quarta-feira, 30 de abril de 2008

O currículo de Obama no Senado

Por Idelber Avelar

Produz certo cansaço ver alguns clichês sobre a eleição americana sendo repetidos sem muita pesquisa. Os mais comuns deles são que “ninguém sabe quais as posições de Obama” ou “Obama não tem currículo” ou “ninguém sabe o que Obama fez no Senado”. Não compartilho do entusiasmo de alguns apoiadores que o apresentam como salvador da pátria e obviamente estou alguns quilômetros à sua esquerda na maioria das questões, mas desafio alguém a me apresentar um currículo de três anos e quatro meses no Senado que se compare ao de Obama em legislação relevante aprovada. O que caracteriza o sujeito são duas coisas bem raras: 1) um incrível talento para trabalhar com políticos de posições diferentes e encontrar soluções de compromisso; 2) uma detalhada atenção a legislação obscura e não necessariamente sexy, mas de importância incontestável.

Aí vai, então, uma listinha dedicada aos amigos e amigas que declararam que “ninguém sabe o que Obama fez no Senado”. Nenhuma dessas leis vai trazer a felicidade eterna ao mundo, mas todas demonstram um estudo detalhado de problemas relevantes. Obama é autor (ou, no primeiro e no décimo casos, co-autor) de:

1) uma lei que regulamenta o financimento e os procedimentos para a eliminação de armas nucleares e convencionais.

2) uma lei que especifica punições para fraudes eleitorais e intimidação de eleitores, problema crônico nos Estados Unidos, especialmente nas regiões pobres e negras.

3) legislação que cria uma comissão para fiscalizar a ética no Congresso, com amplos atributos para investigar e punir subornos, atividades ilegais de lobistas e falcatruas do gênero.

4) uma lei que, pela primeira vez, dirigiu a atenção do Senado para a gripe aviária e balizou a pesquisa e o combate a ela.

5) uma lei que regulamentou os planos de saúde para veteranos de guerra, incluído o tratamento dos distúrbios pós-traumáticos.

6) legislação (pdf) que regulamenta e melhora as condições para testes genéticos, muito elogiada por especialistas.

7) legislação que proíbe a FEMA (agência encarregada das emergências) de contratar empresas sem licitação, prática escandalosamente comum, de New Orleans a Bagdá.

8) importantíssima legislação que cria um banco de dados público, na internet, com os gastos do governo federal.

9) legislação que estabelece novos padrões para a economia de combustível.

10) uma lei – também elogiada por especialistas – que regulamenta os processos judiciais contra médicos e hospitais sem tirar os direitos dos pacientes vítimas de abuso real.

11) legislação que criou o fundo de assistência às vítimas do furacão Katrina.

12) legislação que regulamenta os gastos de governantes com viagens.

13) uma lei (pdf) que limita severamente a atividade de lobistas no Congresso.

14) uma lei (pdf) que proíbe e regulamenta a punição por práticas enganosas nas eleições federais.

15) legislação que aumenta a segurança das indústrias químicas.

16) uma lei que torna ilegal a venda de dados pessoais por companhias que preparam imposto de renda.

17) um adendo intitulado Iraq War De-Escalation Act, que reduz o número de tropas e estabelece prazos para a saída dos americanos do Iraque.

Sim, Obama é o autor de toda essa legislação. Em menos de três anos e meio. Da próxima vez que você ouvir que “ninguém sabe o que Obama fez no Senado”, já tem um link para fornecer.

FONTE: O Biscoito Fino e a Massa

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A revolta dos pobres



Márcia Pinheiro e Phydia de Athayde

A disparada dos preços dos alimentos detonou um clima de guerra global. Na América Latina e no Caribe, manifestações pipocam desde o início do ano. Uma passeata no México contra a escalada do custo da popular tortilla, feita do milho americano, reuniu mais de 75 mil pessoas na capital, em janeiro. O presidente venezuelano, Hugo Chávez, responsabiliza os atravessadores pela falta de leite e pão no país e tenta aplacar o descontentamento da população, afetada pelo desabastecimento. Como tantos, atribui a culpa da falta de comida à expansão dos biocombustíveis, que supostamente ocupariam áreas antes destinadas aos alimentos. Para discutir a situação, Chávez convocou, na quarta-feira 23, uma reunião extraordinária da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), da qual fazem parte Cuba, Bolívia, Nicarágua e Venezuela.

Preocupado com uma onda de violência no Haiti, o Brasil enviou neste mês à ilha caribenha 14 toneladas de feijão, açúcar e óleo de cozinha. Ao sul do continente, a presidente Cristina Kirchner deparou-se com uma Argentina em greve de associações ruralistas, quando taxou as exportações de soja e de semente de girassol em março. Além disso, as exportações de trigo do país vizinho para o mercado brasileiro continuam suspensas. O Brasil importa da Argentina 70% do trigo que consome e tem contornado a situação com compras dos Estados Unidos e do Canadá.

Em medida emergencial, para garantir o abastecimento interno e conter a inflação, o Ministério da Agricultura brasileiro anunciou a suspensão da exportação do arroz dos estoques do governo, na quarta 23, e pode estender a medida ao milho. No mesmo dia, a rede de atacado americana Sam’s Club informou que vai limitar a venda de arroz ao consumidor. Cada cliente terá um teto de quatro sacos de 9 quilos do produto por mês. A questão deixou de ser estatística, com impacto nos índices inflacionários mundiais, para adentrar à seara política. São recorrentes as revoltas, os saques e as manifestações em Moçambique, Iêmen, Uzbequistão, Peru, Indonésia, Mauritânia, Camarões, Egito e Senegal.

Como por encanto, o tema segurança alimentar substituiu o petróleo como a maior preocupação do planeta. Isso apesar de o barril ter se aproximado da marca dos 120 dólares e contribuir, de forma significativa, para a alta dos preços dos alimentos, pois muitos derivados são fundamentais na lavoura e no transporte. Ainda que de maneira equivocada e tardia, o assunto chegou à agenda dos organismos internacionais. Os biocombustíveis foram repentinamente retirados da lista de salvadores do meio ambiente e passaram a figurar na coluna dos principais vilões da inflação mundial. De fato, a produção de etanol do milho tem avançado, nos Estados Unidos, sobre lavouras antes dedicadas ao abastecimento de comida. Mas está longe de ser o caso do etanol brasileiro, produzido a partir da cana-de-açúcar (leia o quadro).

A afobação para se achar um culpado obnubilou a boa análise. O diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn, disse que a produção de combustíveis, em detrimento de alimentos, era uma questão “moral”. O presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, também resumiu a questão em encher ou não os tanques dos automóveis. Coube ao secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, o papel de mediador do debate, com uma dose de equilíbrio. Segundo ele, são muitas as razões para a alta de alimentos, que não se esgotam na competição entre biocombustíveis e agricultura.

Há, no horizonte, um motivo para a crescente crítica dos países industrializados aos biocombustíveis e ele não está baseado em repentinas preocupações humanitárias. Tem a ver com negócios e interesses geopolíticos. Está previsto para 19 de maio um encontro ministerial que visa encerrar a Rodada de Doha, iniciada em 2001, da Organização Mundial do Comércio (OMC). O embate se concentra na questão dos subsídios dos países ricos (Estados Unidos, Japão e nações européias) aos produtores agrícolas. Tanto que o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, alertou para a intransigência do Primeiro Mundo, cujos bilhões de dólares e euros destinados ao campo estariam desestimulando o aumento da oferta de alimentos por parte dos países em desenvolvimento.

Amorim acenou, no entanto, a bandeira branca, na terça-feira 22, e disse que o Itamaraty está disposto a aceitar uma abertura negociada do mercado brasileiro às manufaturas estrangeiras, em troca de uma “redução substancial” dos subsídios. O que se teme é o fracasso da rodada, se não ocorrer neste primeiro semestre, em razão da mudança do governo nos EUA, com a eleição presidencial. Os democratas, com boas chances de vitória, são tidos como mais protecionistas do que os republicanos. A questão de fundo não é o etanol, cuja importância foi fortemente defendida pelo presidente Lula, em revide aos ataques do FMI e do Banco Mundial. Há muito mais em jogo.

De acordo com o professor José Maria da Silveira, do Núcleo de Economia Agrícola da Unicamp, quatro fatores explicam a atual crise. Primeiro, e inegável, é a inclusão dos cidadãos chineses e indianos no mercado mundial. São 450 milhões de consumidores que deixaram a linha de pobreza, desequilibraram as leis de oferta e demanda e surpreenderam a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), que foi “desleixada” em relação à pesquisa agrícola e assistiu passivamente à produtividade do setor desabar, segundo o economista.

No mundo desenvolvido, os Estados Unidos e a Europa não abrem mão dos subsídios aos agricultores. O resultado foi a falência das chamadas fazendas familiares americanas, que perderam o trem do avanço tecnológico, fato aguçado pela desvalorização do dólar, que ajudou a bombar os preços das commodities agrícolas. De seu lado, os países europeus sentaram em cima do protecionismo, com o estabelecimento de cotas regionais e produção de alimentos de origem controlada e grife, “que não enche a barriga do mundo”, como foie gras, azeites, vinhos e embutidos. “Tudo cercado de um modelo empresarial ultrapassado”, diz Silveira.

E qual é a saída? Lucilio Rogério Aparecido Alves, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/Universidade de São Paulo), acredita que os mercados vão se definir por si só. “Há um aumento forte na demanda de alimentos, desde 2006, e o Brasil tem um papel importante diante desse cenário, por ter um bom volume de produção disponível e por ser o único país, no mundo, com áreas disponíveis para aumentar a produção”, diz Alves, também pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da USP.

Ele ressalta que as novas lavouras não precisam avançar sobre a Amazônia. “Temos áreas de pecuária não competitiva que podem ceder espaço para grãos, como soja e milho. Se isso vai acontecer ou não, dependerá da relação de preços.” Mas o professor destaca que o Brasil tem uma enorme lista de deveres de casa a cumprir, desde desenvolver pesquisas para aumentar a produtividade até realizar melhoras na infra-estrutura. “Isso depende de muito investimento, e não é necessariamente um Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) que vai resolver”, alerta.

Não há, é óbvio, solução mágica de curto prazo nem o Brasil será capaz, sozinho, de desempenhar o papel de celeiro do mundo. O tema é candente e merece atenção imediata, daí o desespero que tomou conta das autoridades mundiais. Segundo levantamento da organização americana Council on Foreign Relations, além do Brasil e da Argentina, a escassez de alimentos levou vários países a suspender as exportações, para abastecer o mercado interno. É o caso do Cazaquistão, importante supridor de trigo para a Ásia Central, do Vietnã, o segundo maior exportador mundial de arroz e da Índia.

