sexta-feira, 21 de março de 2008

Páscoa, política e quixotismo


Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje (21/03/2008) no Correio Braziliense.

Na era da informação abundante e disponível, políticos precisam apresentar-se como são. E trabalhar (e rezar) para que seus defeitos e fraquezas operem, paradoxalmente, como alavancas de liderança

Por Alon Feuerwerker
alon.feuerwerker@correioweb.com.br

Tomo a liberdade de, neste feriado, sugerir aos leitores da coluna que assistam ao discurso feito três dias atrás por Barack Obama na Filadélfia, Pennsilvanya. Está no endereço http://www.youtube.com/watch?v=pWe7wTVbLUU (“A more perfect union”). O pré-candidato do Partido Democrata falou para tentar neutralizar os efeitos negativos da exploração de sermões racialmente incendiários, produzidos pelo pastor negro da igreja que Obama freqüenta. Para quem prefere o inglês lido ao falado, a íntegra do discurso está disponível no endereço http://my.barackobama.com/page/content/hisownwords/.

Espero que alguém faça rapidamente uma boa tradução para o português. É uma peça indispensável para quem procura estar atento às transformações da comunicação política na era da informação abundante e facilmente disponível. Não é possível saber se Obama vai vencer a corrida presidencial nos Estados Unidos. Nem se, ao menos, conseguirá a indicação de seu partido para disputar contra o republicano John McCain. As últimas pesquisas indicam que o vetor do ódio racial, introduzido na campanha eleitoral pela outra pré-candidatura democrata, Hillary Clinton, está a fazer efeito.

Mas isso é o de menos. O alcance da fala de Obama na Filadélfia independe de quais serão os resultados eleitorais da corrida à Casa Branca. Ela aponta para a mudança tendencial de um paradigma da comunicação. Ela rompe com a premissa segundo a qual, como diria um ex-ministro da Fazenda do Brasil, afinal defenestrado, “o que é bom, a gente mostra; o que é ruim, a gente esconde”. A verdade é que está cada vez mais difícil para os políticos esconderem coisas desagradáveis a respeito deles próprios.

Mesmo que políticos possam contar temporariamente com blindagens providenciais, esse tipo de proteção mostra-se frágil diante da pulverização não apenas do acesso, mas da possibilidade prática de produzir material informativo e distribuí-lo. Na era da informação abundante e disponível, pessoas públicas precisam apresentar-se como são. E trabalhar (e rezar) para que seus defeitos e fraquezas operem, paradoxalmente, como alavancas de liderança.

Foi o que Obama tentou fazer. Em resumo, ele não renegou os elos com o pastor incendiário. Procurou, sim, desvincular-se das opiniões do religioso. Mas notou, e estes foram os pontos centrais de seu discurso, que 1) não pode nem vai romper com suas raízes pessoais e familiares e que 2) se a sociedade americana deseja enfrentar os perigos estruturais que a ameaçam, não deve fazer de cada campanha eleitoral um culto ao diversionismo, uma apologia da divisão, uma conclamação à destruição do diferente.

Impossível não fazer o paralelo com o Brasil. O Rio de Janeiro sofre com uma epidemia de dengue. Diante do fato, as autoridades federais parecem mais preocupadas em lançar o problema na conta de um adversário político, o prefeito César Maia (DEM), do que em encontrar uma saída compartilhada para o problema. A estratégia do Planalto é ficar bem longe do ônus. Já na esfera da educação, os responsáveis federais nos informam que daqui a duas décadas as crianças brasileiras sairão da escola sabendo ler, escrever e fazer contas. E, como os responsáveis pela área são politicamente competentes, ninguém cobra que o cronograma seja, digamos assim, acelerado. Até porque filho de político, empresário e jornalista não estuda mesmo em escola pública.

Talvez seja desse tipo de esperteza política que devamos nos livrar. Eu admito, de todo modo, que a minha abordagem possa ser considerada ingênua. Naive, como diriam os americanos. Ou quixotismo. Pouco importa. Talvez a coluna tenha sido escrita sob excessiva inspiração da Páscoa cristã. A história da cristandade é um ótimo exemplo de que nem sempre o sucesso político imediato é garantia de que se está no bom caminho. Jesus Cristo pode ser considerado alguém que à sua época foi politicamente derrotado. Apesar disso, dos personagens envolvidos no episódio que resultou na crucificação, ninguém produziu idéias de maior permanência.

Sempre se poderá argumentar que Barack Obama chegou ao discurso da Filadélfia premido pelas circunstâncias. É possível. Mas, como fez notar em seu discurso, ele poderia ter contornado o problema da intolerância racial, esperado que o fato se diluísse na campanha. Poderia ter se vitimizado. Seria a saída mais natural. Não o fez. Como eu disse antes, nada garante que o gesto corajoso lhe trará frutos políticos imediatos. Ainda assim, não há muita dúvida de que a ousadia já lhe abriu uma ampla avenida na História dos Estados Unidos.

fonte: Blog do Alon

obs: o discurso de Barack Obama, acima citado, já se encontra traduzido neste blog, num post mais abaixo.

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