por Raphael Prado - fonte: Terra Magazine
Já dura um tempo, vai durar mais outro. A turbulência no mercado financeiro - que na segunda-feira, 17, chegou a registrar uma queda de 3,19% na Bolsa de Valores de São Paulo - ainda gerará muita incerteza, de acordo com o presidente do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), Marcio Pochmann.
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Tudo começou com a crise imobiliária nos Estados Unidos. Grosso modo: muitos norte-americanos compraram imóveis sem condições de honrar os pagamentos e o prejuízo ficou com os bancos que concederam os empréstimos. Um a um, agora vêm demonstrando seus prejuízos.
- A questão que não se sabe ainda é em que medida esses eventos tornam-se uma crise sistêmica, para além, inclusive, da economia norte-americana - explica Pochmann.
Para piorar o nervosismo do mercado, que já era grande, Alan Greenspan, ex-presidente do Fed (o Banco Central americano), escreveu um artigo para o Financial Times, jornal especializado em economia, em que afirma: "(essa turbulência) será vista no futuro como a mais dolorosa depois da Segunda Guerra", que terminou em 1945. Comenta Pochmann:
- Para fazer uma afirmação dessas, ele certamente não está sendo leviano. Eu realmente não descarto essa situação, que muitos inclusive já destacavam desde os anos 70, quando nós passamos a conviver com um descolamento crescente dos chamados ativos financeiros em relação à riqueza material.
O economista refere-se ao grande volume de moeda "virtual" que existe "circulando" no mundo. Moeda que não é moeda, material, de papel. Segundo ele, o PIB mundial (a soma de tudo que se produz no planeta) é de cerca de US$ 50 trilhões. Essa moeda "virtual" - os chamados "direitos à riqueza", como títulos financeiros, e demais ativos - está avaliada em aproximadamente US$ 150 trilhões.
Para Pochmann, essa situação vivida na economia global traz um fator importante. É um argumento favorável à tese de que o mercado não consegue se auto-regular: precisa da interferência do Estado.
- Nós estamos vendo uma incapacidade. Por mais que convivamos com bancos muito grandes, eles não têm condições de viver na plena liberalidade. Precisam, pressupõem uma regulação, e acho que o Banco Central americano está tentando fazer, vai no rumo certo, mas não sei se será suficiente.
A balançada de ontem no mercado financeiro foi motivada pela compra do Bear Stearns pelo concorrente JP Morgan. O Bear já foi o quinto maior banco de investimentos dos EUA e foi a primeira grande vítima do mercado imobiliário norte-americano. Daí o nervosismo dos investidores.
Leia a íntegra da entrevista com o presidente do Ipea:
Terra Magazine - A turbulência do mercado de ontem é circunstancial, de algo que já vínhamos sabendo, da possível recessão dos EUA, ou foi algo factual envolvendo a compra do Bear Stearns pelo JP Morgan?
Marcio Pochmann - Não, não é factual. É uma cadeia de eventos que estão sendo tornados públicos, que de certa maneira já se vislumbrava, tendo em vista a gravidade desta crise imobiliária-financeira, digamos assim. A questão que não se sabe ainda é em que medida esses eventos tornam-se uma crise sistêmica, para além, inclusive, da economia norte-americana. O fato concreto é que desde o fim do sistema monetário internacional montado no período do pós-guerra, as chamadas instituições de Breton Woods, até praticamente o início dos anos 70, em que o dólar deixou a equivalência em ouro e se tornou uma moeda valorizada, sofrendo uma série de flutuações, a partir de 76 nós passamos a conviver com outro sistema monetário internacional. E temos tido crises recorrentes, em maior ou menor medida. Praticamente a cada 2 anos, em média, temos uma crise que se altera do ponto de vista da localidade... nos anos 90 tivemos inclusive no Brasil. E agora nós estamos tendo no centro do capitalismo mundial, e que é uma economia que vive uma situação inusitada, tendo em vista inclusive seu esvaziamento do setor produtivo e um certo deslocamento do centro de gravidade do mundo para a Ásia. Então, certamente, se nós não tivermos uma contaminação, uma crise mais sistêmica, a economia americana seguirá muito mais fraca do que ela já se encontra e isso certamente tem um efeito sobre o seu sistema financeiro.