Na reunião de primavera do FMI, em meados de abril, Zoellick, do Banco Mundial, propôs um tipo de New Deal para a Política Global de Alimentos, que incluiria a doação de 500 milhões de dólares dos países ricos para transferências em dinheiro vivo às populações com fome, além da elaboração de programas que resultem em maior produção mundial. Tal iniciativa seria emergencial e não toca no problema central. Falta comida e sobra especulação dos mercados financeiros. Para o semanário britânico The Economist, a crise dos alimentos deveria ser levada tão a sério como a do subprime. Seria urgente a criação de um fundo de ao menos 700 milhões de dólares para ajuda humanitária aos países mais pobres.

Na esteira da carência mundial, entraram em cena os especuladores. A publicação dedicada a finanças Barron’s, do grupo The Wall Street Journal, informou em 31 de março deste ano que ao menos 40% das apostas em mercados futuros de commodities estão em mãos de fundos altamente especulativos. Em razão da crise americana do subprime, os investidores em busca de alto retorno migraram para os contratos futuros de alimentos e metais. Para ter uma idéia da força das finanças, entre 31 de dezembro de 2004 e 31 de março de 2008, os preços futuros dos grãos e sementes deram um salto de 163%, de acordo com o conceituado índice CRB da Reuters.

A especulação não surgiu do nada. Tem como base a percepção de que está em curso uma mudança estrutural da economia mundial. Segundo Pedro de Camargo Neto, presidente da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs) e antigo observador das rodadas mundiais de comércio, há uma somatória de fatores que fez o mundo acordar para a questão alimentar. O programa de etanol do milho nos Estados Unidos “enxugou” muito da oferta global. Antes mesmo disso, afirma, houve o crescimento acelerado da China, que passou a demandar toneladas de soja e fertilizantes. Assim como a Rússia, grande importadora de carne do Brasil.

Ele cita também a Austrália, que passa por seguidas secas há anos, e desabasteceu o mundo, principalmente, de leite e derivados. Por fim, a desconfiança dos ativos financeiros americanos e europeus com a crise hipotecária do subprime gerou a busca por ativos reais, como grãos e metais preciosos. “Para atender ao aumento da demanda, é preciso o mundo todo produzir mais”, diz. Camargo Neto é cético em relação aos resultados da Rodada de Doha, pelas iniciativas protecionistas que se multiplicam mundo afora.

Para o empresário, os arcabouços de organização global, representados pelo FMI, Banco Mundial e Organização Mundial do Comércio, por exemplo, enfrentam uma crise por ter sido criados para atender às iniciativas das nações ricas. Como o eixo do poder está se movendo em direção aos emergentes, cujas demandas ganharam fôlego, as negociações emperram.

A hora e a vez, segundo especialistas, é do Brasil e dos países africanos. Apostar em inovação tecnológica é a chave para o abastecimento global, com o horizonte de preços em ascensão, diz Silveira, da Unicamp. Trancar os mercados é ato impensado, fruto da inoperância dos acordos multilaterais. O desafio é expandir uma produção agrícola menos intensiva em energia, com respeito ao meio ambiente, e arranjos produtivos que combinem tecnologia e inovação, além de incentivar esquemas de cooperativas para que o crédito chegue ao produtor rural. Não há alternativa.
O mundo precisa mudar, antes que a próxima crise se una à atual. Seria um disparate se, ao mesmo tempo que enfrenta a escassez de comida, o planeta começasse a ter problemas no fornecimento de água potável, a desencadear uma nova disputa global.

Fonte: Carta Capital
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Raposa Serra do Sol - Fantasmas convenientes

Felipe Milanez

Nos pés do Monte Roraima, extremo norte do Brasil, uma praça-de-guerra foi montada nas últimas semanas por uma questão que assola grande parte dos sertões do País: o conflito fundiário em terras indígenas. De um lado está a Polícia Federal, pronta a cumprir a lei que determina a retirada de fazendeiros da reserva Raposa Serra do Sol. De outro, um grupo de produtores rurais, liderados por Paulo César Quartiero, a prometer resistência até a morte. Quartiero chegou a contratar pistoleiros em Manaus e na Venezuela para defender sua propriedade. No meio, 18 mil indígenas declarados donos de uma área de 1,74 milhão de hectares e que esperam obter, de fato, o que de direito conseguiram em 2005, quando a área foi homologada pelo governo federal. Como pano de fundo, uma discussão que faz reaparecer velhos fantasmas dos ultranacionalistas, entre eles o risco de internacionalização da Amazônia.

A interrupção do processo de retirada dos fazendeiros por uma decisão liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) adiou o conflito em Roraima, mas criou um novo ponto de atrito em Brasília entre os poderes Executivo e Judiciário. “O que estamos assistindo é uma fraude”, dispara o ministro da Justiça, Tarso Genro, contra a tese, aparentemente acatada pelo STF, de que a homologação da reserva seria uma ameaça à integridade nacional e à soberania. Há sinais de que vários ministros do Supremo compartilham da preocupação externada por integrantes das Forças Armadas, da reserva e da ativa, de que a criação de áreas indígenas de enorme extensão é um entrave ao trabalho do Exército Brasileiro e, por extensão, um enfraquecimento da capacidade de controle das divisas.

Relator do processo no Supremo, o ministro Carlos Ayres Britto declarou que a região é próxima da fronteira brasileira e deve ser tratada como estratégica. Mais comedido nas palavras, o ministro Eros Grau expressou à CartaCapital preocupação semelhante: “Existem ali interesses de toda ordem. Há os de organizações não-governamentais, e as ONGs podem ser do bem e podem ser do mal. Tenho muito medo quando se quer transferir as responsabilidades do Estado para a sociedade civil, vale dizer para o mercado”.

O ministro Genro discorda. Para ele, o temor da suposta ameaça à soberania está embasado em mitos. “Há um apoio a uma resistência que se coloca como movimento social, coisas são apresentadas como natural, mas trata-se de ações terroristas de resistência”, considera, em referência à posição dos fazendeiros, já indenizados, de não querer deixar as terras. Segundo o ministro, o que acontece é “a chegada do Estado de Direito a um lugar dominado pelo Estado Oligárquico”. O maior dos mitos, diz Genro, é o de que as terras indígenas são indisponíveis para a União. “Alimentou-se uma mentira. Do ponto de vista jurídico, é falsa a preocupação dos militares. Na verdade, o País perde o controle quando arrozeiros armados impedem a chegada da lei.”

Militares da reserva demonstraram na mídia, nas últimas semanas, a contrariedade com a ação de retirada e o cumprimento da homologação da reserva. Não é uma posição nova a respeito do assunto. Desde que a demarcação começou a ser pleiteada, há 33 anos, as Forças Armadas sempre se opuseram ao projeto. O Exército chegou a ter três bases na área: Uiramutã, Normandia e Pacaraima. Em 1996, os generais pareciam ter vencido a queda-de-braço com a Fundação Nacional do Índio (Funai). À época, o então ministro da Justiça Nelson Jobim, hoje titular da Defesa, determinou, por portaria, que fossem criadas ilhas isoladas de reserva e não uma área contínua, como defendia a Funai.

O sucessor de Jobim, Renan Calheiros, voltou atrás e aprovou a criação de uma reserva em território contínuo. Dezenas de ações do estado de Roraima e de particulares chegaram à Justiça Federal, que suspendeu os efeitos da portaria declaratória da terra e impediu o último trâmite do processo, a homologação definitiva pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.
Foi durante a gestão de Márcio Thomaz Bastos no Ministério da Justiça que a criação da reserva finalmente saiu do papel. Bastos elaborou uma nova portaria que pôs fim a todas as ações judiciais. A estratégia recebeu o aval do ministro do Supremo Carlos Ayres Britto. No dia seguinte à decisão de Britto, Lula assinou a homologação da terra indígena.

Os temores dos militares deveriam ter sido definitivamente superados nesse momento. Como as terras indígenas pertencem à União, a lei determinou que o Exército disponha de total autonomia para entrar e montar bases em caso de ameaça à soberania. O Decreto nº 4.412, publicado no final do governo FHC, diz que basta as Forças Armadas consultarem a Secretaria-Executiva do Conselho de Defesa Nacional caso queiram instalar unidades em reservas. O próprio decreto de homologação assinado por Lula mais tarde assegura, expressamente, a ação militar e da Polícia Federal na região.
Mas nem essas medidas serviram para apaziguar os ânimos. Quando presidiu a Funai, Mércio Pereira Gomes foi convocado diversas vezes pela Escola Superior de Guerra para prestar esclarecimentos sobre o processo, por causa do continuado e irremovível receio dos oficiais. “Eles se preocupavam com a segurança, mas não há dúvidas na legislação de que o Exército tem autonomia para cuidar das fronteiras”, afirma Gomes. “E sobre a soberania, a legislação brasileira e internacional garantem a integridade do território.”

Em um seminário sobre ameaças à soberania brasileira, realizado na quarta-feira 16 no Clube Militar, no Rio de Janeiro, o comandante militar da Amazônia, general Augusto Heleno, disse que a política indigenista “é lamentável, para não dizer caótica”. Foi aplaudido por cerca de 150 militares da ativa e da reserva. O general Mário Madureira, do Comando Militar do Leste, acrescentou: “O risco da soberania é com áreas que podem ser separadas do território brasileiro”.

No ressurgimento dos fantasmas dos riscos à soberania, passa despercebida uma antiga colaboração dos índios à defesa do território nacional. Segundo o antropólogo Paulo Santilli, fatos históricos comprovam a participação indígena na defesa das fronteiras. “O Joaquim Nabuco, então advogado do Brasil, propôs uma brilhante estratégia de ocupação contínua da colônia, a formação de “muralhas no Sertão”. Essas muralhas seriam formadas por tribos que consideravam brasileiras e cujos integrantes tinham nome português de batismo”, lembra.

Santilli recorda ainda as expedições do marechal Cândido Rondon. Em 1927, Rondon partiu para a Região Norte na Comissão de Inspeção de Fronteiras. “Eram os índios que carregavam os armamentos, os instrumentos, o cimento para fazer o marco, as fardas, os mantimentos, que deram nomes aos rios da divisa. Muitos índios trabalharam nessa comissão”, afirma Santilli. Foi então que Rondon afirmou a importância das “fronteiras vivas”, habitadas pelos indígenas aliados ao governo federal.

