Governadores e prefeitos não podem recorrer a MPs para governar. E não consta que estados e municípios vivam mergulhados em crises políticas. Ao contrário, na ampla maioria dos casos governadores e prefeitos administram sem problemas
por Alon Feuerwerker
alon.feuerwerker@correioweb.com.br
O conflito em torno das medidas provisórias (MPs) tem tudo para ganhar corpo, na medida que o governo percebe uma insatisfação no Legislativo alguns graus acima do habitual. E nota que a temperatura vai chegando ao nível no qual ou o vapor encontra uma válvula de saída ou a coisa explode. Sinal disso é que o Palácio do Planalto começou a se movimentar para encontrar a fórmula mágica que, a pretexto de alterar algumas coisas, mantenha tudo como está.
Já se explorou em outras ocasiões nesta coluna a razão última pela qual as MPs resistem, apesar de tão criticadas. Quem está no governo as adora. Quem está na oposição as critica, mas sonha com o dia em que, uma vez no poder, delas poderá fazer uso. Chega, entretanto, uma hora em que a coisa engripa. Quando o estrangulamento da atividade parlamentar alcança o ponto em que a excessiva fraqueza do Congresso começa a desequilibrar perigosamente a balança entre os poderes.
É a situação em que parecemos estar. Verdade que em outros governos havia mais tolerância com essa realidade. Talvez porque dispusessem de maiorias mais confortáveis no Congresso, em especial no Senado. Mas elocubrar sobre as circunstâncias não resolve nada. É necessário agir. Antes, porém, é imperioso enfrentar um debate que se arrasta desde a Constituinte, quando se concluiu que o país ficaria ingovernável sem um instituto jurídico que mantivesse na essência os decretos-leis do período autoritário.
Essa ingovernabilidade é um mantra, repetido à exaustão e nunca provado. Argumenta-se que as regras político-eleitorais no Brasil, ao dificultarem a formação de maiorias sólidas no Legislativo, impõem a necessidade das medidas provisórias. Ora, segundo a Constituição, governadores e prefeitos não podem recorrer a MPs para governar. Só o presidente da República. E não consta que estados e municípios vivam mergulhados em crises políticas. Ao contrário, na ampla maioria dos casos governadores e prefeitos administram sem problemas e completam regularmente os mandatos. Mesmo sem poder editar MPs. E tendo que conviver com o mesmíssimo sistema político eleitoral que vigora no plano federal.
Na falta de consistência doutrinária ou lógica, os meneios na dança das MPs acabam conduzindo a situações curiosas. Um dos pontos em debate é condicionar a vigência delas à análise preliminar de sua relevância e urgência. Mas já existe um instituto com essas características. É o projeto de lei com urgência. Que se não for votado em certo prazo passa a trancar a pauta, do mesmo modo que uma medida provisória. Não é necessário inventar nada. Apenas tomar a decisão política de editar projetos de lei (com regime de urgência) em vez de MPs.
A possibilidade de usar medidas provisórias acaba transformando o governo num ser com duas características indesejáveis. A primeira é a preguiça de negociar politicamente suas iniciativas com o Congresso. A segunda é a ilusão de que pode dispensar uma maioria sólida de deputados e senadores. A prova disso é que, com cinco anos de estrada nas costas, até hoje o governo de Luiz Inácio Lula da Silva ocupa o noticiário com a interminável pendenga do preenchimento dos cargos federais.
Retirem-se as medidas provisórias da Constituição e nada acontecerá. Querem um exemplo? A MP que criava a Secretaria de Planejamento de Longo Prazo foi derrubada no Senado. Mas a secretaria continua lá, assim como o ministro para ela nomeado. O problema foi resolvido por decreto. O que levou, naturalmente, à seguinte indagação: se ela pôde ser mantida por decreto, por que havia sido criada por MP?
Possivelmente por inércia, por espírito rotineiro, pela convicção da imutabilidade do status quo. No universo governamental anabolizado pela existência das MPs, o debate entre os representantes do povo é substituído pela confabulação entre os burocratas dos ministérios. E a atenção do Executivo com a execução orçamentária deixa a cena em favor da fúria legisferante. Para o Congresso, resta agarrar-se à denúncia do momento e tentar fazer de cada espirro uma pneumonia, para não ser atirado à irrelevância.
Em 2010, completar-se-ão 16 anos de governos tucanos e petistas em Brasília. Na origem, foram dois partidos que empunharam a bandeira da renovação institucional do Brasil. Tão logo chegaram ao poder, abandonaram-na. É uma pena.
fonte: Blog do Alon
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