por Luiz Carlos Azenha
SÃO PAULO - Numa demonstração de que sua campanha sentiu o golpe das declarações do reverendo Wright, que tem sido reproduzidas continuamente na TV americana, o senador Barack Obama dedicou um discurso especialmente à questão racial nos Estados Unidos. Na TV Viomundo, logo aí ao lado, você pode ver um trecho de um dos sermões do reverendo, que levou Obama para a Trinity Church, de Chicago.
O religioso também celebrou o casamento do candidato e o batizado das duas filhas de Obama. Falar de política em sermões não é novidade nos Estados Unidos. O fato é que a fala do religioso pode espantar eleitores democratas brancos de Obama, especialmente nos estados em que ainda vão acontecer prévias do partido, a começar da Pensilvânia, no dia 22 de abril.
Existe uma grande rejeição a Obama em estados tradicionalmente racistas, especialmente no Sul dos Estados Unidos. É lá que se espalharam como fogo os boatos de que o candidato é, na verdade, um muçulmano disfarçado de cristão. Uma pesquisa recente da rede americana CNN demonstrou que 13% dos entrevistados disseram acreditar que Obama é muçulmano.
Sabendo que Obama seria um candidato formidável contra John McCain em novembro, os republicanos trabalham para tentar "desclassificar" o candidato como se ele pregasse racismo de negros contra brancos, o que é uma inverdade. Por sua vez, a candidata Hillary Clinton e o ex-presidente Clinton sentiram a enorme oportunidade política que se abriu com a polêmica.
Na Pensilvânia, por exemplo, os negros representam cerca de 10% dos eleitores. Ou seja, se a questão racial tiver repercussão no estado, Hillary tem chance de obter uma grande vitória, por margem que dê a ela a chance de começar a reverter a vantagem de 120 delegados que Barack Obama tem na corrida eleitoral. A Pensilvânia é um estado industrial fortemente afetado pela crise econômica dos Estados Unidos, onde o potencial de explorar politicamente o ressentimento racial dos eleitores é grande.
Barack e o reverendo Wright conviveram durante 20 anos na igreja protestante de Chicago, ou seja, é muito difícil para o candidato se distanciar do pastor, especialmente pelo grande número de ocasiões em que os dois apareceram juntos - em fotos e vídeos.
Sobre o reverendo:
"O profundo erro dos sermões do reverendo Wright não é que ele falou sobre racismo em nossa sociedade. É que ele falou como se nossa sociedade fosse estática; como se não tivesse havido progresso; como se o país, um país que permitiu que um dos integrantes da igreja dele disputasse o cargo mais alto e contruísse uma coalizão de brancos e negros, latinos e asiáticos, ricos e pobres, jovens e velhos - está irrevogavelmente preso ao seu passado trágico. Mas o que sabemos - e o que temos visto - é que os Estados Unidos podem mudar. Essa é a genialidade desta Nação. O que conquistamos nos dá esperança - a audácia da esperança - de que podemos e precisamos conquistar mais amanhã."
Não sei qual será a eficácia do discurso. Acho - e aqui é achismo - que o reverendo tentou ajudar mas deu um tipo no pé da campanha. Conheço muito bem os Estados Unidos. Conheço 45 dos 50 estados americanos. O discurso da desqüalificação tem uma grande pegada, uma vez que os americanos são muito menos politizados do que se imagina. Ainda assim são mais politizados que os brasileiros, mas os brasileiros estão lá embaixo da lista, abaixo dos argentinos, dos colombianos, dos venezuelanos e dos bolivianos.
Mas isso é para outra ocasião.
Uma frase politicamente eficaz de Obama:
"Na comunidade branca, o caminho para uma União mais perfeita [nota do site: frase marcante dos constitucionalistas americanos, que escreveram o texto na Pensilvânia] significa admitir que os problemas dos afroamericanos não existem apenas na cabeça dos negros; eles são o legado da discriminação - e incidentes atuais de discriminação, embora menos escancarados do que no passado - são reais e precisam ser enfrentados. Não apenas com palavras, mas com fatos - investindo em nossas escolas e comunidades; fazendo cumprir nossas leis de direitos civis e garantindo que o sistema de justiça criminal seja justo; dando às novas gerações escadas de oportunidade que não existiam para gerações prévias. Isso requer que todos os americanos se dêem conta de que nossos sonhos não precisam ser realizados às custas dos sonhos alheios; que investir em saúde, bem estar e educação das crianças negras, morenas e brancas vai ajudar toda a América a ter prosperidade."
Finalmente, um trecho do discurso que a própria mídia - seja ela americana ou brasileira - com certeza vai deixar passar batido. Isso porque é uma crítica direta àqueles que brincam de forma irresponsável com os valores alheios, como faz o autor da novela Duas Caras, Aguinaldo Silva, em relação aos evangélicos; ou a Igreja Universal em relação às religões afrobrasileiras; ou aqueles que desprezam as legítimas aspirações das mulheres, dos negros e dos indígenas brasileiras.
Falou Obama:
"Raiva contra o welfare [nota do site: uma espécie de Bolsa Família americano] e a ação afirmativa [sistema de cotas raciais adotado nos Estados Unidos] ajudaram a forjar a coalizão do Reagan [nota do site: Ronald Reagan, que se elegeu com votos de democratas brancos]. Os políticos rotineiramente exploraram o medo do crime com objetivos eleitorais. Apresentadores da televisão e comentaristas conservadores construíram suas carreiras desmascarando falsas acusações de racismo, mas dispensando a discussão legítima sobre a injustiça racial e a desigualdade como se fossem apenas discurso politicamente correto ou racismo reverso."
Eu diria que essa frase se aplica perfeitamente ao Brasil. Voltando à novela Duas Caras, por exemplo, houve uma clara tentativa de desqüalificar o debate sobre as cotas raciais. Ficção? Com certeza a novela é ficção. Mas faz um discurso que atende a um projeto ideológico que quer encobrir a desigualdade histórica existente no Brasil, em que a mulher negra e pobre está no piso e o homem branco e rico está no topo. Isso é verdade factual. O que fazer a respeito? Deveria ser discutido com seriedade, por todos os segmentos da sociedade brasileira. Como não é, fica por conta de um autor de novelas da TV Globo dar o tom.fonte: Vi o Mundo
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