Por redação
Morreu em São Paulo aos 73 anos o jornalista Sérgio de Souza, o Serjão. Operado dia 10 de março de 2008 em razão de uma perfuração no duodeno, morreu em decorrência de complicações na madrugada desta terça-feira, 25 de março, no Hospital Osvaldo Cruz.
Mylton Severiano, Chico Alencar, Marcelo Salles e Juca Kfouri prestam uma homenagem, falando com tristeza do acontecimento e com alegria do exemplo de vida deste grande jornalista. Leia a seguir:
CAROS AMIGOS: “FOI-SE SÉRGIO DE SOUZA, O NOSSO SERJÃO”
Morreu em São Paulo aos 73 anos o jornalista Sérgio de Souza, o Serjão. Operado dia 10 de março de 2008 em razão de uma perfuração no duodeno, morreu em decorrência de complicações na madrugada desta terça-feira, 25 de março, no Hospital Osvaldo Cruz. Sérgio deixa viúva a jornalista Lana Nowikow, com quem teve três de seus sete filhos.
Nascido em 1934 no Bom Retiro, bairro tradicional no centro da capital paulista, Serjão era um autodidata. Não chegou ao curso "superior", mas fez-se na rua e nas redações "doutor" em jornalismo. Bancário, recém-casado, viu uma notícia na Folha de S. Paulo no fim da década de 1950, do tipo "você quer ser jornalista?", e para lá se dirigiu. Fez um teste e, aprovado, entrou para a reportagem do jornal da Barão de Limeira, onde nos conhecemos. Quatro anos depois, a convite de Paulo Patarra, transferiu-se para Quatro Rodas, da Editora Abril. Ali, em 1966, faria parte da equipe que fundou e lançou REALIDADE, cujo forte era a reportagem, revista "cult" daquela editora e maior sucesso jornalístico do gênero neste país.
Avesso a entrevistas, até tímido diante de uma câmera, microfone ou mesmo um colega de caneta e papel na mão, Serjão não deixou muitas pistas sobre sua vida particular, onde estudou, que preferências tinha em matéria de literatura, cinema, e outras trivialidades que costumam compor um necrológio. Certo é que Sérgio de Souza é o último monstro sagrado vivo que se vai de uma geração que fez, além de REALIDADE: a revista quinzenal de contracultura O Bondinho; o jornal mensal de política, reportagem e histórias em quadrinhos Ex-; o programa de televisão 90 Minutos na Bandeirantes – entre dúzias de trabalhos. Há onze anos, em abril de 1997, Sérgio lançou, com amigos e associados, a revista Caros Amigos, que vinha dirigindo até duas semanas atrás.
A importância de Serjão para o jornalismo pátrio é discreto como sua figura e incomensurável como seu tamanho - pois se dá justo naquele trabalho quase anônimo do editor, do editor de texto, da palavra seca, cortante, exata, da melhor linha humano-política na orientação ao repórter, ao subeditor, ao chefe de arte, ao departamento comercial, advinda de um caráter íntegro e de um senso jornalístico próprio dos gênios. Dedicou 50 anos à profissão, na qual não fez fortuna, ao contrário: deixa dívidas. Aliás, uma de suas últimas criações foi o "Anticurso Caros Amigos - Como não enriquecer na profissão".
Aos que o sucedem em Caros Amigos, fica a desmedida tarefa de homenagear sua memória fazendo das vísceras coragem e coração para tocar o barco em frente.
(Mylton Severiano, editor-executivo de Caros Amigos)
CHICO ALENCAR: “UM JORNALISTA”
Um jornalista. Alguém que, na estrada pedregosa, não perdeu o dom da infância que fecunda a inteligência humana: a curiosidade. Um repórter que fazia aquele essencial tão esquecido nesses tempos de manipulação midiática: reportava-se à realidade, buscando tirar seus véus. Uma pessoa posicionada e independente, soberana. Um humanista sem qualquer traço de pieguice. Um ser humano que não fez de sua acumulada ciência fator de arrogância, como tantos nesse meio.
Conheci o SÉRGIO DE SOUZA pelos seus trabalhos, sobretudo nas revistas Realidade, Bondinho - que, jovem ainda, devorava, ávido - e, agora, na Caros Amigos, como editor do nosso inconformismo. E também através de parentes e amigos de Santa Rosa de Viterbo ("cidade encantada, como se fosse habitada por uma única família, não sei se feliz ou não, mas de sábia serenidade" - escreveu-me ele, mês passado), todos jornalistas, que o tinham na conta de mestre e camarada: João "Sombrero" Garcia, José Hamilton Ribeiro, Victor Cervi. E o Antonio Carlos Murari, que hoje e para sempre o acolhe nesse outro nível de vínculo, de além dos tempos, em meio à dor dos seus amados – e luto de todos nós que tanto carecemos, para fazer desta vergonha um país, de gente como ele.
