sábado, 15 de março de 2008

A LÓGICA DA OBSTRUÇÃO - O desespero da oposição pautada

As palavras do líder do PSDB no Senado, Arthur Virgilio, são emblemáticas: “Se der para aprovar, deu, se não deu, dane-se?” Nada mais ilustrativo de como se comporta um dos cardeais do tucanato quando defrontado com o vazio de sua própria existência política. A análise é de Gilson Caroni Filho. Será que a estratégia de obstruir as votações de Medidas Provisórias no Plenário e paralisar as reuniões de comissões temáticas é apenas uma reação à MP que criou a nova TV pública do país ou inconformismo tem motivações inconfessáveis? O desespero que leva parlamentares de oposição a renunciarem ao exercício legislativo que lhes foi delegado pelo voto popular deve ser visto como algo pontual, motivado pelo requerimento do líder do governo, senador Romero Jucá (RR ), pedindo o fim de manobras protelatórias em votações de interesses relevantes, ou aponta para algo mais profundo?

O crescimento de 5,4% do Produto Interno Bruto (PIB), provocado pelo aumento do consumo interno e de investimentos não terá acendido o sinal vermelho nos gabinetes de lideranças demotucanas e nas grandes oficinas de consenso? O que temos não são apenas números favoráveis à política econômica do governo Lula, mas uma inédita mudança de eixo da economia brasileira. Mercado interno aquecido, investimento crescente em bens de capital e inflação controlada significam que, pela primeira vez na história, o país logrou encontrar o caminho do crescimento sustentável. Ruíram como castelos de areia o mito do PIB potencial e os sofismas da cartilha neoliberal. Aqueles que pregavam uma “inadiável” reforma da Previdência e a supressão imediata de direitos trabalhistas como requisitos para o desenvolvimento.

A uma oposição sem bandeira para as eleições de 2010, só resta atribuir ao governo o que tem sido sua prática desde a derrota de 2002: violentar a nação e o regime democrático.

Por tudo isso são emblemáticas as palavras do líder do PSDB no Senado, Arthur Virgilio: “Se der para aprovar, deu, se não deu, dane-se?” Nada mais ilustrativo de como se comporta um dos cardeais do tucanato quando defrontado com o vazio de sua própria existência política.É um desses momentos raros, que põe a nu a farsa de republicanismos de fachada. É didático ao expor, sem meias palavras. o que o jornalismo de campanha tenta ocultar.

O que lemos sobre o Congresso limita-se ao que acontece no Plenário ou a informações de cocheira de lideranças conhecidas. As redações ignoram as comissões temáticas e os projetos apresentados por parlamentares menos cotados na bolsa de apostas dos jornalões. Não seria a hora de o jornalismo repensar a sua própria prática perpassada pela lei do menor esforço e dos falsos dualismos? Ou isso implicaria ingratidão com quem lhes deu projeção e colunas cativas?

Nos últimos anos, lemos vários editoriais “indignados” com o que chamavam de emergência do fisiologismo. Conhecidos profissionais passam a discorrer sobre o retrocesso que isso significava. Mais uma vez, prestavam favores a fontes caras . Distorceram a realidade e se tornam reféns de suas próprias idealizações. Se quisessem um jornalismo-cidadão, seria preciso acertar as contas com a própria história. O exílio no reducionismo e nas taxonomias de ocasião nada acrescenta à formação de um espaço público ideal.

É preciso deixar claro que na vida político-partidária do campo conservador, a emergência, sob aplausos dos notáveis, de um Severino Cavalcanti, não foi a exceção, mas a confirmação perversa da regra.

Expressão acabada de um fazer político que ignora a distinção entre público e privado, corporificação em estado bruto do patrimonialismo que, desde sempre, posterga uma República proclamada por insatisfação oligárquica, o deputado do PP foi o filho sem lustro do conluio entre o latifúndio e os bacharéis. Sua maldição explica o nosso ordenamento jurídico-político como nenhuma Teoria da Dependência conseguiu. Ao adotar a sabotagem como ação política, em que Virgilio lhe é superior? Que
tipo de avanço representa?

Quando a imprensa transformou o ex-deputado pernambucano em ícone de uma direita atrasada que se abrigaria no baixo-clero, o discurso jornalístico correu o risco de se enredar numa trama perigosa, por suscitar duas questões significativas: o que caracterizaria a direita moderna? E quais seriam seus representantes, os condestáveis senhores do alto-clero? Aos órfãos do tucanato, cabe perguntar se estavam falando daqueles que, em oito anos, atualizaram o mandonismo, se refestelaram no cartorialismo e não hesitaram em usar todos os expedientes fisiológicos para assegurar mais um mandato presidencial.

A "modernidade" desejada é aquela que produziu endividamento recorde do setor público, financeirizou a economia e, como em nenhum momento da história recente, precarizou as relações de trabalho? Tudo sob os aplausos da banca e as bênçãos do pensamento único que tomou conta das editorias de economia.

Estranho que os defensores do mercado como oráculo não tenham registrado o saldo final. Como destacou Emir Sader (Vingança da História, Boitempo Editorial), "em 2003 e 2004, o Brasil precisaria de US$ 1 bi por semana para financiar as amortizações da dívida externa de US$ 30 bi e o déficit em conta-corrente, de US$ 20 bi. Pode-se calcular as dificuldades se considerarmos que nos últimos anos o Brasil contou com o ingresso de US$ 20 bi, em média". São números que, pela magnitude, não deviam ser olvidados por quem pretendia fingir que fazia um jornalismo sério.

Ou será que o conservadorismo moderno é propriedade dos cardeais do DEM? O que diferenciava qualitativamente José Agripino Maia e Demóstenes Torres, entre outros, de Severino Cavalcanti? A maior capilaridade do clientelismo? A capacidade de loteamento eleitoral nos seus estados de origem? O poder coronelístico que mostra sua carranca a qualquer dissidência regional? Ou, como resultante de tudo isso, um esquema de troca de favores com a grande imprensa? A famosa fonte que pauta. A notinha plantada em troca de confidências exclusivas. O que seriam as distinções clericais senão uma criação das relações entre o campo político e jornalístico?

Se lermos atentamente a mídia impressa, veremos que da coluna social à política, pagando pedágio na economia, o jornalismo brasileiro, com raríssimas exceções, se pauta pelo relacionamento personalista, pelo horror à distância e pela aversão à impessoalidade democrática e igualitária.

É para ela que os reclamos de Virgílio se dirigem desesperadamente. Se der para distorcer a nova realidade, distorça. Se não der, nos danamos todos.


Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, e colaborador do Jornal do Brasil e Observatório da Imprensa.

fonte: Agência Carta Maior

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