foto: painel de Os Gêmeos, apagado pela prefeitura de São Paulo - prefeito: Gilberto Kassab
Sujeira? Ou arte?
por Nirlando Beirão
Na ansiedade promocional da Operação Cidade Limpa, em ano de eleição, a prefeitura de São Paulo higienizou um painel colorido pelo qual cidades cosmopolitas e democráticas estariam dispostas a pagar milhares de dólares.
Na confluência da avenida 23 de Maio com a malfadada Ligação Leste-Oeste, sumiu do mapa, quer dizer, do muro, o painel de quase 500 metros quadrados criado por um time de grafiteiros. Entre eles, aqueles Os Gêmeos que neste momento enfeitam, num mural de 20 metros de altura, a fachada da Tate Modern de Londres. Lá na Inglaterra, o mural da dupla brasileira é cultura; aqui é sujeira.
Os Gêmeos - Otávio e Gustavo Pandolfo, de 34 anos, paulistanos do Cambuci - são cartão-postal na folclórica Coney Island, vizinha a Nova York, vestiram de cores o mais antigo castelo da Escócia, o de Kelburn, e foram badaladíssimos na última Art Basel de Miami. Uma tela deles, vendida em galeria, não sai por menos de 30 mil dólares. Aqui são confundidos com vândalos da periferia.
Cidade Limpa é a bandeira eleitoral do prefeito Gilberto Kassab, daquele PFL que, envergonhado, mudou de nome. Trata-se de intervenção de forte apelo publicitário. Ocupa o espaço cênico de um vazio de ações e idéias. O atentado não teria acontecido sem o aval do übersecretário Andrea Matarazzo, incansável em sua faina saneadora. Na Itália da pré-Renascença, teria mandado limpar os painéis de Giotto.
A tão elogiada Cidade Limpa é, portanto, mais do que mera maquiagem para a metrópole maltrapilha - é política cultural. Ninguém discorda da idéia de disciplinar a poluição visual de fachadas caóticas, mas, quando você começa a perseguir essa expressão tão contemporânea que é a street art, o que vocês está apagando é tudo o que for diferente do medíocre padrão da elite à qual você serve. Mesmo quando concebida por meninos brancos da classe média, como Os Gêmeos, street art ressoa a hip-hop, a linguagem de pobre, a protesto de excluído (de mais a mais, quem cedeu o espaço foi Marta Suplicy).
Show off para a turma do pedigree, promove-se uma faxina estética que, no fundo, é profilaxia social, homogeneizando muros e fachadas mesmo que tenha que passar uma demão por cima do talento de artistas como Os Gêmeos, Kobra, Nunca, Herbert.
A graça das metrópoles é a sua diversidade pulsante. Nova York, Times Square, por exemplo. Com sua frenética efusão de néons, não tem nenhum pudor em parecer - como escreveu o filósofo Marshall Berman (em On the Town) - "a luminosa encruzilhada do mundo". Se Times Square estivesse em São Paulo, a Cidade Limpa iria apagar todas as suas luzes e toda a sua alegria. Os Gêmeos são apenas involuntárias testemunhas das trevas.
Fonte: Revista Carta Capital - edição 505 - 23 de julho de 2008 - nas bancas.
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Os Gêmeos apagados em São Paulo e consagrados no exterior
por Alexandre Inagaki
Há tempos ocorre por estas plagas o estranho fenômeno no qual o Brasil só reconhece o valor de certos artistas depois que eles recebem o merecido reconhecimento lá fora. Os exemplos são muitos, e sem esforçar muito a memória recordo do caso de Tom Zé. Um dos mentores do Tropicalismo, nunca recebeu o devido reconhecimento por aqui, até que David Byrne, líder do grupo Talking Heads, descobriu durante uma de suas viagens ao Brasil o vinil de “Estudando o Samba” em um sebo, encantou-se com aquelas composições e contratou o cantor e compositor baiano para o seu selo Luaka Bop. Resultado: Tom Zé, que estava a ponto de abandonar a carreira musical para ir trabalhar em um posto de gasolina em sua cidade natal, Irará, no interior da Bahia, lançou no exterior o álbum “The Hips of Tradition” em 1992 (após ter amargado oito anos sem qualquer contrato com gravadoras), foi consagrado pela crítica lá fora e, enfim, passou a ser visto com outros olhos em sua própria terra.
Menos mal que a dupla de grafiteiros Os Gêmeos, alcunha utilizada pelos irmãos paulistanos Gustavo e Otávio Pandolfo, não chegou ao ponto de cogitar abandonar suas atividades artísticas. Porém, não posso deixar de lamentar o fato de que, tal qual Tom Zé e muitos outros nomes como Alberto Cavalcanti, Laurindo Almeida, Trio Mocotó e Bebel Gilberto, eles só estão ganhando o merecido reconhecimento na Terra Brasilis após serem reconhecidos no exterior.
O maior exemplo do que digo está na foto que ilustra este post, que achei no Flickr de Fran Mosquera. O grafite acima, que fazia parte de um painel feito há seis anos, de mais de 700 metros quadrados, na Avenida 23 de Maio, pelos Gêmeos na companhia de outros grafiteiros como Nina Pandolfo, foi apagado “sem querer” por uma empresa contratada pela prefeitura de São Paulo no começo deste mês. Ironicamente, esse atentado à street art ocorreu no momento em que Os Gêmeos foram convidados a pintar as paredes externas do castelo de Kelburn, o mais antigo da Escócia, e a fachada da Tate Modern, uma das mais importantes galerias de arte de Londres. Em tempos nos quais museus paulistanos como o MASP e a Pinacoteca do Estado sofreram roubos recentemente, o que dizer de um caso como este no qual uma obra inestimável de street art foi simplesmente apagada e extirpada da visão de nossos olhos embotados de cinza?
A quem ainda não conhece a obra de Os Gêmeos, recomendo assistir ao vídeo que encontrei no Portal Senai Design. Cada vez que o vejo, fico mais indignado com o crime que foi cometido contra a arte urbana brasileira.
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