Sérgio partiu fora do combinado: ainda tinha muito o que fazer por aqui! Tive o privilégio de ser um dos últimos entrevistados por ele, em fevereiro deste ano. Privilégio que transforma-se em alta responsabilidade: as respostas que tentei dar às suas indagações, questões de um profissional antenado - que não sabia que realizava as práticas finais de sua arte - têm que se tornar, mais do que antes, compromisso de vida e franqueza militante. Volta e meia estou palestrando em universidades e estudantes de comunicação social me perguntam sobre esse ofício – escolha de meu pai e também de meu filho. Sérgio, transvivenciado, nos deixa um legado de luz e, generoso até o fim, resolve de vez minhas dificuldades na resposta: ser jornalista é ter simplicidade, profundidade, empenho e iniciativa, como o Sérgio de Souza. Um jornalista.
À Lana e todos os seus parentes e amigos, meu abraço solidário nessa hora tão triste. Apesar de tudo, façamos como o Sérgio exortou, em sua última mensagem para mim: "Em frente!".
(Chico Alencar, professor de história, mestre em educação e deputado federal - PSOL/RJ)
MARCELO SALLES: “OBRIGADO POR TUDO, SERJÃO”
Quando o Vinícius me deu a notícia, por volta das 10h de ontem, acho que meu organismo não entendeu bem o que se passava. Depois que voltei do trabalho, em casa, desabei. Passei a noite inteira chorando. E quando eu digo chorando é chorando mesmo, como, aliás, não chorava há muito. Eu tinha por ele um carinho muito especial, era uma espécie de avô que eu nunca tive - uma vez escrevi isso pra ele.
O Serjão foi quem me lançou no jornalismo, foi quem editou minha primeira grande reportagem, ou melhor, reportagem grande. Foi ele quem me fez ver que o ser humano deve estar no foco das notícias, e não o lucro das empresas privadas, como a maioria faz por aí. Espero que a gente saiba entender seus ensinamentos, sua ética profissional e sua coragem. Pra poder continuar a sua luta, que é uma forma de mantê-lo vivo!
(Marcelo Salles, jornalista)
JUCA KFOURI: “SÉRGIO DE SOUZA – JORNALISTA, IDEALISTA DA CAROS AMIGOS”
Quando Bertolt Brecht escreveu que havia homens imprescindíveis porque lutavam a vida inteira, certamente pensou em alguém como o jornalista Sérgio de Souza. Quando Miguel de Cervantes imaginou seu cavaleiro magro, alto e inconformado com as injustiças, talvez conhecesse alguém como Souza viria a ser numa carreira que fez do jornalismo, verdadeiramente, um sacerdócio.
O paulistano Serjão adentrou a profissão na Folha da Manhã, em 1958. Foi revisor, repórter e editor. Entre tantos trabalhos que desempenhou vida afora tinha orgulho de ter fundado e editado as revistas Realidade e Bondinho, que fizeram história no jornalismo brasileiro. Dirigiu ainda o jornalismo da Rede Tupi de Televisão, levou Osmar Santos para a rádio Globo e comandou a redação paulista do Fantástico.
São raros os textos assinados por ele, embora alguns dos melhores já publicados país afora tenham a marca de seu lápis cuidadoso e perfeccionista, sensível e voltado para um mundo melhor.
Há mais de uma década, Serjão dirigia seu último projeto, a revista "Caros Amigos", que ele próprio fundou – razão pela qual morre pobre e sem nenhum bem, exceção feita à convicção do que fez ao Brasil.
Morreu ontem, aos 73, em São Paulo, de falência múltipla dos órgãos. Deixa sete filhos, dez netos e um a caminho, além da companheira Lana Novikow. Deixa, também, um lápis, preto, número 2.
(Juca Kfouri, jornalista. Folha de S. Paulo, 26 de março de 2008).
Sérgio de Souza, o semeador
Serjão se foi aos 73 anos, e deixou muita gente sem chão. Para a nova geração de jornalistas, ele era o venerado timoneiro da revista "Caros Amigos", criada em 1997 e capitaneada por ele desde então.
por Verena Glass
Hoje, pouco antes das 5 horas da manhã, o jornalista Sérgio de Souza faleceu no hospital Oswaldo Cruz, onde estava internado há duas semanas. Teve uma perfuração do duodeno, que debilitou sua resistência física, levando-o a um infarto e posterior infecção generalizada.Serjão se foi aos 73 anos, e deixou muita gente sem chão. Para a nova geração de jornalistas, ele era o venerado timoneiro da revista Caros Amigos, criada em 1997 e capitaneada por ele desde então. Os caros amigos, no caso, eram em sua maioria antigos companheiros de trajetória, ícones do jornalismo que levaram muitos de nós a correr mensalmente para as bancas em busca de algo que, simplificando, poderia ser definido como “substância”.
Para os caros amigos e velhos companheiros, Serjão foi muito mais do que o diretor da Caros Amigos. Idealizador da primeira revista de esquerda de fôlego e alcance do pós-anos-de-chumbo, ele passou por uma série de pequenos e grandes veículos, “alternativos” e “grande mídia”, sem arranhar a qualidade de seu trabalho. Da Folha de S. Paulo ao Bondinho, do Fantástico à Ex, passando pelo Notícias Populares, Revista Manchete, Quatro Rodas, revista Globo Rural etc., fez história.