Hoje, o Banco Central americano se reúne para definir nova taxa de juros, outros balanços financeiros de bancos serão divulgados. Novas turbulências vêm por aí? Ou pelo menos incerteza, instabilidade?
Com incerteza nós iremos conviver por muito tempo. Não estou fazendo alarme, mas tivemos a experiência da crise imobiliária no final dos anos 80 que se abateu sobre a economia japonesa. E foi uma década praticamente que se conviveu com essa situação. Não se pode descartar uma possibilidade como essa, inclusive na economia americana. Agora, de certa forma, nós estamos colhendo várias sementes que foram plantadas desde o final dos anos 80, tendo em vista a proeminência da tese liberalizante. Toda a liberalização financeira e bancária que ocorreu no mundo todo, partindo inclusive das medidas tomadas nos EUA, a gestão do (Alan) Greenpan, inclusive, foi toda sempre uma aposta na auto-regulação do mercado. E nós estamos vendo uma incapacidade. Por mais que convivamos com bancos muito grandes, eles não têm condições de viver na plena liberalidade. Precisam, pressupõem uma regulação, e acho que o Banco Central americano está tentando fazer, vai no rumo certo, mas não sei se será suficiente. Tendo em vista o longo período de convivência sem grandes regulações.
E o próprio Alan Greenspan disse ontem em um artigo para o Financial Times que essa turbulência vai ser vista como a pior desde a Segunda Guerra Mundial. Essa é uma análise pessimista ou realista?
Bom, ele é uma das personalidades que têm mais informações do que nós. Para fazer uma afirmação dessas, ele certamente não está sendo leviano. Eu realmente não descarto essa situação, que muitos inclusive já destacavam desde os anos 70, quando nós passamos a conviver com um descolamento crescente dos chamados ativos financeiros em relação à riqueza material. Nós temos hoje, no mundo, um PIB contabilizado ao redor de US$ 50 trilhões para uma quantidade de recursos que giram em mercados financeiros globais na ordem de US$ 150 trilhões. Então estamos falando de alguma coisa em que para cada uma riqueza real, nós temos 3 outros que são direitos à riqueza, que são títulos financeiros, e demais ativos que de certa maneira não têm uma correspondência na chamada riqueza real. Então, em alguma medida, nós deveríamos ter uma queima desse capital que está em excesso, pela riqueza existente.
E os respingos dessa turbulência, no Brasil, ainda têm se limitado ao mercado financeiro, exatamente por essa questão, do que "ainda não é dinheiro". Mas vamos ver alguma influência no setor produtivo do País? Ou seja, há mesmo um risco de recessão global e que atinja o Brasil?
Nós não podemos descartar os efeitos dessa crise internacional sobre a América Latina, sobretudo o Brasil. Eu sou otimista, mesmo diante de uma crise mais grave do que já estamos hoje convivendo. Vamos utilizar aí a referência do Alan Greenspan, do pós-guerra, porque nunca tivemos uma crise tão grande como a de 29. O Brasil soube se posicionar de uma forma muito afirmativa e positiva. Abandonou a economia primário-exportadora e se afirmou como um País rumo à industrialização. Na crise de 70, tivemos imediatamente o segundo Plano Nacional de Desenvolvimento, que foi uma reafirmação do mercado interno, com políticas muito interessantes adotadas naquela época. Acredito que diante de uma situação ainda mais grave, o governo brasileiro saberá olhar o potencial que tem o seu mercado interno, a necessidade de nós pisarmos no acelerador para podermos não ser contaminados em grande escala pelas turbulências internacionais.
Terra Magazine
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