quarta-feira, 23 de julho de 2008

Privatização da República segue galopante na garantia do modelo excludente

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por Léo Lince

Está em curso, tudo indica, mais uma gigantesca "operação abafa". Está nos jornais, para espanto geral, o empenho dos mais altos titulares do poder político na tessitura de uma espessa malha de sombras sobre as ramificações do escândalo Daniel Dantas. O fato é grave e o cidadão tem razões de sobra para desconfiar do tamanho da encrenca.

Aliás, vale para o governo Lula, com todas as letras, o estigma que Pedro Simon lançou, analisando caso similar ao atual, sobre o procedimento do governo FHC: "não sei se o presidente rouba ou deixa roubar, mas investigar ele não deixa de jeito nenhum". Basta envolver banqueiro e se aproximar de figurões do poder, não dá outra: a investigação não prospera.

O juiz que teve a coragem de determinar a prisão do banqueiro vai entrar de férias. O processo, por conta de solicitação de um senador do antigo PFL que, na certa, terá atendimento ágil do ministro Gilmar Mendes, pode ser retirado de sua alçada e transferido para o Supremo Tribunal Federal, onde o banqueiro tem plantonista de luxo.

A Polícia Federal, sempre aplaudida quando age contra os corruptos, virou hotel de alta rotatividade (os "colarinhos brancos" não esquentam cela) e agora entrou no rol dos procedimentos suspeitos. O afastamento do delegado e da equipe que conduzia a investigação do caso Dantas foi um episódio lamentável. Ainda mais pela pantomima armada em torno dele pelo próprio presidente da República.

O presidente disse que apoiava a investigação e cobrou do delegado a continuidade no cargo. Até os mais desavisados perceberam a falsidade da declaração. Como Pilatos no credo, lavou as mãos. Detalhes da reunião da cúpula da Polícia Federal que afastou os investigadores estão no mesmo noticiário. Fosse sincera a declaração, a atitude do presidente seria outra. A Policia Federal é do Executivo, sob o comando direto do Ministério da Justiça. Não vale para o caso o velho argumento da autonomia dos poderes. Bastava afastar aqueles, que na cúpula policial, estão atrapalhando a continuidade do inquérito.

Diante de tanto jogo de cena, resta ao cidadão a suspeita de que estamos vivendo tempos bicudos. Os escândalos que se sucedem não são fatos isolados. Integram uma poderosa e multifacetada cultura política que azeita o funcionamento da máquina de poder e se desenrolam a partir de um novelo que cumpre uma função primordial na reprodução do modelo dominante.

Os "valores" (materiais do metal sonante) que articulam o capitalismo financeiro que nos domina ao sistema político que lhe fornece base de sustentação estão no caroço do novelo. O observador atento já está careca de saber. Em todos os escândalos, nos anteriores, nos que estão em curso e nos que virão, vige a mesma marca: a micro-política que sustenta a macroeconomia da exclusão. Em cima, a fortaleza inexpugnável da casta financeira; em baixo, o intestino grosso da pequena política.

Mais do mesmo na economia, mais do mesmo na política, mais do mesmo na seqüência interminável de "operações abafa". A cada novo escândalo, mudam os atores, mas o enredo é o de sempre. Entregue ao apetite insaciável dos grandes negócios e da pequena política, a rés publica continua sendo retalhada em postas como cosa nostra. Retrato doloroso do vandalismo político que prospera na República privatizada.

Léo Lince é sociólogo.

Fonte: Correio da Cidadania


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