quinta-feira, 31 de julho de 2008

Os Estados Unidos, eleições presidenciais e alternativas políticas.

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por Fábio Nogueira e Iacy Maia Mata


No dia 4 de novembro de 2008 haverá a eleição, no colégio eleitoral, do próximo presidente norte-americano. Para a maior parte da população do globo, há dois candidatos: John McCain, do Partido Republicano, e Barack Obama, do Partido Democrata. No entanto, nestas eleições concorrem ainda os partidos menores, chamados terceiros, como o Partido Verde, com a candidata Cynthia McKinney, e o Partido Socialista dos Estados Unidos, representado por Brian Moore, além de Ralph Nader e Alan Keyes, candidatos independentes e ligados a grupos conservadores. O debate eleitoral estadunidense gira em torno de temas como economia norte-americana, imigração, política externa, com destaque para a guerra contra o Iraque e o Afeganistão, a relação com o Irã e a relação com a América Latina (em especial, Cuba e Venezuela).

McCain e Obama

O Senador John McCain, militar e empresário, candidato republicano à Casa Branca, representa os oito anos da administração criminosa do governo Bush, a guerra ao Iraque e ao Afeganistão, a articulação para o golpe contra a democracia venezuelana, com o seqüestro de Hugo Chávez em 2002, a inércia e responsabilidade dos mortos pelos efeitos do furacão Katrina, o programa antidrogas na América Latina que criminaliza os camponeses indígenas bolivianos, a aliança com Uribe e os paramilitares na Colômbia, a perseguição aos imigrantes e a política de repressão na fronteira com o México e o seu segregador Muro da Vergonha (e, além disso, os escândalos financeiros de empresas ligadas a Bush). McCain é a continuidade desse projeto e da doutrina do "‘destino manifesto’: defende que os Estados Unidos devem assumir seu papel de polícia do mundo e encetar, inclusive, guerras preventivas". (Fonte: Globo.com, 11/06/2008, "McCain é muito mais intervencionista que Bush, diz biógrafo").

Os democratas, navegando na impopularidade e nas críticas ao governo e ao belicismo da era Bush e do seu continuador, McCain, se apresentam com um discurso mais progressista. Em certa medida, a ampla mobilização em torno das pré-candidaturas de Hilary Clinton e Barack Obama são uma tentativa, por parte dos militantes do partido, de reverter os efeitos da derrota eleitoral para Bush dos candidatos democratas Kerry e Al Gore nas duas últimas eleições.

Mais do que as candidaturas anteriores, o sentimento da base democrata é da necessidade de ter uma candidatura com suficiente legitimidade para ser, de fato, um anti-Bush (qualidades que faltaram às candidaturas de Kerry e Al Gore). Neste sentido, quem saiu na frente foi o Senador Barack Obama, que colocou no centro de sua estratégia eleitoral a palavra change (mudança). Ao lado disso, outro elemento não pode ser ignorado: Obama é negro, um recado aos racistas estadunidenses, e se diplomou em Harvard (em um país como o Brasil, a presença de negros nas instituições de ensino superior e excelência depende, sobretudo, de políticas de ação afirmativa).

Esta simbologia de Obama o colocou em condições de ser o anti-Bush e um elemento de mobilização em torno de um discurso que tem como eixo a mudança. Em outros termos, é uma forma de reatualizar a hegemonia burguesa nos Estados Unidos, colocando como uma das alternativas de poder para o país um candidato negro, carismático e com um discurso mudancista. Desta maneira, caem por terra certas análises que desconsideram a relação entre os conteúdos simbólicos e materiais dos discursos políticos: toda a hegemonia é uma articulação de sentido, um movimento complexo e, no caso dos Estados Unidos, ela está sendo recriada a partir da simbologia da luta pelos direitos civis, empreendida por negros e indígenas há mais de um século.

Por outro lado, para os adeptos da concepção do líder jamaicano Marcus Garvey (1887-1940), de "a raça primeiro", e que pensam a questão racial deslocada das relações sociais e econômicas, ter um presidente negro como Obama significa um grande avanço.

No entanto, é importante perguntarmos: Quem apóia Obama? Qual o seu programa? Como o candidato democrata combaterá as desigualdades sociais e raciais? Os democratas, mesmo no governo Bush, têm maioria nas duas casas do Parlamento. No entanto, na Agenda das 100 Primeiras Horas de 2007, da maioria congressual democrata não houve qualquer menção ao Katrina e à população negra atingida, como vem denunciando Cynthia McKinney, candidata do Partido Verde.

