domingo, 16 de março de 2008

EM LIVRO SOBRE CHÁVEZ, AMERICANO DIZ QUE ELITE BRANCA NÃO SE CONFORMA EM RECEBER ORDENS DO GARÇOM

Por Luiz Carlos Azenha

O lançamento do livro Hugo, do repórter americano Bart Jones, faz parte do tênue revisionismo que está acontecendo nos Estados Unidos em relação a Hugo Chávez. O homem não é o tirano pintado pela mídia americana, diz o livro. Isso eu mesmo sei. Fui à Venezuela e não vi nada do que a mídia brasileira fala sobre ele. Tenho reparos à militarização do governo, à improvisação e à falta de alternativas no grupo de poder que ele representa. O presidente da Venezuela parece promover a ascensão do irmão, Adam. O autor lembra que John Kennedy trouxe o irmão Robert para um cargo importante no governo e o mundo não se acabou em críticas. E eu lembro das dinastias Bush e Clinton, para não falar em Sarney e ACM.

Porém, desde que Chávez assumiu, em 1998, houve mais de dez eleições e referendos no país. Todos os resultados foram respeitados, inclusive o da única derrota que ele sofreu, em 2007. Há plena liberdade de imprensa, de manifestação, de reunião, de ir e vir, de receber dinheiro americano para promover golpismo e assim por diante. Duvida? Vá lá.

Bart Jones viveu tanto em uma favela venezuelana quanto num bairro nobre. No livro, faz um trabalho equilibrado. Contextualiza as informações. Chávez está se armando? Sim, num quadro de ameaças concretas dos Estados Unidos. Comprou armas da Rússia? Sim, já que os Estados Unidos não só baniram as vendas de peças de reposição como evitaram que o Brasil e a Espanha vendessem armamentos à Venezuela. A Colômbia e o Chile, lembra ele, gastaram mais que a Venezuela comprando armas americanas. Quando se deu a guinada nas relações entre Washington e Caracas? Na passagem do governo Clinton para o governo Bush, com seus escancarados interesses petrolíferos.

O livro conta que, na manhã de 11 de abril de 2002, quando sentiu que corria risco de morrer no Palácio Miraflores, diante da rebelião cívico-militar com patrocínio americano que o afastou do poder por 72 horas, Chávez passou a mão no telefone e ligou para o então presidente Fernando Henrique Cardoso. O Brasil não reconheceu o governo golpista liderado pelo empresário Pedro Carmona. Em seu primeiro dia no poder, Carmona tomou café da manhã no palácio com os embaixadores dos Estados Unidos e da Espanha.

No dia 28 de dezembro do mesmo ano, quando um locaute promovido por empresários paralisou inclusive a produção de petróleo, chegou a Caracas um navio da Petrobras com 525 mil barris de gasolina. Foi uma gota no oceano, mas um importante sinal diplomático dado pelo Brasil, que vivia a transição do governo FHC para o governo Lula.

Três pontos do livro me chamaram especialmente a atenção.

1) Quando George W. Bush assumiu a Casa Branca, em 2001, levou de volta ao poder um trio que tinha sido essencial nas intervenções de Washington na América Central, especialmente nos anos 80: Otto Reich, John Negroponte e Elliot Abrams. Os três são acusados de dar cobertura ou incentivo ao terrorismo de estado em Honduras, Guatemala e El Salvador e de ter promovido a guerra civil na Nicarágua. Otto Reich também é acusado de dar cobertura ao terrorista Orlando Bosch, que planejou a derrubada de um avião cubano com 73 passageiros a bordo em 1976 e ainda assim conseguiu se refugiar nos Estados Unidos. Reich hoje dá consultoria em Washington. Negroponte é subsecretário de Estado. Abrams é sub-assessor de Segurança Nacional para Estratégia Democrática Global da Casa Branca. Os três incentivaram o golpe contra Chávez em 2002.

2) Um episódio importante para a mudança de posição americana em relação à Venezuela foi a visita que Hugo Chávez fez a Saddam Hussein em 2000. Chávez foi pessoalmente convidar todos os líderes da Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP) para um encontro da entidade em Caracas. A Venezuela é membro-fundador do grupo, junto com o Irã, o Iraque, o Kuwait e a Arábia Saudita. Chávez conseguiu a proeza de promover a primeira reunião da OPEP desde 1975, que resultou na fixação de uma banda de preço para o barril entre 22 e 28 dólares. Quando Chávez venceu a primeira eleição, em 1998, o petróleo venezuelano mais barato era vendido a 7 dólares e 66 centavos. No encontro Chávez fez uma comparação que ficou famosa nos países produtores: "Um barril de Coca-Cola custa U$ 78,80; um barril de leite, U$ 150; um barril de gelo, U$ 1.105 e um barril de vinho bom, U$ 1.370."

3) Parte da oposição a Chávez é baseada pura e simplesmente no racismo. Eu havia subestimado isso, mas o autor enfatiza que o delírio da oposição venezuelana tem forte relação com rejeição de classe e racismo contra um mestiço. Bart Jones deve saber melhor do que eu, já que viveu oito anos na Venezuela. Ele diz que causa engulhos nos empresários venezuelanos a simples idéia de obedecer a alguém que, se fosse desconhecido e entrasse numa festa da elite, seria imediatamente chamado para limpar a mesa e servir a bebida.

Por Luiz Carlos Azenha - Fonte: Vi o Mundo


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