terça-feira, 18 de março de 2008

Baixar juros não resolve. Só moratória detém crise

por Carlos Drummond - fonte: Terra Magazine

As sucessivas reduções de juros pelo FED não vão funcionar, pelo receio de bancos emprestarem e de empresas e pessoas se endividarem. O equacionamento da crise atual, intensificada ontem com uma nova baixa generalizada das bolsas no mundo, passa por uma moratória dos devedores, avalia o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, em entrevista a este colunista. Belluzzo fala da ineficácia das regras da Basiléia e da promiscuidade das agências de avaliação de risco, que contribuiu para o desfecho atual.

O economista foi um dos primeiros a antecipar a crise atual, em artigo intitulado "Financeirização da riqueza, inflação de ativos e decisão de gastos em economias abertas", escrito em conjunto com o economista e atual presidente do BNDES, Luciano Coutinho. No texto, publicado em dezembro de 1998 na revista Economia e Sociedade, do Instituto de Economia da Unicamp, expõe com grande clareza as linhas gerais desencadeadoras do chorrilho de crises que eclodiram a partir da desrepressão financeira dos anos 70.

A entrevista é dividida em duas partes. Na primeira, o economista fala sobre as causas, não apenas do presente colapso, mas da sucessão de crises a partir da descompressão financeira dos anos 1970; da indiferenciação no atingimento dos países com fundamentos econômicos ruins e com fundamentos econômicos bons; da crise do fundo Long Term Capital Management - LTCM, o "São João Batista" da crise atual; da compreensão equivocada do que é liquidez ("muitos pensam na liquidez como um rio correndo para o oceano"); da ineficácia das regras da Basiléia.

Belluzzo esmiuça os mecanismos de mascaramento da má qualidade de boa parte das instituições e dos títulos de financiamento imobiliário americanos e a promiscuidade das análises das agências de classificação de risco, núcleo do problema no mercado de títulos. Descreve o lobby de instituições financeiras americanas para impedir uma legislação que restrinja a concessão de empréstimos a quem não pode honrá-los.

O economista aprofunda a crítica à maioria das análises atuais da "gororoba que os economistas chamam de Economia", fala da superioridade da visão do economista americano Paul Krugman em relação àqueles que acreditam na existência do investidor racional e dos mercados eficientes, "uma bobajada, nada que exista", e avalia que as sucessivas reduções de juros pelo FED não vão funcionar, pelo receio de bancos emprestarem e de empresas e pessoas se endividarem. O equacionamento da crise atual passa por uma moratória dos devedores, avalia Belluzzo.

Na segunda parte da entrevista, a ser publicada na próxima coluna, Belluzzo retoma a abordagem sobre a paralisia de bancos e de empresas e pessoas físicas no mercado de crédito: "como diz o vulgo, a liquidez empoça". Fala do brilho acadêmico de Ben Bernanke, presidente do FED, o banco central americano, e de como "avaliou mal a profundidade da crise no início".

O economista não tem dúvida, no entanto, de que o FED e o Tesouro americano "farão o necessário" para conter a crise, "independentemente do que possa parecer violação de contratos e regras". A crise, na etapa mais recente, alvejou os mais vulneráveis da sociedade americana, incluindo velhos, mulheres, jovens, negros e "imigrantes que mal sabem a língua", porque o ganho dos gerentes aumentava com o maior volume de operações e por conta da maquiagem da situação de instituições e de títulos feitas pelas agências de classificação de riscos.

"Instituições laçavam gente na rua", diz o economista, que explica como foi feito o "empacotamento" dos créditos de má qualidade, deliberadamente concedidos a quem jamais poderia honrá-los, e como se fez para que isso não impactasse a qualidade das carteiras de empréstimo.

Não houve só fraudes, no entanto. "Muita gente que é protagonista desse processo de multiplicação de ativos em cima dos créditos originais, não entendia exatamente o que estavam fazendo, não percebia que isso estava aumentando demasiadamente", observa Belluzzo. Ele questiona a eficácia da auto-regulamentação bancária e explica como, no caso do escândalo recente do banco francês Société Générale, apesar de tudo parecer certo, deu tudo errado para a instituição, devido à existência do mercado de balcão, que escapa às regras e "deveria ser proibido".

