Fábio Pozzebom/Agência Brasil Tereza Mata Pires ampara a mãe, Arlette, no enterro de ACM, em julho de 2007. Embaixo, ACM Júnior e ACM Neto. |
por Claudio Leal
A briga da família de Antonio Carlos Magalhães, em torno do espólio do líder baiano, ganha ares novelescos a cada movimento judicial e político. Mas os capítulos anteriores dessa disputa permanecem com pontos de sombra.
Uma regressão, passo a passo, pode esclarecer o capítulo vindouro, no qual se espera o ressurgimento da herdeira Tereza Helena, casada oficialmente com o dono da constutora OAS, César Mata Pires, um dos protagonistas desta história.
Até ser internado no Incor, em São Paulo, ACM estava afastado da filha e do genro. Não perdoou a ausência do casal na missa em memória do ex-deputado Luis Eduardo Magalhães, irmão de Tereza, em 2005.
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Temperamento sangüíneo, Antonio Carlos isolou-os do restante da família. Na UTI do Incor, voltou a estender a mão à filha e reatou com César, num desfecho aparentemente feliz.
Em 28 de agosto de 2007, o inventário foi aberto na 14ª Vara de Família. Dele nasceram rusgas públicas. A herança, porém, não é o foco principal da briga, ainda que se estime o prazer de ter um Portinari à sala de jantar.
Avaliada em R$ 300 milhões, a Rede Bahia atiçou a rivalidade de César Mata Pires. A rede enfeixa 15 empresas, entre as quais, uma construtora (Santa Helena), duas emissoras de rádio, sete emissoras de TV (seis abertas, uma fechada), o jornal Correio da Bahia e um portal de Internet (IBahia.com).
Mídia, ambição e poder se uniram na batalha judicial pelo controle do grupo. Aprofundou-se uma trama "inestética", para usar o palavreado do sacerdote da família, monsenhor Gaspar Sadoc. À história.
Primeiro lance
Com a morte de ACM, César Mata Pires moveu a primeira peça no xadrez: marcou uma conversa com Luis Eduardo Magalhães Filho, o herdeiro do ex-presidente da Câmara Federal. Queria fechar uma aliança.
A portas fechadas, o canto de sereia.
Luis Eduardo, o Duquinho, ouviu duas propostas do tio. Não há mistério quanto à primeira: dinheiro, muito dinheiro, numa jogada arriscada para controlar o grupo. Se comprasse as ações dos irmãos Luis, Paula e Carolina, dominaria os demais acionistas e subiria alguns degraus na escala de poder.
A segunda oferta tinha destino certo: a vaidade. César o estimulou a candidatar-se a deputado federal, garantindo apoio financeiro.
Duquinho teria se assustado com a impetuosidade de Mata Pires. "Não me interessa ser deputado, não é meu projeto", rejeitou. E propôs uma conversa dele com o tio.
Bloqueada a manobra inicial, César cumpriu a jogada mais arriscada: marcou uma reunião com ACM Jr., senador, professor de Administração da Universidade Federal da Bahia e diretor das empresas da família.
Diante de Júnior, argumentos milimétricos e ofertas semelhantes àquelas feitas a Luis Eduardo - adaptadas ao perfil do interlocutor. Meticuloso, dado à discrição no comando dos negócios, ACM Jr. ouviu o cunhado com ceticismo.
César quis comprar o controle da empresa. O cunhado refugou a proposta. Mata Pires sinalizou então a ACM Neto o apoio financeiro às suas campanhas e uma mesada de R$ 100 mil. Esta ofensiva foi considerada "agressiva" e "antiética" por ACM Jr.
União estratégica
Num acordo fechado às pressas, Luis Eduardo e as irmãs, Paula e Carolina, se aliaram ao tio para preservar a empresa. Passaram a somar 66,6% das ações.
No tabuleiro baiano, o acordo dos "2/3" era uma resposta óbvia às investidas do "inimigo". Havia somente uma peça incerta: Tereza. Mas, antes dela, os negócios.
Em janeiro, irritado com a união familiar, César conquistou duas liminares contra a Bahiapar, mais tarde revertidas pela holding. Em seguida, 15 cartas com solicitações do dono da OAS caíram sobre as mesas da diretoria. Foram respondidas, rapidamente, para não legitimar uma investida do sócio.
Em meio a tumultos vários, os Magalhães iniciaram a reforma do jornal Correio da Bahia, historicamente um instrumento político do ex-senador Antonio Carlos Magalhães. Em fevereiro, trocaram o diretor de redação e apresentaram um novo projeto editorial aos jornalistas.
Aguardava-se o próximo e espinhoso diálogo entre ACM Jr. e César Mata Pires.
"Inimigos mortais"
No dia 3 de março, segunda-feira, tocou o telefone de Júnior. Terra Magazine apurou o conteúdo da conversa, reconstituída em suas palavras nucleares.
- Vamos evitar essa briga - disse César. - Venham a São Paulo, tenho um acordo a fazer.
- Vai ser difícil ir hoje a São Paulo - retrucou o senador. Mas um acordo me interessa. Essa desavença não é boa pra mim, não é boa pra Neto, que é candidato a prefeito, nem é boa pra OAS. Mas hoje não dá. Vamos marcar para outra data.
(ACM Neto se encontrava em Brasília; Luis Eduardo, no Rio de Janeiro).
O acordo de cavalheiros ruía a meio caminho. César explodiu:
- Você não encara essa questão como de suma importância! Saiba que eu tenho os melhores advogados e vocês podem virar meus inimigos mortais!