Na Amazônia Legal há hoje quase cem terras indígenas situadas dentro da faixa de fronteira. Na Yanomami, há três batalhões, enquanto nas do Alto Rio Negro há cinco. “Muitos soldados, na Cabeça do Cachorro, são indígenas”, afirma o antropólogo Beto Ricardo, secretário-executivo do Instituto Socioambiental, uma ONG bastante ativa na região. Na própria Raposa Serra do Sol resiste o batalhão em Pacaraima.

Para regulamentar o convívio cada vez mais intenso entre as Forças Armadas e os indígenas, foi elaborada a Portaria 983, de 2003, do Ministério da Defesa. Entre os pontos levantados está o de se incluir nos currículos das escolas militares assuntos referentes à política indigenista brasileira, e considerar estudos e medidas necessários para a redução do impacto socioambiental nas comunidades da instalação ou transferência de unidades militares.

Sem um fato concreto que aponte os riscos à soberania, os militares levantam fantasmas a respeito da internacionalização da Amazônia. Segundo essa tese bastante difundida entre os oficiais, os índios poderiam se associar a ONGs estrangeiras e à Organização das Nações Unidas (ONU) para pleitear a independência de reservas. Contribuiu para o argumento nacionalista o fato de o Conselho Indígena de Roraima (CIR) ter recorrido à Organização dos Estados Americanos na tentativa de forçar o governo brasileiro a realizar a retirada dos fazendeiros.

“É uma verdadeira paranóia”, afirma o atual presidente da Funai, Márcio Meira. “Toda ONG, assim como toda empresa que se estabelece no Brasil, é obrigada a seguir as leis brasileiras”, diz. De acordo com ele, a Declaração Universal dos Povos Indígenas, da ONU, foi feita com a participação do governo brasileiro e respeita expressamente a soberania dos países. “A autonomia que se confere aos índios é cultural, na mesma linha da Constituição de 1988”, esclarece.

“Há todo um mito de processos de internacionalização da Amazônia que não é uma história recente”, afirma Nagib Lima, da Casa Civil. “A discussão de fronteiras em nenhum momento afeta a segurança do Estado brasileiro, pois as forças de segurança estão presentes”, diz.

Para o coordenador do CIR, o índio macuxi Dionito José de Souza, o STF posicionou-se a favor de uma ilegalidade. “Não faz o menor sentido dizer que não queremos ser brasileiros. É um argumento para impedir a demarcação das terras indígenas, e o Supremo entendeu que era melhor ser favorável aos bandidos”, diz. E conta: “Os rizicultores fecharam a escola e disseram que ninguém vai poder ir à aula”. Souza lembra que a escola em questão já havia sido incendiada pelos fazendeiros em 2005. O inquérito criminal corre na delegacia federal de Boa Vista.

Convidado a dar uma palestra sobre a soberania da Amazônia no Clube Militar, Jonas Marculino, ex-presidente da Sociedade de Defesa dos Indígenas Unidos do Norte de Roraima (Sodiur), organização que defendia a permanência dos arrozeiros na área até pouco tempo atrás, mas mudou de lado após, segundo ele, perceber as vantagens da demarcação, faz coro aos militares. “A questão da Raposa Serra do Sol é bastante problemática por estar nos olhos da comunidade internacional. Eu vejo muitos olhares, creio eu, mais capitalistas do que humanitários”, diz o índio.

Marculino é considerado um intelectual por seu grupo indígena, que faz oposição ao CIR. A Sodiur chegou a praticar atos violentos contra a homologação, inclusive com o seqüestro de quatro agentes federais em 2005. “A Sodiur não está mais envolvida com a violência. Antes, sim, quando houve alguma influência de pessoas não indígenas, com dinheiro que conseguiram mobilizar lideranças, e houve tragédias”, conta.

O temor no governo e em grupos defensores dos índios é que o Supremo reveja a definição da reserva e estimule uma enxurrada de ações revisionistas com contestações sobre a demarcação de outras terras Brasil afora. “O STF dita e nós obedecemos”, afirma o ministro Genro. “Porém, eles vão ter de compartilhar a responsabilidade sobre o conflito.” No momento, o calor do debate sobe nos gabinetes de Brasília. A Raposa Serra do Sol, em meio à floresta, continua em transe, entre uma solução pacífica e um confronto, cujas proporções continuam indefinidas.

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O general, os índios, a reserva
Redação CartaCapital

O mal-estar entre militares e o governo federal em torno da questão indígena, trazido à tona após a interrupção da retirada de arrozeiros da reserva Raposa Serra do Sol (RR), por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), parece ter sido resolvido, por enquanto. Chamado pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, o comandante militar da Amazônia, general Augusto Heleno, teve de explicar as críticas feitas à política indigenista oficial, considerada por ele “caótica” e “lamentável”. Por determinação de Lula, Jobim proibiu o general de se manifestar publicamente a respeito do tema.

Oficialmente, assunto encerrado. No sábado 19, Dia do Índio, Lula fez questão de reforçar o apoio à demarcação da reserva de forma contínua, tal como está definida desde 2005, e prometeu defender a idéia perante o STF, que decidirá sobre a questão em até dois meses. O presidente estava reunido com representantes de 40 povos indígenas, que reclamaram das declarações do general Heleno.

Quando a poeira baixou, coincidentemente, Jobim anunciou um reajuste médio de 47,19% nos salários dos militares. Com isso, o ganho médio de um general passará de 13,9 mil reais para 15 mil reais, podendo chegar a 18,8 mil em julho de 2010.

Enquanto isso, senadores da oposição estudam convocar o general Heleno para, em uma sessão reservada, explicar suas críticas. E a base governista aprovou o pedido de uma audiência pública para debater o caso.

Por sua vez, o senador Romero Jucá, do PMDB de Roraima e líder do governo no Senado, saiu do silêncio. Jucá se disse favorável à demarcação da Raposa Serra do Sol, desde que deixe de fora as áreas invadidas por arrozeiros, a Vila Surumu, o Lago Caracaranã e a área onde se pretende construir uma hidrelétrica no rio Cotingo (rechaçada pelos indígenas). Ainda assim, em seu site, Jucá afirma que defende a demarcação contínua, como quer o presidente Lula, e não em ilhas, um dos pontos que levaram o STF a suspender a operação de retirada dos arrozeiros, alegando riscos à soberania nacional.

Ainda acerca do tema, que está longe de ser encerrado, o governo prepara um estatuto específico para aumentar o controle sobre a ação de ONGs internacionais em solo brasileiro. O objetivo, conforme explicou o ministro da Justiça, Tarso Genro, é evitar a biopirataria e a apropriação velada de determinadas regiões, como a Amazônia e outras áreas de fronteira. A proposta deve chegar ao Congresso até julho deste ano.

Fonte: Carta Capital
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Naomi Klein alerta sobre a teoria dos choques

Por Redação Revista Fórum

"A América Latina tem que mostrar ao mundo as conseqüências dos programas econômicos neoliberais aplicados na região", disse Naomi Klein, durante a apresentação de seu livro The Shock Doctrine: The Rise of Disaster Capitalism (A doutrina do choque: O auge do capitalismo do desastre, em tradução livre), na Feira do Livro de Buenos Aires.

A jornalista canadense e militante da corrente contra a globalização neoliberal é uma das teóricas do movimento surgido em Seattle, em 1999. Um marco nesse sentido foi seu primeiro livro, No Logo, publicado em 2000, uma análise do lado obscuro das marcas das multinacionais.

O novo livro em que Klein contrapõe com fatos e documentos os postulados do guru neoliberal Milton Friedman e de seus "Chicago's Boys", "não poderia ter sido escrito se eu não tivesse vivido em Buenos Aires durante a crise" posterior à queda do governo de Fernando de la Rúa, em dezembro de 2001.

Para a autora, que viveu um ano na Argentina a partir de 2002, foi decisivo ver como, em um momento de comoção política, social e econômica, se ativou em muitos argentinos "a memória histórica de resistir a todas as tentativas das crises" da mão de postulados neoliberais.

Klein contou também que recebeu o "presente" de ter vivido no país antes da invasão do Iraque, porque lhe deu um olhar distinto ao que tinham no Canadá ou Europa sobre a guerra então iminente, pois alguns argentinos apontaram um paralelismo com o que havia sido a ditadura (1976-1983).

A história do neoliberalismo "não é a que narram os vencedores", ou seja, os beneficiados pelas receitas de brutal impacto social, disse Klein, e por isso a "América Latina tem que ensinar ao mundo, em um panorama mais amplo", as conseqüências sofridas pela aplicação desses "projetos tão violentos".

Assista ao vídeo "A Doutrina do Choque"

Fonte: Revista Fórum


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Fome: alimentos como negócio

por Leonardo Boff * - Adital -

O mundo está se alarmando com a alta do preço dos alimentos e com as previsões do aumento da fome no mundo. A fome representa um problema ético, denunciado por Gandhi: "a fome é um insulto, ela avilta, desumaniza e destrói o corpo e o espírito; é a forma mais assassina que existe". Mas ela é também resultado de uma política econômica. O alimento se transformou em ocasião de lucro e o processo agroalimentar num negócio rentoso. Mudou-se a visão básica que predominava até o advento da industrialização moderna, visão de que a Terra era vista como a Grande Mãe. Entre a Terra e o ser humano vigoravam relações de respeito e de mútua colaboração. O processo de produção industrialista considera a Terra apenas como baú de recursos a serem explorados até à exaustão.

A agricultura mais que uma arte e uma técnica de produção de meios de vida se transformou numa empresa para lucrar. Mediante a mecanização e a alta tecnologia pode-se produzir muito com menos terras. A "revolução verde" introduzida a partir dos anos 70 do século XX e difundida em todo mundo, quimicalizou quase toda a produção. Os efeitos são perceptíveis agora: empobrecimento dos solos, devastadora erosão, desflorestamento e perda de milhares de variedades naturais de sementes que são reservas face a crises futuras.

A criação de animais modificou-se profundamente devido aos estimulantes de crescimento, práticas intensivas, vacinas, antibióticos, inseminação artificial e clonagem.

Os agricultores clássicos foram substituídos pelos empresários do campo. Todo este quadro foi agravado pela acelerada urbanização do mundo e o conseqüente esvaziamento dos campos. A cidade coloca uma demanda por alimentos que ela não produz e que depende do campo.