Em relação à América Latina, Obama considera que os Estados Unidos têm sido uma força em favor das liberdades nas Américas (liberdade política, liberdade religiosa, liberdade da carência e liberdade do medo) e defende que o país tenha uma diplomacia agressiva. Afirma que vai permitir o envio de celulares e de dinheiro pelos cubanos-americanos a Cuba, mas não vai tolerar a falta de liberdade política na ilha. Vai manter o embargo a Cuba. Reedita o discurso do "destino manifesto", que considera os Estados Unidos como "defensores incansáveis da democracia" e endereça críticas a Hugo Chávez e a seu "governo autoritário" (a quem considera demagogo e partidário das "falsas ideologias testadas e fracassadas do passado"). Envia um recado à Bolívia e à Venezuela: vai levar adiante o programa antidrogas andino e apoiar a Colômbia no direito de atacar terroristas que buscam abrigos seguros além de suas fronteiras (aspiração de Uribe, contra as Farc e Chávez).

Quando o assunto é imigração, defende uma reforma abrangente, segurança da fronteira e leis mais duras contra os empregadores, que significaria "tirar da sombra 12 milhões de imigrantes não autorizados". Em relação ao Iraque, sinaliza com um cronograma para retirada de tropas do Iraque em 16 meses. Em suma, Obama promete um governo de "mudanças" em relação ao de Bush, sem alterar o núcleo da economia americana, adotando um discurso alternativo ao de Bush, na esteira de seu carisma e na condição de primeiro candidato negro à presidência dos Estados Unidos.

Cynthia McKinney e o projeto de retomada da Reconstrução nos Estados Unidos

No bloco das candidaturas alternativas a Obama e McCain, o Partido Verde lançou Cynthia McKinney, candidata afro-americana, do estado da Geórgia. Cynthia foi membro da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos da América (1993-2003 e 2005-2007) e deixou o Partido Democrata em setembro de 2007. Do ponto de vista da luta anti-racista e de construção de um projeto de transformação social, ela é o grande diferencial nesta eleição. Centra o discurso na luta contra as desigualdades de raça e classe e aponta como inspiração para um projeto de transformação a América Latina, com a Revolução Cubana e com as conquistas da população pobre latino-americana, com as eleições de Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa. Para ela, estas últimas experiências têm demonstrado que é possível votar no sonho, na esperança e que através do voto mudanças reais podem ser conquistadas.

Em entrevista a Amy Goodman, em 4 de fevereiro de 2008, Cynthia afirma que deixou o Partido Democrata porque eles estavam se tornando iguais aos republicanos. Em 1991, Cynthia criticou a Guerra do Golfo. Crítica do governo Bush, um dos seus últimos atos no Congresso foi reivindicar seu impeachment e do vice Dick Cheney (que é democrata). Cynthia fala para uma grande parte da comunidade afro-americana que decidiu se retirar do processo eleitoral, entre outras razões, pelo descaso em relação ao Katrina. O que ela quer é trazer essas pessoas de volta ao processo eleitoral a partir dos valores partilhados do fim das desigualdades baseadas em raça e classe.

Pode tirar votos de Obama na Geórgia, sobretudo, na comunidade negra. Foi membro da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos da América pelo Partido Democrata e foi contra a guerra ao Iraque, quando a guerra tinha apelo popular e era defendida tanto por democratas quanto por republicanos. Saiu do Partido Democrata por considerar que estavam se tornando "republicratas", já que pouco ou quase nada os diferenciava. Hoje, como afirma o ativista negro e ex-Pantera Negra, Mumia Abu-Jamal, Cynthia é persona non grata entre democratas e republicanos.

Cynthia critica as desigualdades sociais e raciais nos Estados Unidos expressas na mortalidade infantil, na habitação, na diferença de renda, no desemprego, no acesso à saúde e no tratamento dispensado pela justiça. Denuncia que lá, como no Brasil, jovens negros são assassinados por policiais e que, apesar dos negros representarem 12% da população norte-americana, são 50% dos que não possuem casa. Denuncia ainda que quase metade dos homens negros entre 16 e 64 anos estão desempregados em Nova Iorque.

A candidata do Partido Verde faz parte do Movimento pela Reconstrução, movimento da comunidade negra atingida pelo furacão Katrina que luta pelo direito ao retorno e pela participação no processo de reconstrução da região.

O sonho da reconstrução

Cynthia acolheu como plataforma de campanha o Manifesto do Movimento pela Reconstrução. A Reconstrução negra, além de uma referência ao movimento dos atingidos pelo Katrina, pode ser também uma alusão ao momento pós-guerra civil americana que aboliu a escravidão, quando foram criados universidades e institutos técnicos para negros; 14 negros foram eleitos como representantes federais e dois para o Senado; aos africano-americanos foram assegurados direitos políticos e civis integrais e parcela do poder político nos estados dos sul, através de cargos eletivos, no judiciário, na polícia; quando foi construída uma legislação trabalhista que buscava impedir a demissão arbitrária e garantia o pagamento pelo tempo trabalhado.

A Reconstrução teve fim na década de 1870. Neste período, os partidos democrata e republicano fizeram um grande acordo "por cima" que culminou no retrocesso dos avanços e garantias conquistados no período da Reconstrução radical. De forma muito apropriada, Cynthia McKinney, candidata do Partido Verde (Green Party) e participante do movimento pela criação do Partido da Reconstrução, se insere na disputa eleitoral acionando o legado de luta dos negros norte-americanos contra as desigualdades sociais e raciais.

