciados pelo jornal para emitir tal opinião? E até que ponto a opinião desses leitores, criteriosamente selecionados, está dissociada de sua linha editorial, sobretudo considerando o poder da mídia em produzir formas de sentir, agir, pensar e viver?

Mas, afinal, o que tinha no desenho?

O desenho, que incomodou tanto o governador, é obra do cartunista Carlos Latuff. (O leitor do Proto-Blog já conhecia a ilustração desde 26 de junho). Ele retrata uma mãe negra, a segurar o filho morto no colo. Ela chora, desesperada. Seu filho é uma criança vestida com uniforme da escola e, atrás dos dois, está um policial com um fuzil recém-disparado. Ao fundo, um caveirão, carro blindado da polícia, invade uma favela e dispara a esmo.

Eis aí a imagem que tanto incomodou os representantes da elite fluminense. Segundo fontes seguras, Sérgio Cabral, governador do Estado do Rio de Janeiro, está pessoalmente engajado para tentar censurar o desenho. Até um telefonema para o dono da empresa de outdoor ele teria dado.

Para entender melhor o que se passa, talvez fosse interessante ouvir o autor do desenho. Coisa que foi tentada pelo Globo durante a caminhada, mas Latuff se recusou a falar com o jornalão. “A mídia é cúmplice dessas mortes que ocorrem”, diz o cartunista, que, em entrevista ao Fazendo Media, fez um resgate bastante apropriado dos últimos crimes cometidos no Rio pelos órgãos da repressão: “Essa mesma imprensa fez diversas matérias em Rio das Pedras dizendo que lá não tinha traficante. Ali já era o feto do problema das milícias. Que a mídia, essa mídia hipócrita, defendeu no início. Foram várias matérias positivas sobre as favelas que não têm traficantes, mas sem entrar no mérito de quem havia assumido o controle – a milícia”. (Por isso uso o termo “milídias” para tratar do assunto). Outro exemplo foram os assassinatos dos três jovens moradores do Morro da Providência. “Essa mídia sempre pediu o Exército nas ruas. Sempre. Quando houve a ocupação da Providência, as matérias foram positivas. Até dar no que deu. Mas a gente não tem memória curta”, diz Latuff.

Sobre o desenho em si e seus efeitos, o cartunista se disse satisfeito. “É uma resposta à altura. Até então a direita estava nadando da braçada, se sentindo muito à vontade. Considero a publicação desses oito outdoors um marco histórico. Nunca se colocou à vista de todos uma imagem daquela. Aqui no RJ nunca se fez isso. Mérito também do Conselho, que teve culhão de bancar o desenho”, afirma.

Latuff também falou sobre as reações:

“O desenho tem a mãe desesperada, berrando. O filho dela, uma criança, com uniforme de escola, baleada, morta. Ela estava indo ou vindo da escola. Provavelmente, como a imagem é de noite, estava voltando da escola. Mas isso não sensibilizou a maioria das pessoas. A reação a este desenho é didática e serve de alerta. Ninguém se comoveu com o assassinato da criança. As pessoas se incomodaram mais com a descrição do policial. Isso porque as instituições da repressão são sacrossantas, não podem ser maculadas. Independentemente de elas já estarem maculadas, comprometidas”.


Latuff durante a caminhada

Para Latuff, isto resulta da velha luta de classes:

“Dizem que caiu o muro, que não tem mais luta de classes... Sinto dizer, mas isso é uma questão de classe. O cara do asfalto não reconhece o da favela como um igual; é o outro, é o favelado. Por isso uma vez um policial me disse: “Quando a gente prende alguém, as pessoas não gritam ‘solta, solta’. Elas gritam ‘mata, mata’”.

Claro que esse sentimento é reproduzido pelas corporações de mídia, a quem interessa manter o sistema do jeito que está. Por isso o Globo classificou o desenho de Latuff como uma obra “polêmica”. Toda crítica ao sistema capitalista será de alguma forma desqualificada por seus aparelhos ideológicos. Mas vamos deixar que o próprio Latuff comente a opção preferencial do Globo pela política de segurança que mais mata e mais morre, ou seja, pela indústria da morte:

“É irônico. Esses jornais não acham a realidade polêmica, mas sim o desenho que a retrata. Para eles, não é a política de segurança que é polêmica, mas o desenho. Para O Globo e a imprensa de modo geral não existe polêmica quando a polícia entra na favela e mata 30. A polêmica é quando vem o desenho. É curioso como uma charge pode ser mais polêmica que a própria realidade... O fato é que aquele desenho não tem ficção. Aquilo não é nenhuma ficção da minha cabeça. Qualquer cidadão do Rio de Janeiro entende aquela imagem. Nem precisava de texto. Ela é quase uma fotografia, uma representação fiel da realidade. E cumpre função inglória: de esfregar a realidade na cara das pessoas”.

PS: Tenho recebido muitos pedidos de contato do Latuff. Infelizmente não vou poder ajudar os colegas da mídia grande, pois o próprio cartunista pediu reserva. Ainda tentei ponderar, alegando que os repórteres nem sempre concordam com a linha editorial do veículo em que trabalham. Mas não teve jeito. “São representantes das empresas que estão a serviço da manutenção desse sistema corrompido”, disse Latuff. Por outro lado, ele topa dar entrevistas, numa boa, para a imprensa popular e alternativa. E faz concessão para a TV Brasil.

Fonte: Fazendo Media

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