Vigora uma verdadeira guerra comercial por alimentos. Os países ricos subsidiam safras inteiras ou a produção de carnes para colocá-las a melhor preço no mercado mundial, prejudicando os paises pobres, cuja principal riqueza consiste na produção e exportação de produtos agrícolas e carnes. Muitas vezes, para se viabilizarem economicamente, se obrigam a exportar grãos e cereais que vão alimentar o gado dos países industrializados quando poderiam, no mercado interno, servir de alimento para suas populações.

No afã de garantir lucros, há uma tendência mundial, no quadro do modo de produção capitalista, de privatizar tudo especialmente as sementes. Menos de uma dezena de empresas transnacionais controla o mercado de sementes em todo o mundo. Introduziram as sementes transgênicas que não se reproduzem nas safras e que precisam ser, cada vez, compradas com altos lucros para as empresas. A compra das sementes constitui parte de um pacote maior que inclui a tecnologia, os pesticidas, o maquinário e o financiamento bancário, atrelando os produtores aos interesses agroalimentares das empresas transnacionais.

No fundo, o que interessa mesmo é garantir ganhos para os negócios e menos alimentar pessoas. Se não houver uma inversão na ordem das coisas, isto é: uma economia submetida à política, uma política orientada pela ética e uma ética inspirada por uma sensibilidade humanitária mínima, não haverá solução para a fome e a subnutrição mundial. Continuaremos na barbárie que estigmatiza o atual processo de globalização. Gritos caninos de milhões de famintos sobem continuamente aos céus sem que respostas eficazes lhes venham de algum lugar e façam calar este clamor. É a hora da compaixão humanitária traduzida em políticas globais de combate sistemático à fome.

* Teólogo e professor emérito de ética da UERJ

Fonte: Adital

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Raposa Serra do Sol: uma elite sem argumentos

Utilização de bombas de fabricação caseira, queima de pontes, atentados e ameaças a indígenas pelos fazendeiros para se manterem ilegalmente na Raposa Serra do Sol curiosamente não mereceu a condenação de muitos comentaristas e articulistas da grande imprensa.

Por Francisco Loebens (*).

A utilização de bombas de fabricação caseira, a queima de pontes, atentados e ameaças a lideranças e comunidades indígenas pelos fazendeiros para se manterem ilegalmente na Raposa Serra do Sol, numa clara afronta ao estado democrático de direito, curiosamente não mereceu a condenação de muitos comentaristas e articulistas da grande imprensa. Pelo contrário, passaram a justificar esses atos de insubordinação, repetindo à exaustão os argumentos, completamente vazios e eivados de preconceito, de uma pequena elite de privilegiados contra a demarcação dessa terra indígena.

De forma tendenciosa e através da insistência, tentaram conseguir a adesão da opinião pública para a causa mesquinha daqueles que a custa da exploração, da intimidação e da violência querem continuar se locupletando e exercendo a dominação econômica e política em Roraima.

Um desses argumentos é de que a demarcação de terras indígenas nas regiões de fronteira significaria um risco à soberania, porque os índios, aliando-se a interesses externos, poderiam dar um golpe no país, declarando a independência sobre esses territórios. Quem repete esse argumento, se não estiver usando de má fé, certamente está mal informado, porque essa hipótese não passa pelo imaginário de nenhum povo indígena, mesmo daqueles mais abandonados, onde a presença do estado é tímida ou inexistente. Também os generais sabem disso.

Trata-se por isso de uma estratégia ardilosa de condenação dos índios, para confiscar-lhes suas terras. Não difere muito da forma utilizada durante o período colonial, quando, para justificar a chamada “guerra justa”, se acusava os índios de praticarem delitos, toda vez que existia o interesse de avançar sobre suas terras e de buscar mão-de-obra escrava.

Outro argumento é de que as terras indígenas inviabilizariam o desenvolvimento do estado de Roraima. Associada a esse argumento afirma-se que o estado perderia 50% de suas terras. A pergunta óbvia que deve se fazer é de que desenvolvimento estão falando e quem se beneficia dele. É o desenvolvimento em função de 6 fazendeiros que se instalaram de má fé na Raposa Serra do Sol, a partir de 1994, quando os limites dessa terra indígena já haviam sido publicados e que tem como base o monocultivo do arroz produzido a custa do envenenamento dos rios por agrotóxicos, ou do desenvolvimento que assegura o direito originário da terra e a perspectiva de futuro de 09 povos indígenas que constituem mais da metade da população rural do estado de Roraima?

Que tal se os comentaristas e articulistas da grande imprensa deixassem de ser tão óbvios nas suas tentativas de respaldar ideologicamente os grandes interesses econômicos apátridas e começassem a afirmar em relação a Raposa Serra do Sol que:

- os povos indígenas, como sua presença é anterior à criação do Estado Brasileiro, têm o direito originário às suas terras e que esse direito é reconhecido pela Constituição Federal, estando essas terras localizadas no centro ou nas fronteiras do país.

- as terras dos povos Macuxi, Wapixana, Ingaricó, Taurepang, Patamona da Raposa Serra do Sol foram invadidas e os índios submetidos a situação de escravos nas fazendas de gado, alvos de toda sorte de violência e discriminação.

- os povos indígenas de Roraima, a partir da década de 1970, iniciaram um movimento legítimo de retomada de suas terras com o apoio da Igreja Católica, somando-se a ele o apoio de outros setores da sociedade brasileira e da comunidade internacional.

- as autoridades do estado de Roraima sistematicamente tentaram inviabilizar a demarcação das terras indígenas e não fizeram isso somente através de discursos inflamados nas tribunas do Congresso Nacional e da Assembléia Legislativa do estado. Foram mais longe. Apoiaram a invasão dos arrozeiros, que a partir de 1994 se instalaram na área, premiando-os com a isenção de impostos e buscando respaldar seu lucrativo negócio com ações na justiça contra os direitos indígenas, como fazem até hoje. Em 1995, criaram artificialmente o município de Uiramutã, totalmente situado dentro da Raposa Serra do Sol, com sede na aldeia Uiramutã, invadida por uma currutela de garimpo. Na tentativa de consolidar esse município, os militares construíram um quartel inaugurado em 2002. Uma vez instalado o município começaram a espalhar a notícia mentirosa de que a demarcação da Raposa Serra do Sol criaria um grave problema social, pois milhares de pessoas seriam desalojadas da sede municipal quando não passavam de 115 não-índios, na maioria funcionários municipais.

- 53,07% da população rural de Roraima é indígena. Segundo a contagem do IBGE de 2007 a população total de Roraima é de 395.725 pessoas, sendo que destas 88.736 (22,42%) vivem na área rural. Considerando que a população indígena no interior é de 47.091 pessoas, de acordo com os dados dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI Leste/RR e DSEI Yanomami) e do Programa Waimiri Atroari [1], chega-se à conclusão que ela soma mais da metade da população rural de Roraima.

- com base nos mesmos dados pode-se afirmar também que a terra indígena Raposa Serra do Sol, que abrange 7,79% de Roraima e onde vivem 18.992 índios em 194 comunidades, além de assegurar as condições de existência futura a 05 povos indígenas, garante terra a 21,4% da população de Roraima, que nela vive e trabalha.

Está nas mãos do STF o poder de decidir a favor ou contra os povos indígenas; a favor da maioria da população que vive da terra em Roraima ou para beneficiar 06 fazendeiros; pela manutenção de relações de dominação colonialista que persistem ao longo do tempo ou por um novo Brasil, justo e plural, onde o Estado assegura o cumprimento das leis também quando estas beneficiam os indígenas e limitam o alcance do latifúndio.

(*) Francisco Loebens é integrante do Conselho Indigenista Missionário na Região Norte (Cimi Norte I). Texto escrito a partir de Manaus em 23 de abril de 2008. Original na página do Cimi, retirado do Fazendo Media.

[1] Dados de 2007 – População indígena no DSEI/Leste/RR = 35.750; População DSEI/Yanomai = 16.915, dos quais 10.598 moram em Roraima; População Waimiri-Atroari = 1252, dos quais 743 moram em Roraima.

Fonte: Consciência.net

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Fome de comida e de argumentos

por Alon Feuerwerker

A crise nos alimentos, com a elevação global do preço da comida, pegou de supresa os políticos adeptos do agronegócio, seus ideólogos na universidade e seus muitos amigos na imprensa. Como descrevi em Dá para criar gado no pré-sal?, a reação tem sido descoordenada. Catam-se os argumentos mais à mão e tenta-se vencer o debate pela imposição de um consenso artificial. O presidente da República, por exemplo, aproveitou a crise para sacar do bolso do colete a crítica contra os subsídios que os países ricos dão a seus agricultores. Criticar os subsídios europeus e americanos dá ibope no mundo em desenvolvimento, ainda mais porque o mecanismo revela o caráter limitado e cínico da pregação liberal. Mas, infelizmente para Lula e auxiliares como o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, os subsídios do Primeiro Mundo não explicam a alta planetária dos preços da comida. Por uma razão simples. Subsídio é dinheiro que o governo de um país tira do Tesouro e repassa ao agricultor para que este possa colocar seu produto no mercado a preços mais baixos, e mesmo assim consiga cobrir os custos e ter lucro. Ou seja, o subsídio é um mecanismo que contém os preços da comida para o consumidor. Há um argumento para combater esse ponto. Se os países em desenvolvimento pudessem ter acesso livre ao mercado europeu e norte-americano, teoricamente a oferta cresceria para atender à maior demanda. Isso seria verdade como solução para os problemas atuais se o impasse mundial estivesse na falta de demanda (por comida) fora da Europa e dos Estados Unidos. Ou seja, se vivêssemos num mundo em que países pobres não conseguissem desenvolver a sua agricultura por falta de mercado. Mas não foi o próprio Lula quem admitiu que a inflação se deve em primeiro lugar ao excesso de demanda? Não disse o presidente que o fator a pressionar os preços dos alimentos são os milhões de chineses, indianos e latino-americanos que finalmente passaram a comer? Então, por que diabos os agricultores do mundo em desenvolvimento não crescem sua produção de modo a atender à demanda de seus irmãos da China, da Índia e da América do Sul? No final do texto voltaremos a esse ponto essencial. Outro argumento é que a fome na periferia se deve à falta de renda, e não de comida. E que o biocombustível traria renda a quem não a tem. Caímos no caso anterior. Se a oferta mundial não atende à demanda é porque falta produto, não consumidores dispostos a comprá-lo. Se a cultura de plantas para produzir biocombustível propiciar a elevação da renda nas populações pobres da África (o que é uma miragem, mas partamos da premissa de que será assim), a demanda crescerá ainda mais. E se não houver o crescimento da oferta de comida o problema se agravará. Também afirma-se que a elevação dos preços do petróleo pressiona o custo dos fertlizantes e que isso tem implicações no preço final dos alimentos. Se é verdade, trata-se então de produzir mais petróleo. Alguém poderá dizer que a substituição por biocombustível talvez fizesse "sobrar" mais petróleo para produzir fertilizantes. Sem fazer contas é difícil discutir. Até porque também é necessário fertilizante para plantar cana-de-açúcar, milho e outras matérias-primas do álcool combustível. O que neutralizaria a tese. Argumento vai, argumento vem, percebe-se que o desafio é um só: produzir mais comida. Produzir muito mais comida do que se produz hoje. No que a produção de biocombustíveis pode ajudar nessa tarefa? Na melhor das hipóteses, em nada. O Estado de S.Paulo publicou neste domingo um belo conjunto de reportagens. Clique aqui para ler. Um trecho:

