terça-feira, 18 de março de 2008

Estados Unidos: Novo testemunho lança luz sobre “desaparecimentos” e “buracos negros” da CIA

Impunidade

Estados Unidos: Novo testemunho lança luz sobre “desaparecimentos” e “buracos negros” da CIA

Por Georges Bourdoukan

Novo informe traz mais detalhes sobre a crueldade e a ilegalidade do programa da CIA de detenções secretas e desaparecimentos forçados, programa que o presidente Bush voltou a autorizar em junho de 2007

A Amnesty International revela em novo informe publicado hoje, 14 de março de 2008, mais detalhes sobre a crueldade e a ilegalidade do programa da CIA de detenções secretas e desaparecimentos forçados, programa que o presidente Bush voltou a autorizar em junho de 2007.

Os detalhes foram conhecidos graças as entrevistas concedidas com exclusividade à Amnesty International por Khaled Abdu Ahmed Saleh al-Maqtari, iemenita de 31 anos de idade e um dos homens liberados recentemente da detenção secreta.

Inicialmente “detido fantasma” de Abu Ghraib, mais tarde foi trasladado para o Afeganistão e permaneceu sob custódia da CIA em lugares desconhecidos e em total isolamento por mais de dois anos e meio, sem acusação nem julgamento e sem acesso a nenhuma forma de processo devido. Suas declarações fazem numerosas descrições das torturas e outros maus-tratos.

“O relato de Khaled al-Maqtari lança luz sobre a conduta ilegal dos Estados Unidos na ‘guerra ao terror’. Seu testemunho descreve crimes internacionais, como desaparecimento forçado e tortura a que foi submetido, e cujas denúncias até hoje não foram investigadas. Ao segredo que cerca o programa soma-se uma inexistência total de prestação de contas” afirmou Anne Fitzgerald, assessora geral da Amnesty International que entrevistou Khaled al-Maqtari.

Khaled al-Maqtari foi detido durante um assalto realizado por soldados norte-americanos contra um suposto mercado de armas em Faluja (Iraque), em janeiro de 2004, e onde foram praticadas pelo menos 60 detenções.

Khaled al-Maqtari foi transferido para a tristemente famosa prisão de Abu Ghraib, onde permaneceu como “detido fantasma”, ou seja, sua detenção não constava em nenhum registro.

Em seu testemunho afirma que foi submetido a um regime de surras, privação do sono, foi mantido suspenso com a cabeça para baixo em posições dolorosas, intimidação com cachorros, hipotermia induzida e outras formas de tortura.

Al-Maqtari conta que, em uma ocasião, depois que três homens lhe deram uma surra dentro de um cubículo, foi obrigado a ficar em pé, nu, de frente para um aparelho de ar-condicionado, segurando uma caixa cheia de garrafas com água. Além disso, era sistematicamente banhado com água gelada. Tremia tanto de frio que quase não conseguia manter-se de pé.

Al-Maqtari disse também que o suspenderam pelos pés, com as mãos algemadas atrás das costas, enquanto o içavam e baixavam por meio de uma roldana para dentro de um reservatório com água. Depois de nove dias de interrogatório em Abu Ghraib, Khaled al-Maqtari foi trasladado em avião para um centro secreto de detenção da CIA no Afeganistão, onde permaneceu mais três meses.

Os registros dos vôos obtidos pela Amnesty International confirmam que um avião operado por uma companhia de fachada da CIA deixou o aeroporto internacional de Bagdá novo dias depois da detenção de al-Maqtari em direção ao aeroporto de Khwaja Tawash, em Cabul.

Durante sua estada no Afeganistão, declarou al-Maqtari que foi submetido a mais torturas e maus-tratos, como reclusão prolongada em regime de isolamento, uso de posturas em tensão, privação do sono, exposição ao calor/frio extremos, uso prolongado de grilhões, privação sensorial e perturbação sensorial com a emissão constante, em sua cela, de luz intensa, música ou efeitos sonoros em alto volume.

Como declarou à Amnesty International: “Na realidade não era música, mas ruídos para assustar, como os dos filmes de terror [...] Eu vivia assustado, não havia cachorros, mas havia ruídos. Cada vez que tentava dormir, batiam na porta com violência, fazendo muito barulho”.

Khaled al-Maqtari também disse a Amnesty International que quando a música ou os efeitos sonoros eram interrompidos, tentava falar com outros detidos e acredita que havia pelo menos umas 20 pessoas nas celas em volta da sua, entre essas pessoas Majid Khan, um dos “detidos de alto valor” que, após detenção secreta sob custódia da CIA foi transferido para a detenção militar em Guantánamo no mês de setembro de 2006.

No final de abril de 2004, Khaled al-Maqtari foi trasladado, junto com detidos do mesmo centro, para outro “buraco negro” da CIA, possivelmente no leste da Europa, onde permaneceu por 28 meses. Transcorrido esse período foi enviado para o Iêmen, onde ficou detido até maio de 2007.

“Durante os 32 meses de confinamento, em nenhum momento ninguém soube onde estava. Não teve acesso a advogados, à sua família, ao Comitê Internacional da Cruz Vermelha, enfim, ninguém, salvo seus interrogadores e o pessoal que interveio em sua detenção e transferências. Este fato vulnera claramente as obrigações internacionais contraídas pelos Estados Unidos.

O governo norte-americano deve responder por estas acusações” declarou Anne Fitzgerald.

Khaled al-Maqtari está novamente no Iêmen e vive sob os efeitos da prolongada tortura psicológica e física. Não recebeu nenhuma reparação das autoridades norte-americanas que, todavia, não reconhecem sua detenção. Os abusos que mais o afetaram, afirma, foram os anos de isolamento sem fim, a completa incerteza sobre seu futuro, a vigilância permanente das câmaras e a separação do mundo exterior, e, sobretudo, a falta de contato com sua família.

A Amnesty International pede às autoridades dos Estados Unidos que ponham fim ao uso da detenção secreta; façam que os responsáveis pelos abusos cometidos em aplicação ao programa respondam pelos seus atos; divulguem o nome, a sorte e o paradeiro de todas as pessoas detidas no contexto da conhecida “guerra ao terror”; acusem formalmente aqueles que continuam detidos de um delito reconhecido, os levem a julgamento perante um tribunal independente ou que sejam postos em liberdade.

fonte: Blog do Bourdoukan

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