segunda-feira, 24 de março de 2008

NA COBERTURA DO IRAQUE, SOLDADOS AMERICANOS MORTOS SÃO INVISÍVEIS

por Luiz Carlos Azenha

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SÃO PAULO -

SÃO PAULO - O sumiço da cobertura do Iraque na mídia americana, que notei em texto que escrevi sobre os 4 mil soldados mortos, foi motivo de reportagem do New York Times, que neste 24 de março pergunta: "A guerra dura, mas onde está a mídia?".

Várias hipóteses são testadas por Richard Pérez-Peña, o autor.

Antes, porém, às estatísticas:

- o Pew Research Center demonstrou, em pesquisa, que 50% dos americanos seguiam bem de perto o assunto antes da invasão; média que caiu para 40% em 2006 e agora é de cerca de 30%;

- de acordo com Andrew Tyndall, que é uma espécie de Eduardo Guimarães americano, os telejornais noturnos deram 4.100 minutos para o Iraque em 2003, 3.000 em 2004 e, em média, 2.000 em anos mais recentes;

- o Projeto por Excelência em Jornalismo diz que o Iraque rendeu 18% do noticiário de destaque nos principais jornais, emissoras a cabo, de rádio, redes nacionais e sites da internet nos primeiros nove meses de 2007, número que caiu para 9% nos três meses seguintes e para 3% nos primeiros meses de 2008.

Depois o Richard foi ouvir especialistas: "O Vietnã segurou a atenção da mídia porque era uma guerra em que qualquer americano poderia ser convocado; as pessoas eram mandadas contra a vontade e o número de mortos foi muito maior", disse um deles.

O texto também toca em outros pontos importantes: o custo e o risco, além do supostos desinteresse dos leitores.

Quando fui ao Iraque pela TV Globo, eu e o cinegrafista Sherman Costa gastamos, em médiia, 2 mil dólares por dia, contabilizando aí as transmissões por satélite e as taxas que o governo do Iraque - Saddam Hussein ainda estava no poder - cobrava só pela presença de jornalistas no país.

O New York Times gasta 3 milhões de dólares por ano na cobertura. Gasta muito contratando seguranças armados que acompanham os repórteres.

Acho que o Times deixou de tocar em alguns pontos importantes.

A guerra no Iraque é a primeira em que os jornalistas se tornaram protagonistas importantes. Deixaram de ser "testemunhas" para assumir um papel indevido. Isso nasceu do programa do Pentágono de colocar repórteres para acompanhar unidades em combate. As empresas que toparam fazer isso abdicaram da independência editorial em troca de redução de custos e da segurança relativa dada a seus profissionais.

Do ponto-de-vista dos insurgentes, a conclusão é clara: ora, se o repórter está lá fazendo propaganda para o outro lado, por que devo dar a ele o benefício da dúvida?

Além disso, na barbárie do fundamentalismo islâmico vale tudo, até explodir mulher grávida, se o objetivo é causar dano ao inimigo. Assim, os jornalistas se tornaram alvos tanto quanto os soldados invasores.

O New York Times passa batido pelo gerenciamento da informação, ao qual o Pentágono nunca dedicou tanto dinheiro e tempo. Enquanto escrevo este texto, centenas de militares americanos se debruçam sobre o assunto: Como vencer a guerra psicológica? Como influenciar a opinião pública americana e estrangeira? Como tomar a iniciativa e ocupar as manchetes? Como definir a pauta dos repórteres e editores? Como ganhar a guerra da informação?

Algumas respostas são óbvias. No Iraque, o Pentágono não assumiu responsabilidade pelos profissionais que queriam trabalhar de forma independente e deu a eles a opção de se juntar às tropas americanas, o que facilitou o gerenciamento do conteúdo. Nunca tantos jornalistas morreram na cobertura de uma guerra, levando as empresas a pensar duas vezes antes de enviar seus repórteres e fotógrafos. Ou seja, abriu-se um gigantesco espaço para o noticiário "oficial", a cobertura das contínuas visitas do vice-presidente Dick Cheney, da secretária de Estado Condoleezza Rice e de outras autoridades americanas.

Além disso, existe uma tremenda boa vontade das grandes corporações da mídia com o governo Bush. Não se vê, nem na internet, nem na TV, nem nos jornais, imagens do Iraque que envolvam soldados americanos em situação dramática. Os mortos aparecem, sim, mas são sempre civis iraquianos. Quanto os mortos americanos aparecem são naquelas fotos oficiais das forças armadas, conferindo a eles uma dignidade devida, mas negando ao público as imagens que contextualizariam melhor as circunstâncias em que morreram.

Dos quatro mil soldados que os Estados Unidos perderam no Iraque, quantos apareceram mortos em campo de batalha nos jornais, telejornais e sites da internet da mídia americana? Alguém tem alguma foto aí - que tenha saído na grande mídia - para que eu possa publicar? Tentei, mas até agora não encontrei.

Um sintoma disso é a existência, na internet, de sites especificamente criados para divulgar fotos e imagens que a mídia americana não divulga - de onde tirei as fotos que ilustram esse texto.

Quanto ao interesse do público, o New York Times nem parou para considerar que o interesse dos leitores, ouvintes e telespectadores pode ser influenciado pelo próprio comportamento da mídia. Que, nesse caso, noticia como vitória a redução do número de soldados americanos mortos para "apenas" 33 por mês. Todos devidamente invisíveis.

Fonte: Vi o Mundo

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