domingo, 27 de julho de 2008

Idéias para a construção de um novo rural brasileiro

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MUDANÇAS E OPORTUNIDADES

Idéias para a construção de um novo rural brasileiro

Para a economista e socióloga Tânia Bacelar, não é possível pensar uma estratégia de desenvolvimento para o Brasil sem levar em conta a imensa diversidade do país. “Não dá para pensar o Brasil a partir de São Paulo e de Brasília”. Apesar da pesada herança de desigualdades do século XX, Bacelar acredita que o país vive um período de mudanças com um cenário mundial que abre muitas oportunidades.

OLINDA - “Não dá para pensar o Brasil a partir de São Paulo e de Brasília. A concentração de poder político e econômico doma a diversidade”. O diagnóstico da economista e socióloga Tânia Bacelar, no painel “O Brasil Rural que temos”, da Iª Conferência Nacional de Desenvolvimento Rural, Sustentável e Solidário, resume um conjunto de heranças que o século XX deixou para o povo brasileiro. Uma herança marcada por desigualdades e desequilíbrios de toda ordem.

Bacelar destacou três problemas centrais dessa herança: desequilíbrio macroeconômico, crise fiscal com alto endividamento e desigualdade social (o mapa da desigualdade possui uma linha divisória: há um Brasil de Belo Horizonte para baixo e outro desta cidade para cima). Para a economista, entender a natureza e os efeitos dessa herança é uma condição fundamental para pensar um novo padrão de desenvolvimento para o rural brasileiro.

Bacelar aponta o contexto mundial no qual esse debate ocorre: avanço da financeirização, atenuação da onda neoliberal, nova geopolítica apontando para um mundo mais multipolar, avanço das preocupações ambientais e sociais e do debate sobre a necessidade de um novo modelo de desenvolvimento que respeite as pessoas e o meio ambiente. E identifica as mudanças que ocorrem também na dinâmica do mundo rural.

Em primeiro lugar, mudanças no paradigma tecnológico com a substituição do modelo baseado na química por modelos baseados em transgênicos e orgânicos. Em segundo, a alta do preço dos alimentos, um problema estrutural, segundo Bacelar, causado pelo aumento do consumo e do preço do petróleo, por problemas climáticos e pela especulação no mercado de comoditties.

É uma época também de escassez de recursos hídricos e de disputa pela terra para a produção de alimentos e de energia. Por outro lado, aponta ainda a economista, vivemos um período em que aumentam as possibilidades de exploração dos recursos do mar. “No nosso caso, estamos diante de uma grande oportunidade. O Brasil é um dos poucos países do mundo que tem uma significativa quantidade de terras para ocupar”, destaca Bacelar.

Outra vantagem comparativa, segundo ela, é que a baixa disponibilidade de mão-de-obra no meio rural dos países desenvolvidos fortalece, em países como o Brasil - onde um terço da população vive no meio rural -, os modelos de produção de base tecnológica e familiar.

Desconcentração econômica
Essa janela de oportunidade se abre, acrescenta a economista, em um momento em que o país também atravessa uma série de mudanças importantes. Uma das principais é o movimento de desconcentração econômica que vem ocorrendo no país, revertendo quadro concentrador que teve seu ápice nos anos 70.

Em 1970, 43% da produção industrial do país estava concentrada na Região Metropolitana de São Paulo. Em 2005, esse índice caiu para 11,5%. Na região Nordeste, no mesmo período, o índice subiu de 5,7% para 12,7%. Outra mudança é a melhoria do ambiente macroeconômico, com a manutenção, porém, de uma crise fiscal ainda forte. Além disso, o Brasil consolidou seu papel como um importante ator mundial na oferta de alimentos, energia, minérios e bens industriais.

Ainda neste cenário de mudanças, Bacelar destaca o fato de que o Brasil vem apresentando uma modesta retomada de crescimento, mas com sinais de que vem ocorrendo em novas bases, mais sustentáveis. “Mais importante que a taxa alta de crescimento é o padrão de crescimento. Nas últimas décadas, o crescimento foi sustentado pelo mercado externo e pelo consumo das elites. Agora, o Brasil descobriu um de seus principais potenciais econômicos: o consumo da base de sua pirâmide social”.

Em 2007, exemplifica, quem puxou o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do país foi o consumo interno e os investimentos. E quem puxou o crescimento do consumo foram as regiões Norte e Nordeste, comprovando o aumento do poder de compra da base da pirâmide social.

Nova estratégia de desenvolvimento
A partir desse cenário de mudanças e de abertura de novas oportunidades para o Brasil, Bacelar identifica as linhas gerais de uma nova estratégia de desenvolvimento para o país, que vem sendo discutida no âmbito do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Essa estratégia aponta para um Brasil menos desigual social e regionalmente com um padrão de crescimento que promova o potencial das várias regiões do país, valorizando a inovação, a diversidade cultural e étnica.

Uma pesquisa realizada no Conselho apontou que 80% de seus integrantes acredita que a desigualdade social é o principal problema a ser enfrentado no país.

No que diz respeito ao setor rural, transformar essa estatística em políticas públicas que promovam uma nova dinâmica agropecuária no país é o grande desafio, diz a economista. “O Brasil rural vem se afirmando e ganhando importância. As regiões Norte e o Centro-Oeste estão sendo mais ocupadas, principalmente no setor rural. Já o Nordeste vem perdendo posição na produção agropecuária. Em 1970, a região era responsável por 18,3% da produção agropecuária do país. Em 2005, esse índice caiu para 14%.

Bacelar qualifica o que chama de “nova dinâmica agropecuária”, apontando a necessidade de políticas específicas para seis diferentes áreas do país: Amazônia, Centro-Norte, Nordeste Semi-Árido, Litoral do Nordeste, Sul-Sudeste e Centro-Oeste. Destas seis, quatro merecem atenção especial, do ponto de vista da proposta de um novo modelo de desenvolvimento rural:

Amazônia: promover uma revolução técnico-científica associada à biodiversidade, valorizando os produtos da floresta e suas águas. Transformar a frágil rede de cidades em um sistema urbano adensado, capaz de prover serviços e renda para a população, sem a criação de grandes centros urbanos.

Centro-Norte (região formada por áreas do Pará, Maranhão e Tocantins): consolidar dinâmica da base produtiva mineral e agroindustrial, especialmente da produção familiar e associativa. Aproveitar e recuperar as grandes extensões de terras degradadas, Adensar tecnologicamente a economia agro-silvo-pastoril dos cerrados e fortalecer novos núcleos urbanos.

Semi-Árido: Ampliar o acesso à água e garantir seu uso sustentável. O grande desafio nesta região é juntar terra boa com água (para Bacelar, no fundo, esse é o debate da transposição do São Francisco). Consolidar uma nova base produtiva, competitiva, capaz de conviver com as secas e garantir bons níveis de renda. Valorizar a convivência com o Semi-Árido, criando uma estrutura onde as pessoas produzam e acumulem recursos para enfrentar os anos de seca. Melhorar fortemente o acesso ao conhecimento. “Não dá para discutir desenvolvimento se as pessoas não sabem ler”, resume a economista.

Centro-Oeste: Consolidar agroindústria em bases sustentáveis. Melhorar fortemente a base logística da região (um dos principais problemas hoje). Aprofundar a integração com os países vizinhos.

Fonte: Agência Carta Maior

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