O Brasil é hoje o único país que tem potencial para resolver no curto prazo a crise mundial de alimentos. O País pode incorporar aos 47 milhões de hectares usados para produzir comida 50 milhões de hectares de pastagens subaproveitadas e com aptidão para agricultura de grãos. Com isso, é possível dobrar a área com grãos e ampliar em duas vezes e meia o volume da safra de alimentos, atingindo 350 milhões de grãos, sem derrubar uma única árvore, segundo projeções do ex-ministro da Agricultura e presidente do Conselho do Agronegócio da Federação da Agricultura do Estado de São Paulo (Fiesp), Roberto Rodrigues. Nessa conta, ele considera o crescimento da safra não apenas pela expansão da área, mas também pelo aumento da produtividade, que, segundo ele, na média das lavouras brasileiras, é baixa.

Aí está. O problema a ser enfrentado é a baixa produtividade média da agricultura brasileira. E não há como fazê-lo sem atacar a concentração da propriedade fundiária. Trata-se de uma questão clássica das revoluções burguesas. O que diz o ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues? Que o Brasil tem de "pastagens subaproveitadas e com aptidão para agricultura de grãos" uma extensão de terras maior do que a atualmente utilizada "para produzir comida". Outro trecho das reportagens do Estadão de domingo ajuda a entender melhor o problema:

Guilherme Cassel [ministro do Desenvolvimento Agrário] diz que hoje a agricultura familiar é responsável por 70% de todo o alimento que o brasileiro consome. Arnoldo Campos, secretário de Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário, fornece os dados: feijão, 70%; mandioca, mais de 90%; leite, mais de 50%; aves e suínos, mais de 60%; trigo, mais de 50%; hortigranjeiros, mais de 90%. “A agricultura empresarial é responsável por quase 70% da produção de bovinos, arroz e soja; e 51% do milho, além de predominância quase total na cana-de-açúcar.”

Infelizmente, Lula e o PT abandonaram o programa agrário democrático como saída para aumentar a produtividade no campo. Recusam-se, por exemplo, a atualizar os índices de produtividade para acelerar a reforma agrária. O assunto foi perguntado ao presidente da República na entrevista que o Correio Braziliense publicou ontem:

CB - O senhor tem dito que o biocombustível e a cana-de-açúcar não pressionam a produção de alimento porque o Brasil tem muita terra, especialmente pastos degradados que poderiam ser utilizados. Se está sobrando terra para plantar cana, por que está faltando para a reforma agrária?

Lula - Não está faltando terra para a reforma agrária. No governo passado, em oito anos, eles distribuíram 22 milhões de hectares de terra. Nós, em cinco anos, distribuímos 35 milhões de hectares de terra. Qual é a divergência que tenho com o movimento dos sem-terra? É que acho que o problema não é assentar mais gente. O problema é fazer as pessoas que já estão na terra se tornarem mais produtivas. O que não pode é ficar colocando gente num canto, e eles continuarem tão miseráveis quanto estavam ontem. Precisamos aperfeiçoar a produtividade, a assistência técnica, o equilíbrio dos preços para quem já tem terra. Desse drama eu não sofro. O dado concreto é que estamos vivendo um bom desafio, e o Brasil não pode ter medo do bom desafio. O ruim seria se o mundo estivesse precisando de alimento e o Brasil não tivesse terra, tecnologia e conhecimento.

Está claro que para o nosso presidente hoje em dia produtivo mesmo é o latifúndio capitalista modernizado. Já Roberto Rodrigues, um latifundiário e líder de latifundiários, admite a baixa produtividade média dos campos brasileiros. A tragédia é que os adversários de ontem dos latifundiários hoje se tornaram seus melhores aliados e porta-vozes. Não vou me meter a discutir aqui o porquê, mas é fato. Dos muitos e muitos discursos que o presidente da República fez ao longo de cinco anos e meio de mandato, quantos foram dedicados à necessidade de aumentar a produção de comida? Basta comparar com o volume de pronunciamentos em defesa do biocombustível. Quais são os programas de governo destinados a implementar a expansão racional da fronteira agrícola com base na agricultura familiar? Qual é a prioridade dada à infra-estrutura para estocagem e escoamento da produção agrícola, especialmente para garantir renda ao pequeno e médio agricultor, para que este não fique à mercê do capitalista do agronegócio? A verdade é que o Brasil foi pego de calças curtas pela crise. E o Brasil é elemento-chave para a solução dela. Mas para isso precisaria iniciar internamente uma verdadeira revolução agrária. Uma necessidade no Brasil, no resto da América Latina e na África. Revolução para a qual faltam ainda as idéias, os líderes e a organização da energia social indispensável para quebrar a hegemonia secular do latifúndio. Se até Lula, o mais forte líder político da esquerda mundial, vai a África (como recentemente em Gana) para vender não a democratização da propriedade territorial, mas a modernização do latifúndio, pode-se deduzir o tamanho do problema.

Fonte: Blog do Alon Feuerwerker
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À espera de uma catástrofe

Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje (29/04/2008) no Correio Braziliense.

Falta um Lula a Lula. Alguém relevante que esteja disposto a liderar o país em torno de um projeto diferente do do petista, e que esteja pronto para os sacrifícios decorrentes da opção

Por Alon Feuerwerker
alon.feuerwerker@correioweb.com.br

A popularidade e a aprovação de Luiz Inácio Lula da Silva continuam ladeira acima, conforme mostra nesta edição reportagem de Daniel Pereira. A rigor, não chega a ser notícia, já que o fato se repete consistentemente desde a reeleição do presidente, ano e meio atrás. De todo modo, não deixa de ser uma oportunidade para analisar a essência do fenômeno. Por que Lula vai tão bem? Ora, porque o governo é bom e porque não enfrenta oposição digna do nome.

O leitor dirá que não há novidade nessa caracterização. É possível, até porque não seria razoável buscar a cada vez uma explicação diferente para o mesmo acontecimento. O governo é bom porque os resultados dele são bons. E, considerando que governar é principalmente a arte de manter e ampliar o apoio político a quem governa, se a maioria acha que a administração merece apoio então o governo tem lá suas qualidades. Se a oposição não está à altura dos acontecimentos, azar dela.

Mesmo governos bem avaliados e realizadores podem, porém, sofrer uma resistência eficaz. No primeiro quadriênio de Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, era bem difícil militar na oposição ao Plano Real, ao fim da inflação, ao dólar barato, etc. Mas o PT de Lula não se dobrou. Cuidou de entrincheirar-se nas suas bases históricas e escarafunchar cada milímetro do cenário para descobrir limitações, debilidades, problemas potenciais. O PT de Lula tinha um projeto: eleger Lula ao Palácio do Planalto. E estava disposto a atravessar o deserto para tornar viável o seu sonho.

A metáfora é ainda mais adequada nesta época do ano, em que se comemora a Páscoa judaica. Moisés comandou a saída dos judeus do Egito, onde eram um povo cativo. O grande desafio, entretanto, era outro. Era chegarem à Terra Prometida não como escravos, mas como libertos. Após o episódio em que, aos pés do Monte Sinai, a turma cansou-se de esperar pelas Tábuas da Lei e começou a adorar o bezerro de ouro, um ícone religioso egípcio, Moisés em fúria concluiu que uma nação de escravos não se converteria em uma nação de homens livres sem passar por uma purificação geracional.

O resultado foram quarenta anos de migração pelo deserto do Sinai. Só depois foi permitido entrarem na Terra Prometida. O episódio é bem conhecido de todos que se debruçam sobre o Velho Testamento. E tem sua utilidade na análise política da luta atual no Brasil entre o governo e a oposição.

O governo do PT tem limitações importantes, também já descritas nesta coluna. O complicador mais recente é a inflação nos preços da comida. Estivesse o PT na oposição e não no poder, certamente os petistas apontariam o dedo acusador para o Palácio do Planalto e cobrariam o possível e o impossível. Cobrariam a aceleração da reforma agrária e uma política de segurança alimentar mais eficaz. Diriam que o presidente gastou tempo e energia demais para alavancar o biocombustível, deixando de lado a tarefa central: acelerar fortemente a produção de comida, para evitar que a previsível explosão mundial da demanda colocasse em risco a fartura na mesa dos brasileiros, especialmente dos mais pobres.

Se o governo retrucasse com afirmações genéricas sobre a ineficácia e o anacronismo da reforma agrária tradicional, uma oposição digna do nome reagiria com estudos, estatísticas e especialistas em profusão comprovando a superioridade da agricultura familiar sobre o agronegócio na produção de alimentos. E estabeleceria uma polarização, social e política, em que o poder instituído obrigatoriamente ocuparia o pólo dos privilegiados, dos insensíveis, dos reacionários. Mas isso se houvesse oposição.

O cenário político no Brasil é razoavelmente simples de descrever. Há um líder, Lula, que produz diariamente boas notíci
as para as pessoas comuns. Do outro lado, um amálgama de chefes (e candidatos a chefe) e oligarcas de expressão regional que oscilam e entre o udenismo e o adesismo. E que nada parecem ter a dizer ao país de original sobre nenhum assunto.

Falta um Lula a Lula. Alguém relevante que esteja disposto a liderar o país em torno de um projeto diferente do do petista, e que esteja pronto para os sacrifícios decorrentes da opção. Sem isso, vai continuar assim. Periodicamente, vamos mandar o repórter cobrir uma pesquisa. Ele irá. E dará o retorno: dirá que a popularidade do presidente cresceu ainda mais.

