sexta-feira, 21 de março de 2008

Genocídio no Tibete

Wálter Fanganiello Maierovitch

No fim do ano passado, o dalai-lama, Nobel da Paz em 1989, permaneceu vários dias em giro pouco frutífero pela Europa. Na ocasião, não foi recebido pelo papa Ratzinger, de namoro diplomático com a China. Aliás, o papa Ratzinger, no domingo 16, da janela dos seus aposentos, falou, urbi et orbi, dos cinco anos da invasão do Iraque. No entanto, ignorou o genocídio ocorrido em Lhasa, a partir do 10 de março, com mais de cem tibetanos massacrados pela polícia chinesa.

O dalai, no périplo europeu de dezembro, também engoliu o eufemismo da agenda de audiências lotadas do atual premier demissionário da Itália. Enfim, teve de se contentar com um evento organizado pela prefeitura de Milão e um breve encontro com a chanceler alemã, Angela Merkel.

Na bagagem de volta, o dalai carregou cópia do protesto formal da China, a acusá-lo de agitador secessionista. Em resumo, o nada ingênuo dalai pôde sentir na alma o peso econômico de um país cortejado e admirado pelo Ocidente. E no Primeiro Mundo parece pouco importar as permanentes violações de direitos humanos na China. Ainda mais com o presidente Bush e o chanceler da União Européia, Javier Solana, como sabujos de auditório, o governo do presidente chinês, Hu Jintao, viverá momentos de glória na abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim, em 8 de agosto.

Apesar do fracasso da viagem européia do dalai, o hierarquizado clero budista tibetano, no exílio desde 1959 e sediado na cidade indiana de Dharamsala, que fica na fronteira com a China, não se deu por vencido. E esse clero sabe bem avaliar o momento propício para promover protestos voltados à retomada da independência do território tibetano. A propósito, de um Tibete declarado república independente em 1911 e anexado à China Popular por Mao Tsé-tung no ano de 1950, depois da cobiça britânica de apossamento.

Projetado para ter duração de cinco dias e começar em 10 de março, simultaneamente em Lhasa (capital do Tibete) e Ganden (onde os monges iniciaram greve de fome), o movimento deflagrado pelos monges budistas e por civis tibetanos marcava os 58 anos do Tibete sob domínio chinês e o 49º aniversário da fuga do atual e 14º dalai-lama para o exílio na Índia.

Tudo acontece há cinco meses do início dos Jogos Olímpicos de Pequim e quando o Kosovo acaba de se declarar independente, com apoio da União Européia e dos EUA. No momento, todos sabem que a China conferiu uma autonomia de fachada ao Tibete e o diálogo com o “governo tibetano no exílio”, comandado pelo dalai, interrompeu-se em 1993.

Especialista em estudos sobre multiculturalismo, o famoso escritor Ian Buruma não cansa de destacar a forte liderança sobre os tibetanos exercida pelo dalai-lama. Numa comparação, ressaltou que a liderança do dalai, para os tibetanos, representa algo igual à do papa Wojtyla junto aos católicos. Trocando em miúdos, seu carisma arrasta multidões.

Como podia esperar a cúpula budista, os chineses não aceitaram o protesto. O genocídio cultural imposto ao Tibete, do qual falou o dalai no sábado 15, transbordou para genocídio real, como destacaram os jornais europeus e as organizações de direitos humanos, como a Anistia Internacional, que propõe uma comissão das Nações Unidas para realizar investigações.

Nessa quadra, não se deve esquecer que o atual presidente, Hu Jintao, iniciou sua carreira política como comissário no Tibete. Em 1989, depois de uma revolta de monges budistas e de civis chamados de rebeldes, propôs e conseguiu do governo central uma lei marcial para o Tibete e os que tinham fotos do dalai na parede das suas casas foram presos.

Por outro lado, quatro dias antes do genocídio em Lhasa, o presidente Bush retirou o nome da China do elenco norte-americano de países de desrespeito a direitos humanos. Depois do genocídio, despachou Condoleezza Rice para dialogar com o seu homólogo chinês.

Como o ultimatum dado pelo governo chinês venceu na segunda 17, o porta-voz do Ministério do Interior avisou que continuará a reprimir movimentos separatistas, a conturbar a ordem social. Os ditos “rebeldes”, avisou o porta-voz, serão punidos brandamente, caso se apresentem à polícia ou à Justiça. Aqueles que derem proteção a líderes da revolta serão punidos severamente e o delator de rebeldes virará herói.

De olho nos separistas da Chechênia, os russos apoiaram os chineses, enquanto grupos de intelectuais e artistas propõem o boicote aos Jogos Olímpicos.

O boicote às Olimpíadas de Moscou, depois da invasão soviética ao Afeganistão, deu na Perestroika. Caso tivesse vingado em Berlim, Hitler não teria sido humilhado por um corredor negro vencedor, demolidor da tese da superioridade ariana.

Wálter Fanganiello Maierovitch

fonte: Carta Capital

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