Vários estudiosos perceberam com antecipação vários dos problemas atuais da economia e a natureza das crises recentes, diz Belluzzo, citando o economista brasileiro José Carlos Braga, da Unicamp, o americano Hyman Minsky, estudado há mais de dez anos no Instituto de Economia da Unicamp e agora citado a todo momento, Ben Bernanke, Joseph Stiglitz e Victoria Chick. A matriz analítica comum vem de longe e é tributária de Marx e de Keynes: "tanto Marx como Keynes estudaram o capitalismo tal como está constituído e mostraram que o crédito alavanca o crescimento da economia e ao mesmo tempo gera a possibilidade da crise. Nos cursos de economia hoje, imagino que esses autores não sejam nem tocados", afirma Belluzzo.

Para ele, "os economistas durante anos disseram besteiras monumentais sobre a moeda, o crédito e as crises econômicas e financeiras". Na opinião de Belluzzo, Milton Friedman, um dos mais destacados economistas liberais, "trata a moeda como se ela pudesse ser jogada de helicóptero." Uma peculiaridade da crise atual é uma provável quebra de padrão: "O que está em questão, agora, não é só o problema do sistema financeiro americano, mas a possibilidade de se prosseguir com esse arranjo do que eu chamo de economia sino-americana".

Para Belluzzo, nesse momento o papel do dólar como moeda reserva universal está em questão e não se sabe se os americanos vão ter flexibilidade suficiente para abandonar esse privilégio. "Essa é uma questão que ultrapassa as fronteiras da economia. Isso já vira uma questão política", afirma.

A seguir, a primeira parte da entrevista.

Carlos Drummond - O senhor é cético em relação a previsões em economia e defende o estudo aprofundado das crises. O artigo escrito pelo senhor e pelo economista Luciano Coutinho na revista Economia e Sociedade, do Instituto de Economia da Unicamp, de dezembro de 1998 é visto, no entanto, como uma antecipação da crise atual e de outros colapsos ocorridos nos últimos anos.
Luiz Gonzaga Belluzzo -
Esse artigo é de 1997. É um texto acadêmico no qual nós mostrávamos qual é a dinâmica do ciclo financeiro depois da desregulamentação, quando o estoque de ativos financeiros começou a crescer muito rapidamente, até por ser fruto das ações dos bancos centrais que impediram as crises mais profundas e as desvalorizações de ativos.
Não houve, no século 20 - só depois da desregulamentação - nenhuma crise financeira importante, pelo menos até 1970. Ocorreram algumas crises localizadas: a de 1966, nos Estados Unidos, que foi uma crise de liquidez, facilmente abortada, seguida de um período de grande estabilidade nos mercados.
Depois da desregulamentação financeira, da expansão da chamada finança direta - que é a finança securitizada, em que predomina o crédito lastreado em securities ou títulos negociáveis no mercado -, portanto depois que se fez aquilo que se chamou de descompressão ou desrepressão financeira, é que as crises começaram a se suceder.