A não ser, naturalmente, que sobrevenha uma tragédia. É disso que depende hoje a oposição brasileira. De uma catástrofe natural.

Fonte:
Blog do Alon Feuerwerker
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O FÓRUM DE MÍDIA LIVRE

por Luiz Carlos Azenha

Abertas inscrições para o I Fórum de Mídia Livre

Estão abertas as inscrições para o I Fórum de Mídia Livre, que ocorrerá no Rio de Janeiro, dias 17 e 18 de maio, e reunirá participantes de todo o País. O evento é parte de uma ampla mobilização de jornalistas, acadêmicos, estudantes e ativistas pela democratização da comunicação em defesa da diversidade informativa e da garantia de amplo direito à comunicação.

A mobilização começou em uma reunião em São Paulo envolvendo 42 jornalistas, estudantes, professores ou pessoas atuantes na área das comunicações, de diferentes regiões do Brasil. Entre outras questões, os presentes discutiram o avanço do movimento de comunicação da mídia livre em todo o país, de modo a fazer frente aos grupos conservadores que concentram as atividades da comunicação social no Brasil.

O setor de comunicação, segundo o manifesto em construção disponível no site do Fórum de Mídia Livre, "não reflete os avanços que ao longo dos últimos trinta anos a sociedade brasileira garantiu em outras áreas. Isso impede que o país cresça democraticamente e se torne socialmente mais justo". E continua: "A democracia brasileira precisa de maior diversidade informativa e de amplo direito à comunicação. Para que isso se torne realidade, é necessário modificar a lógica que impera no setor e que privilegia os interesses dos grandes grupos econômicos (...)".

Um dos objetivos, ainda segundo o texto, é a democratização das verbas públicas, apoiando que "as verbas de publicidade e propaganda sejam distribuídas levando em consideração toda a ampla gama de veículos de informação e a diversidade de sua natureza; que os critérios de distribuição sejam mais amplos, públicos e justos, para além da lógica do mercado; e que ao mesmo tempo o poder público garanta espaços para os veículos da mídia livre nas TVs e nas rádios públicas, nas suas sinopses e meios semelhantes". O documento está disponível no site do evento (http://forumdemidialivre.blogspot.com/).

Antes mesmo do evento no Rio de Janeiro, o movimento social de comunicação já está se mobilizando em sete cidades: Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Belém, Fortaleza, Recife e Aracaju. Os primeiros relatos já estão disponíveis no site. O próprio evento é um importante passo na discussão e deliberação sobre os rumos do movimento social de comunicação.

Programação - O I Fórum de Mídia Livre acontecerá dias 17 e 18 de maio de 2008 (sábado e domingo), das 9h às 17h (com pausas entre os debates e grupos de trabalho). Será realizado no campus da UFRJ da Praia Vermelha, no Auditório Pedro Calmon do Fórum de Ciência e Cultura (FCC) e salas anexas. Endereço: Avenida Pasteur, 250 – Praia Vermelha. O Auditório Pedro Calmon fica no segundo andar do FCC. Confira em breve no site do evento a programação completa do evento.

Inscrições - A participação no I Fórum de Mídia Livre é aberta e a inscrição é obrigatória. Os participantes podem também se informar sobre os pré-encontros em suas respectivas cidades. O custo individual da inscrição é de R$15 (quinze reais) para o público em geral e R$5 (cinco reais) para estudantes, pagos no dia do evento, junto à secretaria executiva do evento. A secretaria executiva do evento emitirá um certificado de participação para os que compareceram nos dois dias de evento.

A inscrição no I Fórum de Mídia Livre não garante, por ora, o transporte, estadia e alimentação dos inscritos, que no entanto estão sendo negociados. Inscreva-se já e participe dos debates: http://forumdemidialivre.blogspot.com/

Fonte: Vi o Mundo
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XINGU VIVO PARA SEMPRE

por Luiz Carlos Azenha

Entre os dias 19 e 23 de maio, cerca de mil pessoas, entre representantes de populações indígenas e ribeirinhas, movimentos sociais, organizações da sociedade civil e pesquisadores, realizam o encontro Xingu Vivo para Sempre, em Altamira (PA), para discutir projetos hidrelétricos e seus impactos na Bacia do Rio Xingu.

Incluem-se aí a construção prevista da usina de Belo Monte, que faz parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e as pequenas centrais hidrelétricas (PCHs). Tanto as que já estão prontas, como a do Culuene (MT), quanto as que estão em construção e as que estão planejadas para o Pará e o Mato Grosso. Se forem adiante, tais projetos devem atingir direta e indiretamente cerca de 16 mil pessoas, 14 povos indígenas entre elas.

A mobilização ocorre 19 anos depois do I Encontro de Povos Indígenas, realizado em Altamira, que reuniu três mil pessoas, das quais 650 eram índios. Naquela época, os participantes protestaram contra a construção já prevista de cinco hidrelétricas no Rio Xingu, Belo Monte entre elas. Os protestos tiveram repercussão internacional e levaram o Banco Mundial a cancelar o financiamento previsto para o empreendimento, que até hoje não saiu do papel.

O Encontro Xingu Vivo para Sempre vai debater os impactos das usinas previstas para a Bacia do Rio Xingu e as ameaças que representam às populações tradicionais. Os participantes também pretendem propor ações que apontem para um modelo de desenvolvimento alternativo para a região, considerando o planejamento integrado da bacia, além de discutir a formação de um Comitê para a Bacia Hidrográfica do Xingu.

Líderes de movimentos sociais e indígenas, especialistas no tema energia e hidrelétricas, procuradores do Ministério Público Federal e membros do governo devem participar do evento. Foram convidados representantes da Eletronorte, da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Funai (Fundação Nacional do Índio) e de alguns ministérios.

Histórico

Em 1989, os povos indígenas protestaram contra o projeto de aproveitamento hidrelétrico do Xingu, que inundaria cerca de 1,7 milhão de hectares, com a construção de cinco barragens em trechos do rio. A forte oposição de índios, ambientalistas e movimentos sociais, fez com que o projeto fosse deixado de lado. Correu o mundo a foto da índia Kayapó Tuíra que encostou a lâmina de seu facão no rosto do então presidente da Eletronorte, José Antônio Muniz Lopes, num gesto de advertência. Lopes continuou ocupando o cargo durante o governo FHC e hoje é presidente da Eletrobrás.

Em 1999, o projeto foi retomado em menor proporção, com a previsão de uma só barragem na chamada Volta Grande do Xingu, em Altamira. Apesar disso, os impactos socioambientais e inúmeras irregularidades nos estudos e no licenciamento da obra levaram o Ministério Público Federal a questioná-la judicialmente repetidas vezes. Em 15 de abril último, a Justiça Federal acatou o pedido de liminar do Ministério Público Federal que suspendeu a autorização dada a consórcio formado por três grandes construtoras para finalizar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima) de Belo Monte.

Vários pesquisadores e instituições vêm questionando a viabilidade técnica e econômica da usina, que teria potencial para gerar até 11,1 mil megawatts, mas que, durante a maior parte do ano, seria capaz de gerar no máximo 4,6 mil megawatts. Também é preocupante a construção de pequenas centrais hidrelétricas previstas para o Xingu, cujas licenças dependem apenas do governo estadual. O caso mais emblemático é o da PCH do Culuene, já construída, e nove outras previstas, que se construídas deverão afetar a vida de 18 povos indígenas da região.

O movimento Xingu Vivo para Sempre acredita que as hidrelétricas na Bacia do Rio Xingu podem causar a remoção forçada de comunidades, prejuízos para a pesca e o transporte fluvial, emissão de gases de efeito-estufa pelos reservatórios e o aumento de doenças como malária e febre amarela.

Fonte: Vi o Mundo


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PASTOR TENTA TRAZER DE VOLTA "BLACK POWER" E COLOCA BARACK OBAMA NA ENCRUZILHADA

por Luiz Carlos Azenha

WASHINGTON - Os americanos nos "venderam", culturalmente, uma série de bobagens. Muitas foram entregues no pacote do politicamente correto, que aqui está sendo, graças aos céus, destruído pela turma do South Park, pelo comediante (negro) Chris Rock e pela turma cética em relação ao moralismo da patrulha comportamental.

Nós somos compradores da "auto-estima". Qualquer coisa no Brasil, hoje, é reduzida a um problema de auto-estima. Câncer? Auto-estima. Não passou no vestibular? Auto-estima. Atropelado no trânsito? Auto-estima. Essa enganação é uma forma de atribuir, ao indivíduo, a responsabilidade pela resolução de problemas que são sociais e que ele, sozinho, jamais vai conseguir resolver. É uma forma perversa de desmobilizar a sociedade, como se os indivíduos pudessem tudo, como se a força deles não estivesse na organização que se pretende esvaziar.

Não devemos, porém, confundir o self-service, o self-esteem e o self-help com o que as igrejas negras americanas chamam de self-reliance. Essa palavra é chave para entender o renascimento, nos Estados Unidos, da Teologia da Libertação Negra, a vertente do cristianismo que foi trazida de volta ao debate depois do escândalo envolvendo o reverendo Jeremiah Wright e a igreja da qual faz parte o candidato Barack Obama.

Podemos dizer que, dentro do protestantismo americano, as igrejas negras hoje estão divididas entre aquelas que propõem respostas pessoais para problemas comunitários e outras que promovem a organização social, a exemplo do que fez a Teologia da Libertação na América Latina. Essas igrejam adotam a Teologia da Libertação Negra.

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NAS OLIMPÍADAS DE 1968, NO MÉXICO, OS ATLETAS AMERICANOS TOMMIE SMITH E JOHN CARLOS FIZERAM UM PROTESTO SILENCIOSO, GESTO QUE SE TORNOU SÍMBOLO DO BLACK POWER

Self-reliance, nesse contexto, é a responsabilidade que cada fiel tem de assumir para transformar o mundo em que vive, através de ações políticas e sociais. É a independência do governo, o cuidado com os seus e com a comunidade. O pastor Wright decidiu que não vai mais ficar calado. Abandonou a aposentadoria para dar uma série de entrevistas nos últimos dias. É, de longe, o assunto com o maior potencial para afetar a campanha presidencial de Barack Obama.

