Política e religião se fundam em duas vertentes distintas: uma, na razão, a outra, na fé. A primeira tem o potencial de sociabilidade universal, dado que não discrimina em termos de fé, embora a própria noção de razão – que o ocidentalismo expressa de forma clara – pode ser discriminatória em relação a outras formas de civilização e de cultura, como as dos povos originários na América, por exemplo. Mas pelo menos ela busca fundamentar-se em raciocínios lógicos, mesmo quando pretende identificar-se com a “civilização” e relegar as outras etnias à categoria de “barbárie”.
Pode-se argumentar politicamente, de forma racional, a favor ou contra, com argumentos científicos ou que pretendem sê-lo. Nesse debate está implícita a idéia de que não se apela a dogmas, que ninguém detêm a priori verdades reveladas, que ninguém pertence a algum povo escolhido, com destino privilegiado.
Em um Estado republicano, todo mundo deve ter o direito de ter uma religião ou de ser humanista – isto é, de colocar o homem e não algum deus, no centro do mundo. Trata-se de uma escolha da esfera privada, que não dá privilégio ou inferioridade a ninguém pelas escolhas que faça.
Os Estados religiosos não são democráticos, ao identificar-se com uma religião em particular, em detrimento das outras, classificando os cidadãos nos de primeira classe – da religião oficial – e de segunda, as das outras ou dos humanistas. Nas versões muçulmanas ou judias, por exemplo, ao promover o ensino de uma determinada religião e ao privilegiar os direitos públicos dos seus adeptos, os Estados não são democráticos.
A exacerbação da intromissão da religião na política nas relações de cidadania, tem produzido aberrações. Nos EUA o governo Bush promove, no ensino público – que deveria, por definição, ser laico – a teoria da criação do mundo por Deus em detrimento da teoria evolucionista, além de se opor à pesquisa com células-tronco. Em muitas partes do mundo – inclusive agora no Brasil – religiões se opõem ao aborto – como se opuseram, no passado, ao divórcio -, fazendo inclusive campanhas públicas pela não-legalização do aborto, nem sequer em situações limite de gravidez produzida por estupro e de riscos graves à saúde da mãe. No caso das células-tronco, se usa feto de menos de 2 semanas, que não seriam utilizados para reprodução, mas ainda assim igrejas se opõem, supostamente defendendo a vida, quando na verdade estão condenando à morte e, antes disso, a uma vida vegetativa, a centenas de milhares de pessoas com doenças como o Alzheimer ou outras de caráter degenerativo.
Qualquer religião tem todo o direito de recomendar a seus fiéis que não recorram ao aborto ou que não se prestem a que seus fetos sejam utilizados para pesquisas de células-tronco. Mas não podem impor seus pontos de vista como obrigatórios ao conjunto da sociedade, composta por pessoas de distintos credos religiosos e por humanistas, sem religião. É um assunto de fé, que deve ser tratado na esfera privada. Nenhuma mulher é obrigada a fazer aborto, mas o que uma sociedade democrática, pluralista, um Estado republicano tem que garantir, é a livre escolha das mulheres para decidir a respeito do seu corpo e da sua reprodução. As escolhas religiosas pertencem à esfera privada, devem ser garantidas e manter-se nesse plano, uma conquista laica e republicana do mundo moderno, contra as concepções dogmáticas e obscurantistas.
Seguiremos em marcha até que todas sejamos livres
Em 2010, a Marcha Mundial das Mulheres vai organizar sua terceira ação internacional. Ela será concentrada em dois períodos, de 8 a 18 de março e de 7 a 17 de outubro, e contará com mobilizações de diferentes formatos em vários países do mundo. O primeiro período, que marcará o centenário do Dia Internacional das Mulheres, será de marchas. O segundo, de ações simultâneas, com um ponto de encontro em Sud Kivu, na República Democrática do Congo, expressará a solidariedade internacional entre as mulheres, enfatizando seu papel protagonista na solução de conflitos armados e na reconstrução das relações sociais em suas comunidades, em busca da paz.
O tema das mobilizações de 2010 é “Seguiremos em marcha até que todas sejamos livres”, e sua plataforma se baseia em quatro campos de atuação sobre os quais a Marcha Mundial das Mulheres tem se debruçado. Os pontos são: Bem comum e Serviços Públicos, Paz e desmilitarização, Autonomia econômica e Violência contra as mulheres. Cada um desses eixos se desdobra em reivindicações que apontam para a construção de outra realidade para as mulheres em nível mundial.
Estão previstas também atividades artísticas e culturais, caravanas, ações em frente a empresas fabricantes de armamentos e edifícios da ONU, manifestações de apoio às ações da MMM em outros países e campanhas de boicote a produtos de transnacionais associadas à exploração das mulheres e à guerra.
No Brasil
A ação internacional da Marcha Mundial das Mulheres no Brasil acontecerá entre os dias 8 e 18 de março e será estruturada no formato de uma marcha, que vai percorrer o trajeto entre as cidades de Campinas e São Paulo. Serão 3 mil mulheres, organizadas em delegações de todos os estados em que a MMM está presente, numa grande atividade de denúncia, reivindicação e formação, que pretende dar visibilidade à luta feminista contra o capitalismo e a favor da solidariedade internacional, além de buscar transformações reais para a vida das mulheres brasileiras.
Serão dez dias de caminhada, em que marcharemos pela manhã e realizaremos atividades de formação durante à tarde. A marcha será o resultado de um grande processo de mobilização dos comitês estaduais da Marcha Mundial das Mulheres, que contribuirá para sua organização e fortalecimento. Pretendemos também estabelecer um processo de diálogo com as mulheres das cidades pelas quais passaremos, promovendo atividades de sensibilização relacionadas à realidade de cada local.
Para participar
A mobilização e organização para a ação internacional da Marcha Mundial das Mulheres no Brasil já começou. Entre os dias 15 e 17 de maio, a Marcha realizou um seminário nacional, do qual participaram militantes de 19 estados (AM, AP, AL, BA, CE, DF, GO, MA, MS, MG, PA, PB, PE, PR, RJ, RN, RO, RS e SP), além de mulheres representantes de movimentos parceiros como ANA, ASA, AACC, CONTAG, MOC, MST, CUT, UNE e Movimento das Donas de Casa). Este seminário debateu e definiu as diretrizes da ação de 2010.
Os comitês estaduais da MMM saíram deste encontro com tarefas como arrecadação financeira, seminários e atividades preparatórias de formação e mobilização, na perspectiva de fortalecimento dos próprios comitês e das alianças entre a Marcha Mundial das Mulheres e outros movimentos sociais. Neste momento, estão sendo realizadas plenárias estaduais para a formação das delegações e organização da atividade.
Para participar, entre em contato com a Marcha Mundial das Mulheres em seu estado (no item contatos) ou procure a Secretaria Nacional, no correio eletrônico marchamulheres@sof.org.br ou telefone (11) 3819-3876.
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