terça-feira, 22 de julho de 2008

Deixem os homens trabalhar


Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje no Correio Braziliense.

Mesmo que 99% dos mísseis da investigação errem o alvo, quem poderá garantir que o 1%restante não atingirá o casco de um transatlântico, como num daqueles joguinhos de batalha naval?

Por Alon Feuerwerker
alon.feuerwerker@correioweb.com.br

Não me emociono facilmente com os apelos cíclicos entre nós pelo estado de direito, que em si é uma coisa muito boa, essencial para qualquer sociedade civilizada. O problema é que no Brasil os mesmos que gritam pelo estado de direito, quando se julgam vítimas de alguma arbitrariedade, são os primeiros a teorizar sobre os benefícios de deixar de lado, ainda que só um pouquinho, os direitos e as garantias fundamentais.

Ao longo do processo que passou a História como mensalão, por exemplo, não faltou quem argumentasse sobre a necessidade de punições exemplares mesmo nos casos em que não houvesse provas. Foi escrito, basta procurar. Preto no branco, está registrada nos arquivos a tese de que eventuais injustiças seriam um preço até razoável a pagar, em troca da suposta faxina que se faria no tecido político nacional.

No mensalão, todo e qualquer movimento dos advogados com o objetivo de usar a lei em defesa de seus clientes era tratado como inaceitável chicana jurídica. E as eventuais manifestações do Supremo Tribunal Federal nos processos políticos eram automaticamente execradas como intromissões destinadas a garantir a impunidade, a tornar viável que tudo terminasse, como sempre, em pizza.

Mas o assunto hoje é outro. São as investigações contra empresários, da indústria e das finanças. Um problema é que grandes crimes econômicos ou financeiros são muitas vezes indecifráveis para o cidadão médio. A própria terminologia atrapalha. Todo mundo sabe, por exemplo, o que significa sonegar imposto. Mas é difícil, porém, dar uma explicação igualmente simples sobre o que quer dizer “planejamento tributário”.

As pessoas pouco versadas na linguagem dos negócios não devem estar compreendendo bulhufas da Operação Satiagraha. Com exceção de um detalhe: todo mundo entendeu que alguém tentou subornar um policial federal para que deixasse uns poucos felizardos à margem da investigação. Não fora esse episódio, a coisa toda seria impenetrável para os leigos. Daí também que o delegado Protógenes Queiroz tenha se transformado num alvo apetitoso, e tenha sido apresentado à opinião pública como pouco mais do que um lunático.

O que se sabe é que tanto o delegado da Polícia Federal quanto o promotor Rodrigo de Grandis e o juiz Fausto de Sanctis parecem ter rodagem no tema. Portanto, talvez, o melhor seja manter prudência e esperar pelos desdobramentos da investigação, aguardar o inquérito, a eventual denúncia do Ministério Público e o devido processo legal.

Até porque podem advir surpresas. Mesmo que 99% dos mísseis da investigação errem o alvo, quem poderá garantir que o 1% restante não atingirá o casco de um transatlântico, como num daqueles joguinhos de batalha naval? E se a coisa conduzir a revelações explosivas no universo do financiamento ilegal de atividades políticas ou campanhas eleitorais? E por que não ficar de olho num outro vetor, o da entrada e saída do país de dinheiro obtido por vias tortuosas?

Vamos deixar os homens da lei trabalharem, como aliás pediu para ele mesmo o presidente da República em sua campanha reeleitoral, pouco menos de dois anos atrás. Enquanto isso, trata-se de acompanhar tudo com curiosidade multiplicada. E também alguma humildade. Já registrei aqui que o delegado Protógenes sabe pouco sobre como funciona a imprensa. Os escritos dele mostram isso. E os escritos da imprensa às vezes evidenciam algum desconhecimento sobre os intestinos do trabalho policial. Esse jogo está empatado. Com uma desvantagem para nós, jornalistas. Diferentemente do delegado, nosso ofício é contar histórias.

E matéria-prima para histórias com certeza não vai faltar. O ex-prefeito Celso Pitta, por exemplo, precisará explicar por que recebia dinheiro do amigo Naji Nahas. Já Humberto Braz deverá esclarecer de onde veio o dinheiro que supostamente entregou a Hugo Chicaroni. E ambos serão instados a revelar por que abordaram um delegado federal com uma proposta monetária para interferir na investigação.

Talvez esse seja um bom caminho a seguir. Afastar-se da algaravia, da balbúrdia, e concentrar-se nas coisas simples, compreensíveis.


http://twitter.com/alonfe

Fonte: Blog do Alon Feuerwerker
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