Posando ao lado de dirigentes da Nação do Islã - num ecumenismo que os brancos foram incapazes de promover - o reverendo Wright defendeu a afirmação que fez de que os atentados de 11 de setembro de 2001 foram "a volta das galinhas para ciscar em casa", ou seja, uma resposta terrorista à violência terrorista praticada pelo estado americano em outros países.

Os colunistas americanos - inclusive os negros - logo correram para sentar a pua no reverendo, que taxaram de extremista. Jeremiah Wright foi além: disse que Obama só assumiu a postura que assumiu por ser político, ou seja, fez o que todo político faria em campanha eleitoral. Isso é um golpe pesado em um candidato que diz fazer política "diferente" dos outros.

Obama ficou (sem intenção de trocadilho) entre a cruz e a calderinha. Ele tem pela frente, no dia 6 de maio, duas prévias em estados bastante distintos. Na Carolina do Norte, depende de apoio maciço dos negros para vencer. Em Indiana, não pode embarcar na polarização racial. Se Obama atacar o reverendo que oficiou seu casamento e batizou suas filhas perde votos na Carolina. Mas, se não se distanciar de Wright, corre sério risco de perder votos de eleitores brancos, sem os quais não consegue vencer em Indiana.

Wright parece convencido de que o mais importante agora é reviver o movimento negro americano, apostar no Black Power do século 21. Desde o episódio do Katrina a classe média negra americana está em ebulição. Foi a "descoberta" concreta de que as leis mudaram, sim, os negros avançaram como nunca, mas ainda hoje são a grande maioria entre os pobres, os presos, os assassinos e os assassinados.

Fonte: Vi o Mundo


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O FMI EXPERIMENTA O REMÉDIO AMARGO QUE SEMPRE RECEITOU

por Mark Weisbrot, do Centro de Pesquisa Política e Econômica de Washington

"O FMI está de volta", declarou o diretor-gerente Dominique Strauss-Kahn, no encontro anual de primavera do início deste mês [de abril] em Washington. A acreditar nos economistas da organização (que se encontraram em hóteis de cinco estrelas, com suas longas limousines negras e jantaram em restaurantes chiques com banqueiros, empresários e ministros de todo o mundo) eles chegaram na hora certa para ajudar a resolver a crise financeira internacional.

Apesar da bravata, a realidade é que o FMI de hoje não é o mesmo. Atualmente, a famosa polícia do déficit lida com seu próprio déficit - considerável para um país pequeno - de 400 milhões de dólares, e é forçada a praticar o mesmo tipo de "ajuste estrutural" que impôs aos endividados do Terceiro Mundo. Nos últimos quatros anos, o portfólio total do FMI encolheu de 105 bilhões de dólares para menos de 10 bilhões; mais da metade do portfólio corrente é de empréstimos para a Turquia e o Paquistão. Para cortar custos, a agência está reduzindo o pessoal e fechando escritórios.

A perda de influência do FMI é provavelmente a maior mudança do sistema financeiro internacional em mais de meio século. Até recentemente, o FMI - criado originalmente na conferência de cooperação econômica internacional de Bretton Woods, em 1944 - era uma das instituições financeiras mais poderosas do mundo e uma avenida para a influência dos Estados Unidos nos países em desenvolvimento.

Isso não era resultado do dinheiro emprestado a eles - o Banco Mundial empresta muito mais - mas por causa da posição do Fundo no topo da hierarquia de credores oficiais. Até alguns anos atrás, um país em desenvolvimento que não aceitasse as condições do FMI corria o risco de ser estrangulado economicamente. O Banco Mundial, os bancos regionais - como o Banco Interamericano de Desenvolvimento -, governos ricos e mesmo o setor privado evitavam emprestar até que o governo fizesse um acordo com o FMI.

No topo deste cartel de credores sentava-se o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, que tem poder formal de veto sobre muitas decisões do FMI e tem poder informal dentro da organização capaz de marginalizar mesmo os países ricos. Países em desenvolvimento - os que historicamente sustentaram o peso das decisões do FMI - têm pouca ou quase nenhuma voz nas decisões da organização, onde a maioria dos votos dos 185 membros fica com os mais ricos.

Mas o FMI perdeu credibilidade depois de presidir a uma série de desastres econômicos. A América Latina, por exemplo, sofreu o maior fracasso no crescimento de longo prazo sob a tutela do FMI, desde os anos 80. A "terapia de choque" do FMI na Rússia subestimou o tempo que levaria a transição de uma economia planificada para uma economia capitalista no início dos anos 90. O resultado foi muito choque e pouca terapia, e dezenas de milhões de pessoas empurradas para a pobreza com o colapso da economia.

A crise financeira da Ásia no final dos anos 90 foi um momento decisivo. O FMI e o Tesouro dos Estados Unidos ajudaram a causar a crise ao forçar a retirada de regras importantes para o fluxo de capital estrangeiro. E então pioraram a situação com recomendações que levaram o economista Jeffrey Sachs - que agora dirige o Instituo Terra, da Columbia University - a dizer que "o FMI se tornou a Maria Tifóide dos mercados emergentes, espalhando recessão de país em país."

Alguns destes erros foram causados por incompetência; outros, por interesses ideológicos. Mas o resultado é que países em desenvolvimento começaram a votar com os pés, acumulando reservas internacionais para que nunca mais precisassem emprestar do cartel.

O desastre argentino supervisionado pelo FMI, de 1998 a 2002, empurrou abaixo da linha da pobreza a maioria dos argentinos, num país que havia sido um dos mais ricos da região; isso ajudou a manchar a reputação do Fundo. A Argentina então desafiou o FMI, rejeitou as condições exigidas, dispensou a ajuda internacional e rapidamente se transformou na economia de maior crescimento do hemisfério. Episódio que também foi notado.

O colapso do cartel dos credores do FMI foi um golpe duro na influência dos Estados Unidos. Foi mais forte na América Latina, onde a maior parte da região era chamada de "quintal" dos Estados Unidos mas agora é governada por estados que são mais independentes de Washington do que a Europa.

O problema é que os países em desenvolvimento mais pobres, especialmente na África, continuam dependentes de ajuda estrangeira do FMI (e do Banco Mundial e outras fontes) para financiar seu orçamento e necessidades de importação. Isso pode prejudicar o desenvolvimento dos países e dos povos. Em anos recentes, o FMI - insistindo que tais medidas são necessárias para controlar a inflação - tem imposto condições que limitam os gastos públicos e, de acordo com avaliação interna do próprio Fundo, impedem os governos de financiar necessidades urgentes, como saúde e educação.

Esses países precisam se juntar aos outros do mundo em desenvolvimento para se libertar das condições do FMI. O Congresso dos Estados Unidos pode votar legislação para pressionar o FMI a usar parte de suas grandes reservas de ouro para cancelar a dívida externa e para limitar o controle do Fundo sobre a política destes países. Seriam passos importantes para os pobres do mundo.

Fonte: Vi o Mundo
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terça-feira, 29 de abril de 2008

O desafio do pós-desenvolvimentismo

Ao ampliar a democracia, e promover distribuição de renda, o governo Lula enfrentou duas das três tendências malditas que marcaram o "desenvolvimento" brasileiro nos anos 1900. Mas ainda corre um risco: o de manter a tradição predatória, no século em que o grande desafio é a sustentabilidade

por Hamilton Pereira

Nós brasileiros somos herdeiros de uma tradição desenvolvimentista firmada ao longo de século 20, que se definiu por um triplo caráter: autoritário, crescemos sob ditaduras; excludente, crescemos concentrando renda; e predatório, crescemos ignorando a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.

A cultura do desenvolvimento brasileiro parte do pressuposto equivocado de que os recursos naturais são infinitos. Em decorrência do modelo de acumulação agro-exportador, colonial e neocolonial baseado nas monoculturas “históricas” (cana-de-açúcar, café...) e nas recentes (cana de açúcar... e soja), vigiadas de perto pelos olhos redondos das vacas... Crescemos de maneira disforme, sem o equilíbrio capaz de garantir a durabilidade dos ciclos, historicamente interrompidos por longos períodos de crise e estagnação, como nos últimos 20 anos.

Nos seis anos do governo Lula, o Brasil enfrenta com relativo êxito esse triplo desafio: crescemos com democracia. É inegável. Crescemos com distribuição de renda. Não há como contestar. Mas não incorporamos a dimensão da sustentabilidade sócio-ambiental à cultura do novo ciclo de desenvolvimento.

O que fazer para que o governo Lula não passe para a história como um período que, sob condições infernais, teve êxito na consolidação da democracia brasileira, no combate às criminosas desigualdades sociais — mas não soube dar a solução adequada para a agenda do século 21: a sustentabilidade sócio-ambiental do desenvolvimento?

O principal agente de um novo modelo será a sociedade. Ao Estado cabe oferecer instrumentos. Mas que resulta das resoluções tomadas nas Conferências Nacionais?

Partimos da convicção de que quem resolve o problema é quem sente o problema: ou seja, a sociedade, a cidadania. Ao Estado cabe – e o Brasil ainda está longe disso – oferecer os instrumentos para dar solução, cumprir o papel indutor do desenvolvimento. Essa convicção orienta o esforço de mobilização da sociedade por meio de uma série de Conferências Nacionais. No início de abril, concluímos a etapa das plenárias estaduais da III Conferência Nacional do Meio Ambiente. Foram 27, precedidas de 556 plenárias municipais e 141 plenárias regionais. Esse rico processo de mobilização e educação social envolveu mais de 100 mil pessoas para debater o tema das mudanças climáticas e oferecer a contribuição da sociedade para a formulação da Política Nacional face às Mudanças do Clima e do Plano Nacional que derivará dela.

Uma pergunta inevitável, apresentada pelos setores sociais que entendem as Conferências como uma vistosa maneira de perder tempo e jogar dinheiro fora – e mesmo pelos setores que desejam aprimorar o processo é: o que é feito com as deliberações delas? A informação está disponível no site do Ministério do Meio Ambiente (MMA): mais de 350 deliberações aprovadas na II Conferência Nacional do Meio Ambiente, de competência do MMA, foram implementadas ou estão em fase de implementação, por se tratar de processos. Isso significa 83% das decisões aprovadas pelos cidadãos que participaram da conferência anterior. O cumprimento das deliberações, no que tange às atribuições do MMA, representa não apenas o compromisso do ministério com o processo, mas também o grau de amadurecimento dos delegados, ao aprovarem deliberações que sinalizam as prioridades de uma agenda ambiental para o Brasil.

