terça-feira, 22 de julho de 2008

História requentada e recontada


Redação CartaCapital

Há cerca de dois anos, a Procuradoria de Milão iniciou uma investigação de executivos da área de segurança da Telecom Itália acusados de espionar políticos, empresários e celebridades. Pelas contas dos procuradores, cerca de 300 mil cidadãos italianos podem ter tido a vida bisbilhotada pela turma da operadora de telefonia, assessorada por espiões recrutados em serviços secretos nacionais e internacionais.

É um escândalos monumental. Mostra o estilo de uma banda que tomou o controle da empresa no período em que ela foi dirigida por Marco Tronchetti Provera. Mas seus desdobramentos têm muito menos a ver com o Brasil do que alguns querem fazer parecer.

Desde que o caso veio à tona na Itália, o banqueiro Daniel Dantas tenta usá-lo a seu favor em processos em terras brasileiras. A tese é simples: Dantas nunca mandou espionar ninguém e nem contratou a Kroll para praticar arapongagem ilegal. Tudo foi plantado por executivos da Telecom Itália, que corromperam policiais, políticos e jornalistas para atacá-lo. O banqueiro brasileiro é uma vítima do processo.

É uma tese recorrente, repetida inúmeras vezes pelos assessores de Dantas, infelizmente (para o banqueiro) desmentida pelos fatos. E que volta e meia, sem que se acrescente uma linha a mais de informação, reaparece na imprensa. Desta vez, foi a vez de O Estado de S. Paulo, na edição desta terça-feira, 22, cair na esparrela.

Narra a reportagem do Estadão que a procuradoria de Milão denunciou oito pessoas ligadas à Telecom Itália por espionar Dantas. Segundo o jornal brasileiro, o pessoal da operadora teria plantado provas falsas no inquérito da Kroll. Pelo serviço sujo no Brasil, Dantas e executivos da empresa norte-americana são réus por formação de quadrilha e espionagem internacional. O processo corre na 5ª Vara Federal de São Paulo.

A leitura dos jornais italianos dos últimos dias oferece uma análise bem diferente. Os promotores italianos denunciaram 34 por espionagem de milhares de cidadão italianos. O Brasil é mencionado. Diz-se que os arapongas da Telecom Itália capturaram emails de um funcionário da Kroll e da Carla Cicco, ex-presidente da Brasil Telecom, aliada de Dantas. Mas nenhum dos acusados está sob investigação pelo que aconteceu no Brasil. Segundo a imprensa italiana, os promotores não solicitaram nenhuma informação a autoridades brasileiras a respeito do caso. Tratam-se de crimes cometidos na Itália.

Há um problema de lógica na tese de Dantas. A descoberta de que a Kroll espionava autoridades brasileiras chegou à Polícia Federal por um erro dos arapongas da empresa norte-americana e não pelas mãos dos italianos. Em 2002, eles confundiram o então presidente do Banco Central, Armínio Fraga, com o ex-ministro Andrea Calabi, que prestava consultoria à Telecom Itália. Fraga, ao perceber que era seguido, acionou os federais. Mero acaso, portanto.

Quanto à suposta “plantação” de provas falsas no inquérito brasileiro sobre a Kroll, é outra linha de defesa também desmentida pela realidade. De fato, ao saber da espionagem, a Telecom Itália acionou seu setor de segurança no Brasil para um trabalho de contra-espionagem. Houve coletas de informações, inclusive depoimentos de ex-funcionários da Kroll. Pelo que revela agora a Promotoria de Milão, houve a captura ilegal de emails de um executivo da empresa americana e de Carla Cicco. Mas o Ministério Público Federal brasileiro já declarou mais de uma vez que nenhuma das informações prestadas pelos italianos no curso das investigações foram anexadas à denúncia acatada pela 5ª Vara Federal. Foi um procedimento para evitar, inclusive, a contaminação do processo.

Outro ponto: como Dantas explica a atuação de Frank Holder, ex-CIA e ex-executivo da Kroll, na confecção do dossiê com contas falsas do presidente Lula, ministros e do então diretor-geral da PF Paulo Lacerda? É outra história inventada pela Telecom Italia? Segundo a Veja, o dossiê foi confeccionado por Holder a mando do banqueiro e entregue à revista em 2005. DD acabou indiciado pela Polícia Federal por crime de calúnia.

Sobre o pagamento de policiais, políticos e jornalistas, que teriam sido corrompidos para prender e atacar Dantas, é outra tese da defesa do banqueiro a carecer de indícios mínimos. O banqueiro insinua a história a tanto tempo que, imagina-se, faria um estardalhaço se tivesse as provas. Alimentar as suspeitas lhe é, porém, sempre muito útil. Toda vez que está em apuros, como agora, DD saca da tese para tentar desviar o foco de seus crimes.

Fonte: Carta Capital
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