Fim da ligação. ACM Jr. entra em contato com o executivo da construtora OAS, Léo Pinheiro. "Controla aí o César", pediu o senador. Léo propôs:
- Você quer que a gente lhe mande o documento?
Veio por fax. Junto com Luis Eduardo, avaliou uma proposta de dez itens. Vetaram todos os pontos, por considerá-los "prejudiciais" à empresa. Na leitura jurídica, um palito de fósforo só poderia ser riscado com a aprovação das três partes. Nova porta fechada.
Em São Paulo, Tereza Helena deu uma cartada.
Quadros, santos, paliteiro...
Emparedados, Tereza e César estenderam o conflito ao inventário de ACM. Na definição de ACM Jr., uma "briga empresarial" se tornou "pessoal". De verdade, nasceu pessoal, se tornou empresarial e terminou por atingir uma personagem até então intocável nos conflitos familiares e nas crises enfrentadas por ACM.
Entra em cena a viúva Arlette Magalhães, detentora de 62,5% da herança. Ex-primeira-dama da Bahia, Arlette tem uma vida reservada em Salvador. Não dá entrevistas à imprensa. Freqüenta missas e alguns poucos amigos. Ela vem da aristocracia dos cacauicultores do Sul baiano: os Maron. Era rica, antes mesmo do casamento.
Os baianos podem se lembrar da expressão de Arlette nos enterros dos filhos Ana Lúcia e Luis Eduardo; de memória, no entanto, não se recordam do tom de sua voz.
Em 5 de março, Tereza entrou com uma ação contra o inventário; adiante, pediu o arrolamento dos bens deixados pelo pai. Na mira, a mãe - atrás dela, quadros de Portinari, Di Cavalcanti, Pancetti, Djanira, Carybé; a coleção de santos barrocos; e outras relíquias, a começar pelo famoso paliteiro de prata, presente de Lúcia Flecha de Lima (a embaixatriz, dizia ACM, deu-lhe refinamento para recepcionar chefes de Estado, reis, rainhas e banqueiros).
O restante da história é conhecido até pelos anjos dourados da Igreja de São Francisco: no dia 11 de março, um oficial de Justiça, acompanhado da Polícia Militar, entrou à força na cobertura triplex do edifício Stella Maris, no bairro da Graça, em Salvador. Na véspera, por resistência da família, a ordem judicial não fora cumprida. Ao saber da movimentação, Júnior retirou a mãe de casa.
Tereza suspeitava de um acordo entre Arlette, o irmão e os sobrinhos, na partilha de bens. Daí a referência feita por seu advogado, na nota pública de 13 de março, a atitudes tomadas para "afastar Tereza da comunhão de interesses no patrimônio comum e seu esposo César, da administração e do centro de decisões das empresas pertencentes aos integrantes da família".
Sumiço duplo
Os Magalhães (lado A) devem entregar à Justiça, no início desta semana, o levantamento completo do acervo de ACM. Na sexta, em contra-ataque, doaram à mãe todas as obras de arte a que teriam direito.
A reportagem procurou César Mata Pires nas sedes da OAS de São Paulo e de Salvador. Recebeu a informação de que ele se encontra no exterior, embora familiares suspeitem de sua presença na Bahia. Na sexta-feira (14), às 21h, o advogado Sylvio Garcez não quis comentar a doação das obras a Arlette. Onde está seu cliente? "Não sei".
Em resposta à nota pública do advogado André Barachisio Lisboa, na qual Tereza denuncia o sumiço de bens, ACM Jr. e Luis Eduardo Magalhães Filho decidiram abrir um processo por calúnia e difamação.
A família pediu ainda o afastamento da juíza auxiliar da 14ª Vara da Família, Fabiana Andrea - mulher do deputado federal Nelson Pellegrino (PT-BA) -, que autorizou a diligência no apartamento. Na argüição, citaram "vínculos" de amizade do petista com o dono da OAS. Pré-candidato a prefeito de Salvador, Pellegrino ressalta a autonomia da mulher em suas decisões jurídicas.
Santos sem preço
Na imprensa, o cálculo do valor dos bens de ACM vai de R$ 400 milhões a R$ 500 milhões. Terra Magazine apurou, em 11 de março (leia aqui), que esses cálculos não procedem. Avaliada em R$ 300 milhões, a Rede Bahia está em nome dos filhos e netos; logo, não pode ser incluída no inventário. Amigos da família estimam, por alto, uma fortuna de R$ 30 milhões.
A declaração de bens apresentada por ACM ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), em 2002, reforça essa estimativa. À época, o ex-senador declarou um apartamento em Salvador e outro no Rio de Janeiro (Av. Vieira Souto); um terreno em Madre de Deus (BA); uma casa e um lote em Brasília.
Listou ações da Petrobras, Banco do Brasil, Banco Econômico, Vale do Rio Doce e Transworld & Trust Limited, além de pequenas participações em empresas da família - nenhuma delas da TV Bahia ou da Bahiapar. ACM não esqueceu de citar a coleção de "santos antigos brasileiros", "quadros de pintores nacionais" e "objetos de prataria antiga"; mas nada individualizado e avaliado.
Para chegar a 400 milhões, os números choram. Mas outros valores, sentimentos e objetos - sabem os orixás -, são suficientes para aquecer essa briga. A honra, o poder ou um paliteiro de prata.
fonte: Terra Magazine
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