terça-feira, 29 de julho de 2008

O espelho da Politnet

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por Marina Silva
De Brasília (DF)

Quando você se olha no espelho, vê sua face. Pense agora num espelho simbólico, no qual nos olhamos todos os dias e reconhecemos nossas vontades e opiniões - o nosso rosto social e político - não como imagem que emana diretamente de nós, mas que vai se criando por meio de concordância ou adesão ao que é dito pela mídia, pelos formadores de opinião, por aqueles a quem nos alinhamos na ética, na política, na cultura e em outros referenciais.

O clube dos criadores de imagens coletivas nas quais nos reconhecemos, restrito e fechado, correspondia àqueles poucos que conseguiam ter acesso privilegiado aos palanques dos meios de comunicação convencionais. Ou seja, nosso espelho social sempre foi bem pouco acessível e, na maioria das vezes, nem nos dávamos conta disso porque nos acostumamos com as vozes que ganharam nossa credibilidade, mais por nos serem familiares do que por trazerem as questões necessárias e com a desejável amplitude de argumentos.

Aí veio a Internet. Com sua fluidez e abertura, contribuiu para notável horizontalização da comunicação, colocando dentro do espelho uma verdadeira multidão de emissores de sinais. E com tal velocidade, que um número crescente de pessoas já descarta o que vem pelo papel do jornal ou pela tela da TV. Quer se atualizar em tempo real e buscar vozes inusitadas, antes sem relevância para a formação das imagens do nosso espelho coletivo.

A Internet passou, assim, a ser o símbolo de um ethos diferente, um espaço importante do fazer político, ferramenta potente de compartilhamento de informações e idéias, de mobilização e de pressão. Os nomes consagrados da mídia, da política, da arte, da cultura, perceberam isso e estão migrando para lá, embora mantenham um pé firme no seu território original. Ao mesmo tempo, o espaço virtual se transforma em fonte de prospecção de quadros políticos, talentos artísticos, culturais e científicos.

Nele, o fazer político é multicêntrico. Não existem donos dos temas ou guias incontestáveis. Os indivíduos ou pequenos grupos acabam elegendo seus assuntos, colocando em pauta o que querem discutir. A questão é ter capacidade de espelhar e ser espelhado, de ganhar audiência. Aliás, é quase impossível não tê-la, para o bem e para o mal, num vasto mundo virtual de bilhões de acessos.

Em 2001, o Congresso Nacional viveu momento histórico que demonstra o poder da mobilização via internet. Nunca tinha visto nada igual e acredito mesmo que tenha sido a maior pressão desse gênero. Estava para ser votada em comissão mista (Senado e Câmara) proposta de alteração do Código Florestal para reduzir significativamente, em cada propriedade rural na Amazônia, o tamanho da área onde o desmatamento é proibido, chamada de reserva legal.

A derrota dos ambientalistas parecia inevitável. Enquanto isso acontecia no Congresso, 287 entidades da sociedade civil lançaram pela internet a campanha SOS Florestas, com grande apoio da mídia, pedindo que as pessoas pressionassem todos os parlamentares, pela rejeição da mudança no Código.

Foi uma verdadeira avalanche de e-mails. Só em meu endereço eletrônico chegaram 35 mil mensagens num único fim de semana. O mesmo aconteceu em todos os gabinetes de deputados e senadores. O Prodasen, serviço de processamento de dados do Senado, considerado dos melhores provedores à época, entrou em colapso. Outra avalanche aconteceu no provedor do Palácio do Planalto.

Na votação na comissão, a proposta ruralista ganhou por 13 votos contra dois, o do deputado Fernando Gabeira e o meu. O passo seguinte seria submeter o texto ao Plenário. Porém, o presidente Fernando Henrique Cardoso, que também se opunha à proposta dos ruralistas, sentiu-se respaldado pela sociedade para retirar da pauta o projeto inicial, no qual tinha sido introduzido o aumento da área para desmatamento. E assim foi mantido o status legal que teve e continua tendo papel fundamental nos esforços de contenção da destruição da Floresta Amazônica.

Quando pensava nessa força da Internet, veio-me uma comparação. Em 1917, quando os revolucionários socialistas tomaram o poder na Rússia, criou-se o Politburo, comitê político que foi a instância máxima de poder na antiga União Soviética e acabou se transformando em sinônimo de grupos que comandam a política de forma altamente verticalizada, com mão de ferro, de cima para baixo.

Hoje, a expansão política via internet se dá num sentido oposto ao do modelo Politburo. É livre de amarras, controles, monopólios e centralização. Poderíamos chamá-lo, em contraposição, de modelo Politnet.

O cuidado que se deve ter, paralelo ao reconhecimento da potência da internet, é não tratá-la de maneira apologética. É preciso ter em vista que ali é também território de delinqüência. Ela engendra monstros, abriga comportamentos destrutivos e mostra, sem nenhum retoque, as mazelas da humanidade. E não se pode esquecer que, a despeito da notável expansão, ainda não está disponível para a maioria da população.

Mesmo isso não impede a valorização de seus bons frutos. É desejável que seja cada vez mais explorada como espaço de participação política, de ação proativa, como um belo exercício de cidadania que, se feito de forma equilibrada, pode começar desde a infância. A praxis política horizontalizada do futuro pode ter na Politnet um de seus mais eficazes instrumentos.


Marina Silva é professora secundária de História, senadora pelo PT do Acre e ex-ministra do Meio Ambiente.

Fale com Marina Silva: marina.silva08@terra.com.br

Fonte: Terra Magazine
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