sexta-feira, 21 de março de 2008

A defesa de Greenspan

por Luiz Gonzaga Belluzzo

No calor da turbulência que sacudiu os mercados na segunda-feira 17, a Folha de S.Paulo e o Valor Econômico publicaram um artigo revelador de Alan Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve. O “maestro” da finança e da moeda ensaia restaurar a sua reputação, alvejada pelos disparos da crise imobiliária.

Greenspan descarrega sobre os ombros dos modelos de risco uma parte importante da carga de responsabilidade pela eclosão da crise. Os modelos de risco são utilizados por bancos e demais instituições financeiras para proteger o valor de seus portfólios. Eles supõem condições de volatilidade consideradas “normais” e inexistência de correlação entre os preços dos ativos. Paul Samuelson observou que, dados os supostos acima, os mercados financeiros competitivos seriam “eficientes” do ponto de vista microeconômico, porquanto as divergências de preços entre ativos da mesma classe podem ser eliminadas pela arbitragem. No entanto, são “ineficientes” do ponto de vista macroeconômico, porque as bolhas afetam “todos” os ativos da mesma classe e não há possibilidade de arbitragem.

Os fundamentos microeconômicos da racionalidade individual entram em contradição com as idiossincrasias do comportamento coletivo dos investidores, marcado por processos miméticos de formação de expectativas. Uns se apóiam nas expectativas dos outros. “Pra baixo todo santo ajuda, pra cima a coisa toda muda”, reza o refrão.

Presidente do mais importante banco central do planeta, gestor da moeda demandada como reserva, Greenspan dirigiu as finanças globais com pragmatismo interessado, sempre favorável ao mundo da finança desregulada. Recusou-se a adotar medidas para disciplinar o crédito e rejeitou o controle da utilização desenfreada de derivativos de balcão, fora dos mercados organizados. Acumpliciado com as autoridades encarregadas da supervisão dos bancos e demais instituições de crédito, deu curso e incentivo aos desatinos dos “inovadores” de Wall Street. A revista The Economist, com perfídia digna dos habitantes da Albion, já havia lhe conferido, anos atrás, o prêmio Soprador de Bolhas.

“Muitos economistas dizem”, informa o Wall Street Journal, “que os sucessivos cortes na taxa de juro de curto prazo para 1%, em meados de 2003, e a sua manutenção por um ano ajudaram a soprar a bolha imobiliária que agora está a estourar.” Greenspan imaginou que a recuperação da economia nasceria da retomada dos investimentos e não da ampliação do consumo. Mas os juros baratos produziram efeitos imperceptíveis sobre o investimento das empresas nos Estados Unidos. As despesas de capital foram contidas pelo excesso de capacidade criada no período de euforia dos anos 90 e pela rápida redução do endividamento das companhias, sem falar na migração das empresas para a China.

Complacente com a bolha no mercado de ações americano na segunda metade dos anos 90, Greenspan tolerou a disseminação da “exuberância irracional” para outros mercados. A bolha insuflada pela liquidez generosa contaminou o mercado de bônus e, sobretudo, o crédito imobiliário e seus derivativos, as commodities e as moedas de países emergentes.

Greenspan tem razão ao afirmar que no capitalismo as decisões sobre a posse da riqueza são movidas pelos “espíritos animais” e supõem a especulação permanente a respeito do futuro, o que envolve a contínua reavaliação do presente. Tais decisões estão apoiadas no crédito e se baseiam, portanto, num certo “estado de confiança”, isto é, não há fundamentos que possam livrá-las da incerteza e da possibilidade do risco sistêmico. Apoiados em convenções e constrangidos pela concorrência, os detentores de riqueza não podem escapar dos estados de euforia e de apetite pelo risco, que, não raro, culminam na decepção, na crise e na desvalorização da riqueza.

Em todas as crises recentes, o descontrole da manada só foi aplacado com intervenções públicas de suporte de liquidez, que visavam e visam impedir a generalização da queda de preços para outros ativos. A intervenção salvadora dos bancos centrais, sem dúvida, corre o risco de fortalecer a crença de que as tropelias dos investidores estarão sempre a salvo de perdas pronunciadas e definitivas. As eventuais crises seriam momentâneas, apenas oportunidades em que se apresentariam pontos de compra convidativos para o início de uma nova temporada de alta generalizada. Os gênios da finança, à beira da quebra, justificam o uso ilimitado da grana governamental para salvá-los, mas torcem o nariz para a proposta de reestruturação das dívidas que sufocam as famílias americanas.

fonte: Carta Capital
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