Por Marcela Valente, da IPS
Bariloche, Argentina, 03/10/2007 – Sob o guarda-chuva do desenvolvimento e da integração, estradas, pontes, represas, gasodutos, portos e outras obras de infra-estrutura se expandem pela América do Sul, muitas realizadas sem levar em conta zonas protegidas que abrigam recursos biológicos únicos e culturas extremamente vulneráveis. “A colonização na América Latina se fez historicamente na periferia, mas agora assistimos a uma segunda onda que se dirige ao coração do continente”, disse à IPS o argentino Jorge Cappato, coordenador de um simpósio que analisou a incidência dos megaprojetos em áreas sob proteção e ecossistemas críticos.
Este simpósio aconteceu por ocasião do II Congresso Latino-americano de Parques Nacionais e Outras Áreas Protegidas, que reúne mais de dois mil acadêmicos, ambientalistas e delegados governamentais desde domingo até sábado próximo em San Carlos de Bariloche, 1.600 quilômetros a sudoeste de Buenos Aires. Em dois painéis muito concorridos, os congressistas apresentaram estudos sobre o impacto das obras, a maioria delas realizadas dentro da Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul-americana (IIRSA), um programa lançado na cúpula de 2000 em Brasília.
O IIRSA pretende avançar na integração física da região mediante cerca de 400 projetos de transporte, energia e telecomunicações nos 12 países sul-americanos, a um custo que supera os US$ 38 bilhões. Algumas das obras estão em pleno desenvolvimento e outras ainda encontram-se no papel. Ernesto Raez Luna, da organização Conservação Internacional do Peru, disse que a rodovia interoceânica sul em seu país, que vai do Brasil ao litoral do Pacifico, cruza a selva amazônica em áreas de grande biodiversidade e afeta oito zonas protegidas. “Sessenta e dois por cento da Reserva Nacional Tambopata foi desmatada para este projeto”, ressaltou.
Por sua vez, Alberto Barandiarán, da organização Direito, Ambiente e Recursos Naturais do Peru, explicou que 68% da Amazônia desse país têm terrenos de exploração de hidrocarbonos. “Há 20 desses lotes que se superpõem com áreas protegidas, dos quais 12 foram concedidos de forma ilegal”, denunciou. Por sua vez, Leonardo Colombo Fleck, da Bolívia, destacou o impacto econômico, social e ambiental da estrada que cruza o Parque Nacional Madidi, o de maior biodiversidade em seu país. Segundo estima, além de ter custos ambientais o projeto tampouco é sustentável economicamente.
“Mas já não é só a IIRSA”, disse Capapto. “Há outras iniciativas nacionais e regionais, como o programa de aceleração do crescimento econômico (PAC) no Brasil, que contém projetos cujos padrões ambientais procuram ser salvos rapidamente para garantir obras de um suposto desenvolvimento ou uma suposta integração”, acrescentou. Para Cappato, que preside na Argentina a Fundação Proteger, o desenvolvimento e a integração são necessários “sempre que avançarem em harmonia com o meio ambiente e melhorarem a qualidade de vida das comunidades locais”. Porém, em alguns casos se arrasa a agricultura familiar e outras formas de economia local, denunciou.
Em um dos painéis foi apresentada uma pesquisa intitulada “Uma tempestade perfeita na Amazônia”, sobre o impacto da IIRSA nessa região, elaborada por Thimothy Killeen, um biólogo norte-americano residente na Bolívia, e parte do Centro de Estudos Aplicados da Biodiversidade, da organização ambientalista Conservação Internacional. Em conversa com a IPS, Killeen explicou que o livro “evita juízos de valor” sobre a IIRSA e descreve os processos de produção de camponeses e produtores agropecuários da Amazônia, alguns muito racionais, afirma. “Nós ambientalistas temos a tendência de endemoniar, e na verdade devemos entender o que acontece”, afirmou.
“Há um mito em nossa área que indica que a agricultura e a pecuária na Amazônia são insustentáveis no tempo, mas, não é assim. A tecnologia permite investimentos para 30 ou 30 anos. O desmatamento ali produz riqueza e, se queremos conseguir propósitos de conservação, temos de conhecer esta realidade”, destacou. A Amazônia tem 6,6 milhões de quilômetros quadrados, a maior parte no Brasil, mas também se estende por Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela, Guiana, Guiana Francesa e Suriname. Do total da superfície, 45% são áreas protegidas ou territórios indígenas.