Ou seja, a partir de...
A partir de meados dos anos 70. E elas foram se intensificando. Considerando a segunda metade dos anos 80, como, digamos, uma linha divisória, quando as crises começam a se intensificar, há em seqüência a crise da bolsa americana, em 1987; a crise das savings & loans (instituições de poupança e empréstimo para financiar moradias constituídas durante a Depressão dos anos 30), que já é uma antecipação da crise atual, só que em menor escala, e que custou ao governo americano centenas de bilhões de dólares - alguns falam em 800 bilhões de dólares - e exigiu que ele criasse uma empresa especial para fazer a liquidação das dívidas e dos passivos das empresas que estavam no mercado de hipotecas, mas que começaram a reinar em outras partes.
Voltando um pouco atrás: o primeiro grande sinal foi, na verdade, a crise da dívida externa de 1982, dos países emergentes. Mas essa é um crise sobretudo bancária, que tem a ver com os bancos que financiaram os países em desenvolvimento na reciclagem dos petrodólares. O episódio tem a ver com o processo de securitização. O socorro do Federal Reserve e do Tesouro americano aos bancos, com auxílio do FMI, para disciplinar os devedores, foi, digamos, o primeiro passo para o processo de securitiração. Porque permitiu que os bancos, com o tempo, pegassem essas dívidas securitizadas e as vendessem no mercado.
A reestruturação da dívida brasileira, no início dos anos 90, foi possível porque já se havia dado início ao processo de securitização. Criou-se os chamados Brady Bonds, títulos com cotação diária nos mercados - aliás, recentemente eles andaram bastante valorizados.
Portanto a primeira crise, que abriu esse período de crises sucessivas, foi a crise da dívida externa. Depois veio o crash da bolsa americana em 1987, o ápice da crise das savings & loans, em 1989, e aí começa uma espécie de chorrilho de crises. Houve as duas crises do sistema monetário europeu, de 1992 e 1993; em 1994 ocorreu a crise dos bônus, porque Alan Greenspan, o presidente do FED, inopinadamente subiu os juros quando havia uma espécie de febre especulativa com os bônus, o que provocou prejuízos urbi et orbi; no final de 1995 houve a crise mexicana, que foi abortada com uma intervenção de última instância com fundos do Tesouro americano e do FED, que brecaram a crise e impediram que ela se alastrasse, mas não evitaram que produzisse efeitos muito ruins para o Brasil.
Estava claro que, em 1996 e 1997, quando do socorro prestado pelos bancos centrais para abortar as diversas crises, já estava se preparando a crise asiática. O curioso dessa crise é que nela entraram países que estavam com os seus fundamentos em ordem e outros que estavam com os seus fundamentos em desordem.
Ninguém foi poupado. A Coréia, por exemplo, tinha acabado de receber de uma missão do artigo 4º do FMI - que determina avaliações anuais da economia dos países-membros - uma avaliação muito boa.
Acontece que há um paradoxo, às vezes, nas crises financeiras. Quanto melhor as coisas parecem estar, pior vai ser o desfecho, porque isso aumenta a confiança dos investidores e aumenta também a propensão a tomar decisões imprudentes. No caso da Coréia, o país não tinha um déficit importante em conta-corrente, não estava com a sua moeda, o won, muito valorizada. No entanto, o fato de estar apresentando esta situação boa fez com que os bancos tomassem empréstimos a curto e emprestassem a longo prazo para financiar o boom da economia coreana. E foi exatamente esse descompasso entre prazos e moedas - toma-se a curto prazo, em dólar, e aplica-se a longo prazo, em won - que criou uma vulnerabilidade.
De fato, quando, em julho de 1997, a crise ocorre na Tailândia, que na verdade tinha um problema com a sua moeda, o bath, isso se espalha pela Ásia, atingindo inclusive a Coréia, porque existe o problema da indiferenciação, quando os agentes não distinguem mais quem está bem de quem está mal - e é por isso que ocorre o contágio.

Mas e os chamados fundamentos da economia, não fazem diferença? O país que está com fundamentos bons - como seria o caso do Brasil, hoje - não tem maior chance de resistir às crises econômicas e financeiras, como dizem muitos economistas?
Eu acho muita graça quando os economistas falam dos fundamentos. A Coréia tinha fundamentos ótimos; a Tailândia, péssimos; a Indonésia, também ruins. No entanto, entrou todo mundo na crise porque há um processo de contágio provocado pela reação de pânico que toma conta dos mercados.

O Brasil entrou na dança.
Sim, o Brasil entrou na dança, depois. Em 1997, 1998.

A Rússia também.
A seqüência foi assim: Ásia, Rússia, Brasil e a crise do LTCM - Long Term Capital Management (nome do fundo criado em 1993 nos Estados Unidos por expoentes da academia e das finanças e cuja quebra, em 1998, provocou um rombo de US$ 100 bilhões e abalou o sistema financeiro americano e europeu).

Aliás, há um livro que explica com clareza rara a crise do LTCM, escrito pelo jornalista americano Roger Lowenstein.
Esse livro é de fato muito claro. Na verdade, os criadores do LTCM são uma espécie de João Batista da crise atual, são os seus precursores. Porque eles apostaram na convergência de preços entre títulos americanos e títulos russos e foram pegos no contrapé, quando tiveram que atender à chamada de margem.
(A chamada de margem, por parte da câmara de liquidação de uma bolsa, é a solicitação, feita a um investidor, de complementação do dinheiro ali depositado como garantia mínima de uma operação em mercado futuro. A chamada visa compensar uma oscilação de preço do ativo negociado.)
No caso, quando os preços começam a divergir, ou seja, quando uma das pontas da operação começou a perder, a bolsa solicitou a complementação da margem de garantia.