Estão entre os pontos do programa de Cynthia, emprestados do Manifesto pela Reconstrução: o direito à habitação como direito humano fundamental; reparação para os afro-americanos; indenização a Abu-Jamal e a todos os ativistas políticos presos ilegalmente no país e a seus familiares; criação de um fundo público para a educação superior; que os EUA criem leis para garantir um padrão de força de trabalho no país e aumentá-lo fora de lá; uma política de impostos que onere mais os ricos e as grandes corporações; reforma da imigração e legalização dos trabalhadores imigrantes; América Latina: rever a política antidrogas norte-americana que criminaliza jovens negros e latinos e que legitima a intervenção dos EUA contra protestos sociais em países como México, Colômbia e Peru; revogação do NAFTA (North American Free Trade Agreement – Tratado de Livre Comércio da América do Norte); retirada pacífica das tropas dos Estados Unidos de mais de cem países e fim imediato à guerra do Afeganistão e do Iraque.

Talvez por isso, Abu-Jamal afirme que Cynthia é que representa a verdadeira mudança para o povo negro e latino pobre nos Estados Unidos, porque é a única candidata que propõe mudanças reais. Em 28/01/2008, ele declarou que os candidatos Obama e McCain são apoiados pelo status quo das grandes corporações

Em termos gerais, como já afirmamos, na disputa eleitoral norte-americana, democratas que rivalizam e se revezam com os republicanos na estrutura de poder político nos Estados Unidos conferem estabilidade à hegemonia burguesa naquele país. Neste sentido, a candidatura de Cynthia é a que mais tem condições de articular a luta contra o racismo e a dominação de classe, recolocar na pauta política as vítimas do Katrina e propor um programa de mudanças democrático e popular a todos os norte-americanos.

O socialista Brian Moore

O Partido Socialista dos Estados Unidos lançou Brian Moore à presidência e o africano-americano Stewart Alexander a vice-presidente. No programa do partido, estão o fim da guerra ao Iraque e a retirada das tropas; nacionalização da indústria do petróleo, farmacêutica, ferrovias e das indústrias de automóveis; um programa de guerra à pobreza e enfermidades mundiais, em especial dos países do terceiro e quarto mundos; apoio ao protocolo de Kyoto; extinção da CIA e dissolução da OTAN; direitos iguais a todos os imigrantes e reconhecimento de que sua presença é resultado das políticas econômicas norte-americanas que geram fome, pobreza e más condições de trabalho (http://www.votebrianmoore.com/).

Brian Moore parece não direcionar suas críticas a Cynthia, e sim ao candidato independente Ralph Nader, a Obama e McCain. Evidentemente, existem diferenças entre Moore e Cynthia: para alguns, a candidata verde representaria uma candidatura "liberal" (no sentido norte-americano do termo), mas o seu programa está muito mais próximo de uma plataforma política democrática e popular.


Alternativa de verdade

A candidatura do africano-americano Barack Obama à presidência dos Estados Unidos, com chances reais de se eleger e em cima de um discurso mudancista, parece, para setores dos movimentos de direitos civis e negro, um feito histórico que sinalizará uma transformação completa das desigualdades raciais construídas pelo racismo praticado em países como os Estados Unidos e o Brasil.

Recentemente, uma Plenária do Movimento Negro Mineiro declarou apoio à candidatura de Obama. Outros anti-racistas já declararam apoio, como o ator Milton Gonçalves. No entanto, a candidatura de Cynthia McKinney é a que de fato simboliza um compromisso de transformação e mudanças radicais na sociedade americana e na política imperialista do governo estadunidense. A pouca divulgação e repercussão das idéias e propostas da candidata do Movimento Pela Reconstrução cumpre o papel de reforçar a falsa polarização entre democratas e republicanos (que, aliás, encontra analogia no Brasil entre PT e PSDB).

As diferenças entre Obama e McKinney representam visões opostas sobre a sociedade capitalista, o imperialismo, as utopias caminhantes latino-americanas e a questão racial. Não obstante ser afro-americano, Obama faz questão de não assumir nenhum compromisso público com os negros e negras dos Estados Unidos. Promete mudanças, mas não diz como irá implementá-las e assume compromissos com as corporações que constituem o "núcleo duro" da economia norte-americana. Ao contrário, Cynthia McKinney representa mudança de verdade e uma alternativa de esquerda à falsa polarização "democratas versus republicanos" (que, ao final, confluem na "concertação" republicrata).


Fabio Nogueira é mestrando em Sociologia e Direito na UFF (Universidade Federal Fluminense), membro da Comissão Nacional do Círculo Palmarino e do Diretório Nacional do PSOL.

Iacy Maia Mata é mestre em história pela UFBA (Universidade Federal da Bahia), doutoranda em história (UNICAMP), da Coordenação Estadual do Círculo Palmarino e do PSOL/BA.

Fonte: Correio da Cidadania

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