O trabalho de Killeen sugere que o programa da IIRSA em seus princípios é “visionário”, e acrescenta que “se trata de uma iniciativa prática de integração física do continente”. Entretanto, advertiu que muitos investimentos acontecerão sobre “ecossistemas e culturas extremamente vulneráveis à mudança”. Também alertou que os estudos de impacto ambiental realizados por organismos multilaterais que financiam as obras são insuficientes e estão vinculados a projetos individuais, sem levar em conta o impacto conjunto dos investimentos. A “IIRSA deve incorporar medidas para evitar o minimizar os impactos mais nocivos”, ressaltou Killeen.
Dos 10 corredores projetados na Amazônia, nove cruzam a Área Silvestre de Alta Densidade, uma zona que fornece ao mundo reservas de carbono para mitigar a mudança climática, recursos hídricos e regulagem climática. Algumas das regiões afetadas contêm “um número extraordinariamente alto de espécies que não se encontram em nenhum outro lugar do planeta”, disse o biólogo. Por isso, “está em risco a área silvestre maior do mundo, que proporciona serviços ecológicos a comunidades locais, regionais e ao mundo inteiro. Lamentavelmente, a IIRSA foi concebida sem se prestar atenção aos seus possíveis impactos e deveria incorporar medidas para garantir que os recursos naturais renováveis da região sejam conservados e que as comunidades tradicionais se fortaleçam”, reclamou.
Entre as propostas de Killeen, está a de desenvolver programas que em lugar de premiar o que desmonta, se evite que isso aconteça. Segundo suas estimativas, os governos poderiam subsidiar ciclos mais longos de corte para o desmatamento, ou aproveitar o novo mercado de bônus de carbono. “O ativo maior e ainda não explorado da Amazônia é constituído por reservas de carbono, calculadas em um valor de US$ 2,8 bilhões se forem transformados em dinheiro nos mercados atuais”, afirmou. Se os países amazônicos reduzirem em 5% ao ano durante 30 anos sua taxa de desmatamento atual conseguirão uma queda das emissões de gases causadores do efeito estufa, que pode se traduzir em crédito para atender as necessidades de saúde e educação de mil municípios dessa região.
(Envolverde/ IPS)
Por Redação da Conservação Internacional - Brasil
Novo estudo apresenta soluções para conciliar desenvolvimento e necessidades de conservação.
Bariloche - Um plano de desenvolvimento sem precedentes para ligar as economias da América do Sul através de novos projetos de transporte, energia e telecomunicações poderia destruir grande parte da floresta tropical amazônica nas próximas décadas, de acordo com um estudo realizado pelo cientista Tim Killeen, da Conservação Internacional (CI). Contudo, Killeen informa que este resultado desastroso poderá ser evitado caso sejam tomadas algumas medidas para conciliar as expectativas legítimas de desenvolvimento com a necessidade de conservar o ecossistema amazônico, de relevância mundial.
Killeen produziu um relatório de 98 páginas, intitulado “A Perfect Storm in the Amazon Wilderness: Development and Conservation in the Context of the Initiative for the Integration of the Regional Infrastructure of South America (IIRSA) [Uma Tempestade Perfeita na Selva Amazônica: Desenvolvimento e Conservação no Contexto da Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul-americana (IIRSA)]”. O estudo traz abordagens pragmáticas para a resolução do eterno paradoxo entre o desenvolvimento econômico e a proteção ambiental.
O cientista, que trabalhou na região amazônica por 25 anos, apóia plenamente o plano da IIRSA, que compreende 12 nações e busca a meta histórica de superação dos obstáculos geográficos da selva amazônica para conectar as economias isoladas da região. Os investimentos da IIRSA integrarão malhas rodoviárias melhoradas, hidrovias, represas de hidrelétricas e redes de telecomunicações por todo o continente – especialmente nas regiões mais remotas e isoladas – para permitir o aumento do comércio e a criação de uma comunidade sul-americana de nações.
A análise de Killeen indica que os projetos de desenvolvimento da IIRSA coincidirão com o crescimento das pressões sobre o ecossistema amazônico e suas comunidades tradicionais. Dentre estas pressões encontram-se a mudança climática, a exploração madeireira, o desflorestamento para a agricultura e a exploração mineral, bem como o iminente boom dos cultivos para biocombustíveis, tais como a cana-de-açúcar.
“A falta de percepção do pleno impacto dos investimentos da IIRSA, especialmente no contexto da mudança climática e de mercados globais, poderá produzir uma tempestade perfeita de destruição ambiental”, diz Killeen. “A maior área de floresta tropical do planeta e os múltiplos benefícios que ela proporciona estão em cheque”.