Se bem que a explicação do Lowenstein é que a vaca foi para o brejo quando os administradores do LTCM começaram a aplicar na renda variável os mesmos modelos que utilizavam para operações em renda fixa.
É isso mesmo. Porque eles tinham um modelo para precificação de opções. Na verdade, o modelo não funcionou. Porque todos esses modelos supõem, em primeiro lugar, que os preços de muitos ativos não estão correlacionados, e, em segundo lugar, que as oscilações são relativamente brandas. Acontece que, quando ocorre a crise, os preços de todos os ativos estão correlacionados e as oscilações não são brandas. Então as flutuações tornam-se muito violentas.

A crise inutiliza a base utilizada para fazer as projeções de comportamento dos preços.
Inutiliza a base que eles têm e quando a oscilação é muito violenta a tendência é você se livrar dos ativos, tentar fazer liquidez. O problema é que muitos tentam fazer liquidez ao mesmo tempo. Todo mundo fala em liquidez e pensa que liquidez é igual a um rio correndo em direção...

Ao oceano...
Há crise de liquidez quando tem muita gente querendo vender e pouca gente querendo comprar. É o que está acontecendo agora. Os preços são formados no mercado e quando ocorre uma crise, eles despencam e isso gera um processo cumulativo de vendas que só pode ser contido pela ação dos bancos centrais. Até agora, os bancos centrais, os tesouros, as instituições internacionais conseguiram de certa forma impedir que as crises chegassem a um ponto de ruptura.
Mas, ao mesmo tempo, essa ação dos bancos centrais estimulou o que os economistas chamam de moral hazard ou risco moral. É a percepção de que se pode cometer as imprudências que quiser porque, no final das contas, como a possibilidade de se gerar uma crise sistêmica, nesse setor do sistema financeiro, é muito grande, o banco central vai ter que tomar providências para impedi-la. Então eles imaginam que há um limite para as perdas e que eles serão sempre socorridos.
O que aconteceu em 2001, por exemplo, é que, no momento em que Greenspan baixou os juros, os que ainda tinham liquidez nos bancos correram para os imóveis. Porque viu-se ali uma oportunidade de montar uma nova bolha. Esse é um caso típico de risco moral. Estimulou-se que reproduzissem, com requintes, aquilo que tinha ocorrido com a bolsa.
O que marca todos esses episódios? Na base disso está uma expansão imoderada do crédito que financia tanto posições em ativos reais como posições em ativos financeiros. Para voltar um pouco atrás: depois da crise de 1929, o que foi que fez o Glass-Steagal Act, de 1930 (dispositivo criado para conter a especulação financeira)? Separou os bancos comerciais dos bancos de investimentos, das corretoras e das savings & loans. Ou seja, segmentou o mercado, para impedir, sobretudo, que os bancos comerciais, que são emissores de moeda, se envolvessem com posições no mercado de capitais.

Mais tarde chamaram essa separação de chinese wall, uma muralha que nunca funcionou.
Nunca funcionou. O que aconteceu, a partir da desregulamentação dos anos 70, foi que se deixou, progressivamente, que os bancos comerciais começassem a entrar nos segmentos dos quais haviam sido apartados. Até se chegar à legislação de 1999, que criou os supermercados financeiros. Aí os bancos começaram a fazer o diabo.

O Acordo da Basiléia não funciona?
As regras da Basiléia são, na verdade, um conjunto de normas ineficazes. Estabelecem requerimentos de capital para cada tipo de empréstimo, e que são impostos aos bancos individualmente. Acontece que os bancos descobriram uma saída, que era originar o crédito, securitizá-lo e passá-lo para um Special Investment Vehicle. Os SIV são uma criatura dos bancos que tomavam crédito e repassavam, por exemplo, para um fundo ou um banco de investimento. Como o banco de investimento carregava isso? Emitia um commercial paper e com ele financiava a posição nessa securitie, em geral um CDO - Collateral Debt Obligation. Ou Collateral Loan Obligation, no caso das fusões e aquisições. Além disso, para obter das agências de classificação de risco o rating AAA, eles seguravam isso com uma monoline. As monolines são seguradoras de crédito que prestavam serviços para as municipalidades americanas.

Essas que estão quebrando agora.
Essas que estão quebrando.