Aliás, história mesmo fez com o grupo de amigos que criaram na revista Realidade uma das mais importantes experiências jornalísticas do país. Serjão tinha um dom de ser “chefe”, coordenador; gentil, mas incisivo...
A geração de jornalista da qual Sérgio de Souza foi um dos grandes nomes levou muitos de nós, os mais novos, a atuar na profissão com entusiasmo e respeito profundo à missão de contar o mundo. Contar dores e felicidades, desesperanças e lutas, injustiças e vitórias, enfim, as coisas da qual a vida é feita; contar tudo isso de forma a revelar e desvelar.
Para nós que tivemos o enorme privilégio de estar com Serjão em algum momento de sua vida, alguma farpa da sua força e incrível energia criadora ficou presa num recanto do nosso ser. Sérgio de Souza semeou ventanias. Precisamos, nós, fazer com que continuem ventando ventos de rodamoinhos e transformação.
O exemplo de Sérgio de Souza
Prezado Sérgio, hoje, assim como em 2002, você me resgata mais uma vez. Já andava eu, novamente, meio desiludido com o jornalismo, sem forças para empunhar a bandeira da nossa causa. O seu exemplo, assim como o do Aloísio Biondi, serve-nos como um farol a orientar o rumo. Não desistiremos jamais, meu caro.
por Lula Miranda
Recebi, estupefato, hoje, terça-feira, 25/03, pela manhã, a notícia da morte de Sérgio de Souza, editor e um dos fundadores da revista Caros Amigos – ele falecera nessa madrugada devido a complicações pós-operatórias.
Tenho uma enorme “dívida” com “Serjão”, como alguns lhe chamavam. Ele foi um dos responsáveis pelo meu resgate, quando simplesmente eu já desistira de publicar meus textos e andava recolhido, imerso no desalento e à margem de tudo. Publicou, creio que em 2002, um artigo meu na revista Caros Amigos e daí pra frente passou a publicar outros mais (muitos outros) na seção “Correio Caros Amigos”, uma newsletter enviada semanalmente às dezenas de milhares de assinantes da revista, e demais leitores de sua página na internet, cadastrados nesse serviço que funciona como um verdadeiro e agitado fórum de debates. Assim como me resgatou, “Sérgio” resgatou a muitos outros. Acolheu Marilene Felinto, quando esta foi demitida da Folha, Ferréz, Glauco Matoso, tanta gente...
Sérgio de Souza era um autêntico mestre do jornalismo. Quem o observava, assim de longe, lá na sua mesa na redação na “Caros Amigos”, talvez enxergasse ali um homem um tanto calado e circunspecto. Mas ali estava um bom e grande homem, generoso, competente e, mais que tudo, íntegro, fiel a seus princípios. Um verdadeiro ícone do jornalismo de esquerda.
Pena que não aceitei um seu convite, certa feita, creio que ano passado, para jogar uma partida de sinuca, junto com o carioca Marcelo Salles, numa das poucas vezes em que visitei a redação da “Caros” – fiquei com medo de “fazer feio”, de “rasgar o pano”, por assim dizer. Sim, há uma grande mesa de sinuca na redação da Caros Amigos e, no final do expediente, quase sempre, notadamente à sextas-feiras, rolava uma alegre “partidinha”.
Devo dizer-lhes que estou por demais comovido e ainda sob o impacto da notícia, e, emocionado, confesso, já nem sei mais o que dizer.
Quero deixar aqui meu abraço solidário a todo o pessoal da redação da revista (Thiago, Marina, Arbex, Mylton Severiano, todos enfim), bem como a toda equipe da editora Casa Amarela, sua esposa e filhos. Liguei lá na Redação, assim que soube do ocorrido, estão todos inconsoláveis.
Prezado Sérgio, hoje, assim como em 2002, você me resgata mais uma vez. Já andava eu, novamente, meio desiludido com o jornalismo, sem forças para empunhar a bandeira da nossa causa. Já havia decidido, cá no meu íntimo, recolher-me, parar de publicar textos na nossa mídia alternativa, já muito cansado de remar contra tanta dificuldade, mas principalmente contra a maré do consenso da mediocridade imposto pela grande imprensa, consenso este tão incansavelmente combatido por você. Mas, por mais estranho que possa parecer, a notícia da sua morte operou em mim o milagre da ressurreição, renovou em mim a anima, a vontade de prosseguir essa sua/nossa lenta luta.
O seu exemplo, assim como o do Aloísio Biondi, serve-nos como um farol a orientar o rumo. Não desistiremos jamais, meu caro.
Lula Miranda é economista, poeta e cronista. É colaborador de publicações da mídia alternativa, como Caros Amigos e Carta Maior.
Fontes: Fazendo Média, Caros Amigos, Blog do Juca, Agência Carta Maior
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