O estudo aponta três cenários possíveis para o futuro da região amazônica, e alerta que os projetos de infra-estrutura que forem desenvolvidos sem análises oportunas e minuciosas dos impactos ambientais provocarão os piores cenários – desmatamento generalizado e o eventual desaparecimento da floresta amazônica dentro de três ou quatro décadas.
“Nossa esperança é a de que este documento estimule a IIRSA a tornar-se uma iniciativa ainda mais importante e relevante, uma iniciativa que incorpore a visão de uma Amazônia ecológica e culturalmente intacta”, escreve Gustavo Fonseca, líder da área de recursos naturais do Fundo Global do Meio Ambiente (GEF - Global Environment Facility), no prefácio da publicação. “A América do Sul tem um enorme incentivo econômico para conservar os serviços dos ecossistemas proporcionados pela Amazônia, juntamente com a consecução da real e efetiva integração regional. Estas metas não são mutuamente exclusivas.”
De acordo com Killeen, a destruição da Amazônia em conseqüência dos atuais projetos planejados pela IIRSA teria um impacto profundo e de longo alcance. A bacia do rio Amazonas é a maior reserva mundial de água doce, sendo que a vasta selva amazônica regula o clima continental, produzindo a precipitação anual que irriga a multibilionária indústria agrícola da bacia do rio da Prata até o sul. O corte e a queimada da floresta amazônica poderão prejudicar seriamente esta indústria, e também destruir os vastos ecossistemas que abrigam os povos indígenas. Poderão também aniquilar as mais ricas reservas planetárias de vida terrestre e aquática doce, e poderá exacerbar o aquecimento global através da liberação na atmosfera de enormes quantidades de carbono contidas na biomassa da floresta tropical – estimadas em cerca de vinte vezes as emissões mundiais totais de gases do efeito estufa.
Killeen argumenta que isso não é inevitável. Ele observa que a floresta amazônica intacta poderá gerar bilhões de dólares em créditos de carbono no sistema de mercado que está sendo negociado em sucessão ao Protocolo de Kyoto. Os cultivos para biocombustíveis, tais como a cana-de-açúcar, poderão ser plantados nos 65 milhões de hectares de terras já desflorestadas, ao invés de abater mais florestas para novas plantações. Ele também defende outras soluções ambientalmente amistosas, como por exemplo a piscicultura, que utilizaria os abundantes recursos hídricos da Amazônia para criar oportunidades econômicas aos pequenos produtores e gerar uma receita de milhões de dólares.
“Uma iniciativa visionária como a IIRSA deveria ser visionária em todas as suas dimensões, e deveria incorporar medidas visando garantir que os recursos naturais renováveis da região sejam conservados e que suas comunidades tradicionais sejam fortalecidas,” escreveu Killeen. O estudo na íntegra, fotos e vídeos da região amazônica estão disponíveis mediante solicitação, juntamente com depoimentos do autor Tim Killeen gravados em vídeo.
Contatos:
Tim Killeen: Pesquisador Sênior, + 1 703-341-2724 (em Bariloche, no Hotel Panamericano - + 54 29 4442 5850 - durante o II Congresso Latino Americano de Parques e Outras Áreas Protegidas), tkilleen@conservation.org
Isabela Santos: Diretora de Comunicação, (em Bariloche, no Hotel Panamericano - +54 29 4442 4628 durante o II Congresso Latino Americano de Parques e Outras Áreas Protegidas), isantos@conservation.org
Susan Bruce: Diretora de Mídia Internacional, +703-341-2471, (em Bariloche, no Hotel Panamericano - + 54 29 4442 5850 - durante o II Congresso Latino Americano de Parques e Outras Áreas Protegidas), sbruce@conservation.org
A Conservação Internacional (CI) aplica inovações da ciência, economia, política e participação comunitária à proteção das regiões de diversidade vegetal e animal mais ricas da terra e visa demonstrar que as sociedades humanas podem conviver harmonicamente com a natureza. Fundada em 1987, a CI atua em mais de 40 países de quatro continentes para ajudar as pessoas a encontrarem alternativas econômicas sem prejuízo de seus ambientes naturais. Veja mais informações sobre a CI no site http://www.conservation.org.
(Envolverde/Conservação Internacional)
Bariloche, Argentina (1º de out. de 2007) – Um plano de desenvolvimento sem precedentes para ligar as economias da América do Sul através de novos projetos de transporte, energia e telecomunicações poderia destruir grande parte da floresta tropical amazônica nas próximas décadas, de acordo com um estudo realizado pelo cientista Tim Killeen, da Conservação Internacional (CI). | |
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Fonte: Envolverde
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