Não souberam avaliar o risco corretamente.
Na verdade havia uma promiscuidade inaceitável entre instituições do mercado, como a seguradoras e as empresas de avaliação de risco, como mostrou um artigo muito interessante da Oxford Analytica. Porque quem paga a avaliação é o emissor...

O avaliado.
O avaliado. Quem deveria pagar é o investidor. Então você estabeleceu ali uma promiscuidade absurda.

Em todas as rating agencies.
Em todas as rating agencies. Entre as rating agencies e os bancos investimentos e os emissores dos papéis. Na verdade, quem levou na cabeça foi o investidor final.

A justiça de Nova York começou a investigar esse processo de promiscuidade nas avaliações de risco de instituições.
E, se houver independência nas investigações, terá que botar muita gente na cadeia. Porque houve muita fraude. Não sei se você sabe também, que as instituições financeiras de empréstimos para compra de imóveis montaram um lobby para impedir que alguns estados colocassem limites aos empréstimos feitos a clientes que não tinham capacidade de pagamento.
O Wall Street Journal, do Rupert Murdoch, denunciou isso, mas no Brasil, ninguém publicou. O que é uma vergonha. Em um artigo longo, o jornal mostrou que essas instituições financiaram deputados nas assembléias estaduais e senadores para evitar a aprovação de uma legislação que cerceasse a concessão de empréstimos para gente que não podia pagar. A concessão de empréstimos nessas condições tem um nome, que eu poderia traduzir como operações fraudulentas.
Uma parte dos liberais americanos passou o tempo todo acusando o FED de não tomar providências para impedir a manobra. Isso, que começou em 2004 e 2005, com grande intensidade, permitiu a alguns perceber que esse ciclo de imóveis ia terminar como terminou. Os empréstimos eram feitos com uma carência de dois anos e com juros teaser, que são juros reduzidos, que seriam reajustados depois de dois anos. Como iniciou em 2004-2005, em 2007 começou a estourar. E a tendência é que até aumente um pouco a inadimplência, nos próximos meses. Eu não vejo como tratar essa crise sem tratar dos devedores finais. Tem que haver uma espécie de reestruturação de dívidas, uma moratória.

Uma moratória generalizada?
Não sei se generalizada ou que faça uma segmentação por nível de renda. O problema é que entre os créditos com mais qualidade do que os subprime, também está crescendo a inadimplência. Portanto são dois problemas a resolver, do meu ponto de vista: o da disseminação forte da inadimplência, e o dos dealers, as instituições que intermediaram essas transações, sobretudo os bancos de investimento, que agora estão quebrando; e o fato de que a política monetária não está funcionando.
E não está funcionando por uma razão muito simples - que o economista Charles Kindleberger já explicou muitos anos atrás, e que o Paul Krugman retomou hoje, e que provavelmente muitos economistas que estudam essa gororoba que eles chamam de Economia não consideram -, é que, quando a crise chega aos bancos, há aquilo que o Keynes chamava de preferência pela liquidez. Isto é, você entope os bancos de reservas e eles simplesmente não emprestam porque não há nenhuma confiança em que os tomadores que se apresentam tenham capacidade de pagamento.
O temor de que a crise se generalize acaba generalizando a crise.
Ontem o Krugman escreveu um belo artigo no The New York Times em que diz, com grande simplicidade, que, quando os bancos centrais fazem uma operação de última instância e aumentam as reservas dos bancos, pretendem que eles voltem a emprestar e que, portanto, se restabeleça as condições de crédito e de liquidez da economia, e que aqueles que tomam os empréstimos voltem a gastar.
Ele explicou em pouquíssimas linhas qual é a concepção básica da relação entre crédito e demanda efetiva. Que é uma coisa que ficou perdida. Os economistas estão falando de outras coisas: do investidor racional, dos mercados eficientes, nada que exista na prática. É uma bobajada. O que ocorre é que o FED está fazendo intervenções maciças, está reduzindo os juros e isso não vai funcionar. Porque o núcleo dessa engrenagem, que é o sistema bancário, não vai na verdade dar o impulso suficiente. E não é só que os bancos se recusem a emprestar. As empresas mais saudáveis tentam se proteger e se negam a tomar empréstimos, a não ser para refinanciar posições devedoras que estão vencendo.

Carlos Drummond é jornalista. Coordena o Curso de Jornalismo da Facamp.

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