Ao lado dos números que se referem à mobilização e execução das deliberações pelo governo, cumpre registrar um fato igualmente relevante: a agenda ambiental no Brasil vai deixando de ser assunto exclusivo dos ambientalistas e dos estudiosos, para se tornar um tema do quotidiano dos cidadãos. Chegaremos à Plenária Nacional da III Conferência, de 7 a 10 de maio, com a presença majoritária de movimentos sociais, entidades comunitárias, populações tradicionais que vão, de modo crescente, legitimando-se como protagonistas na consolidação dos espaços democráticos que construímos. Essa é uma conquista formidável da sociedade brasileira. Ela deriva de décadas de militância e compromisso de ONGs ambientalistas, movimentos sociais, comunitários, cooperativas, administrações municipais e estaduais pioneiras. Esse processo traz consigo o significado mais profundo: estamos vivendo uma transformação na cultura do desenvolvimento brasileiro. Consolidar essa sensibilidade nas políticas de desenvolvimento em curso será fundamental para imprimir essa nova qualidade ao ciclo histórico que marcará o Brasil do século 21.

Fonte: Le Monde Diplomatique Brasil

Hamilton Pereira da Silva (Pedro Tierra) é poeta e escritor. É Secretário de Articulação Institucional e Cidadania Ambiental do Ministério do Meio Ambiente e membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONMA). Foi secretário de Cultura do Distrito Federal e presidente da Fundação Perseu Abramo. Atuou junto às lideranças sindicais de trabalhadores rurais e movimentos sindical, popular e cultural.


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Ah, esses mineiros!

por Idelber Avelar

A Executiva Nacional do PT não tem um histórico muito bom quando decide interferir nas decisões das sessões locais do partido. A situação calamitosa do PT fluminense vem de longe, mas foi sacramentada em 1998, depois que a convenção escolheu a candidatura de Vladimir Palmeira ao governo do estado. A mando de José Dirceu e cia., a cavalaria cossaca do PT paulista invadiu o Rio para impugnar a decisão e impor Benedita da Silva como vice numa chapa com .... Garotinho!, na mais burra coalizão já feita na história do partido. A lógica do golpe era garantir uma aliança nacional com um Leonel Brizola que, naquele momento, já tinha menos peso eleitoral que Enéas. Os petistas fluminenses sabiam quem era Garotinho e previram o desastre, mas a Avenida Paulista falou mais alto outra vez. Não digo que Vladimir ganharia a eleição, mas ele tinha chances. O fiasco com Garotinho só trouxe, para o PT fluminense, uma desmoralização da qual ele não se recuperou até hoje (à luz desse episódio, diga-se de passagem, fica claro o imenso cinismo de José Dirceu, comemorando a vitória das “bases” sobre os “caciques” na recente prévia em que Maria do Rosário derrotou Miguel Rossetto em Porto Alegre: os petistas do Rio conhecem o respeito que Dirceu tem pelas bases).

Agora, a história é ao revés. A sessão local quer fazer uma aliança e a Executiva Nacional impugnou. Já não é segredo para ninguém que o prefeito Fernando Pimentel (PT-BH), político com índices de aprovação superiores aos de Lula entre seus representados, anda de namoro com Aécio Neves (PSDB-MG), com vistas a uma aliança na qual o PSB (sim, os socialistas, não os tucanos) indicaria a cabeça-de-chapa para a prefeitura de Belo Horizonte e o próprio Pimentel sairia como candidato ao governo do estado, apoiado por Aécio. Qualquer um que saiba a diferença entre a Savassi e o Cachoeirinha entende que, com os apoios de Aécio e Pimentel, até José Roberto Wright se elege prefeito de Belo Horizonte. Pimentel foi eleito no primeiro turno com 69% dos votos e sua taxa de aprovação anda por volta dos 74%. A aliança PT-PCdoB-PSB governa Belo Horizonte há 16 anos.

A nota da Executiva que veta o acordo afirma que O DN e o Diretório Estadual de Minas Gerais consideram o governo Aécio Neves uma administração comprometida com políticas frontalmente distintas daquelas que compõem nosso ideário e o nosso programa de governo . Dez anos atrás, essa frase teria sido defensável. Hoje, depois das alianças do PT com José Sarney e Jáder Barbalho, ela soa cínica aos olhos de grande parte do eleitorado. Não discuto o mérito dessas alianças. Minha posição é que elas só poderão ser eliminadas depois de uma reforma política. O problema é concreto: o que vai pensar o eleitor petista em Minas, vendo o partido jogar pela janela a possibilidade de governar o segundo maior estado da federação? A pior parte da nota da Executiva é o ponto seguinte, que estabelece que o partido não autorizará, em nenhuma hipótese, o PT a participar de qualquer coligação da qual faça parte o PSDB naquela capital . Note-se que o virtual candidato a prefeito de BH não é do PSDB; é do PSB, partido historicamente aliado ao PT. Sabedora de que a aliança não prevê apoio a nenhum candidato do PSDB, a Executiva vai além e proíbe a participação em qualquer coligação na qual o PSDB esteja presente. Não custa lembrar que o carlismo foi enterrado na Bahia com não desprezível papel de uma série de alianças PT-PSDB. Em Minas, Aécio age de olho em sua candidatura a presidente? É óbvio que sim. Mas também está claro que Aécio, que dá nó em pingo d'água, sabe que essa aliança não lhe garante nada quanto à posição do PT – um partido complexo – em 2010.

Não defendo a coalizão mineira necessariamente, mas acho que o PT nacional não está lidando com o desafio da forma mais inteligente. O PT já poderia, por exemplo, ter deslocado o nome que está sobre a mesa, do Secretário Estadual do Desenvolvimento Econômico, Márcio Lacerda (PSB), sobre quem pairam dúvidas de ordem ética, em favor do outro nome que havia sido oferecido, a excelente ex-reitora da UFMG, Ana Lúcia Gazzolla (PSB), sobre cuja integridade e competência não paira nenhuma dúvida. Agora parece que já é tarde. Mesmo em Minas, há setores resistentes ao acordo, especialmente na esquerda do PT. O argumento é que se for para abrir mão da cabeça-de-chapa em BH, que seja em favor de uma velha aliada, a deputada federal do PC do B Jô Moraes (em quem votei, aliás). Ela é a atual líder das pesquisas em qualquer cenário que não inclua Patrus Ananias. Se o PT terminar indicando o vice de Jô Moraes ao invés de costurar o acordão com Aécio, isso pode repercutir nas eleições de São Paulo, emplacando Aldo Rebelo como vice de Marta Suplicy. Aliás, já está impossível acompanhar as duas corridas isoladamente. Reitero que não sou fã de Aécio Neves, mas o PT vai passar por um desgaste muito grande se dinamitar essa aliança sem tato e aparecer, daqui a dois anos, fazendo campanha para Ciro Gomes.

Fonte: O Biscoito Fino e a Massa


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Três bispos que atuam no Pará integram a 'lista da morte' por denunciarem mazelas sociais na região.

derwin220408_1.jpgCHICO ARAÚJO

chicoaraujo@agenciaamazonia.com.brEste endereço de e-mail está sendo protegido de spam, você precisa de Javascript habilitado para vê-lo

BRASÍLIA — Três bispos católicos da Amazônia estão marcados para morrer. Um deles, dom Erwin Kräutler, de Altamira (PA), vive sob escolta policial durante as 24 horas do dia há mais de um ano. Os outros dois ameaçados são dom Luiz Ascona, de Marajó (PA), dom Flávio Giovenale, de Abaetetuba (PA). Eles entraram na ‘lista da morte’ de fazendeiros, fazendeiros e traficantes devido à atuação contra a grilagem de terras, derrubada e tráfico de madeira e de drogas, tráfico de mulheres (crianças e adolescentes) para a prostituição da Guiana e na Europa.

A situação enfrentada pelos religiosos causa preocupação aos integrantes da Comissão da Amazônia da Câmara. Para discutir a questão, a Comissão promove audiência pública no dia 6 de maio. O debate foi sugerido pela presidente da comissão, deputada Janete Capiberibe (PSB-AP), e teve o apoio de mais de outros dois deputados: Marcelo Serafim (PSB-AM) e Maria Helena (PSB-RR).

Até dia 26 de fevereiro último, Dom Kräutler acordava todos os dias às 4h15 da manhã e fazia uma caminhada de 5 quilômetros pela orla do rio Xingu. Em menos de uma hora, o austríaco Erwin Kräutler, “brasileiro nascido fora do Brasil”, voltava à sua residência de bispo. Devido às ameaças, Dom Kräutler teve de mudar a rotina. “Estou preso dentro de casa”, disse ele à repórter Phydia de Athayde, de Carta Capital.
Confira abaixo, trechos da reportagem da Carta Capital desta semana sobre os bispos ameaçados de morte na Amazônia:

Policiais militares revezam-se em três turnos de oito horas para garantir a integridade do bispo, sob escolta há cerca de um ano, por conta de ameaças de morte. A descoberta de que havia um prêmio de 1 milhão de reais pela cabeça de Kräutler levou a polícia a aconselhá-lo a não mais sair de casa pela manhã, para não facilitar a vida dos pistoleiros.
Quanto tempo se leva para rezar três vezes o terço? Exatos 45 minutos. Kräutler obteve a resposta ao substituir a exuberante beira do Xingu pela monotonia do corredor da casa paroquial. “São 65 passos para a frente, 65 passos para trás, vou e volto sem parar, rápido.” O bispo tem 68 anos, 42 de Brasil, zero de sotaque. É torcedor do Paysandu, o time mais popular do Pará, gosta dos tambores quentes do carimbó (a dança sagrada paraense), e escuta muita música clássica. “Adoro Mozart e Villa-Lobos, mas Bach é minha vida.”
O religioso nunca solicitou proteção policial. Aceitou a escolta por imposição, depois de anos de ameaças diversas. No fim de 2006, após uma série de telefonemas com detalhes de como seria assassinado, rezou as missas festivas das paróquias de Gurupá e Porto de Moz, para cerca de 2 mil fiéis, usando colete à prova de balas. “Foi horrível, imagine aquilo pesado, embaixo da túnica, no calor amazonense”, diz, num relato sem rancor, quase irônico. “Pior eram os policiais armados, no altar. Eu disse para mim mesmo: ‘Não estou aqui para isso’”. Deixou de lado os coletes, mas os soldados não o abandonaram.
Além de Kräutler, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) alerta para outros dois ameaçados de morte, dom José Luís Azcona (de Marajó) e de dom Flavio Giovenale (de Abaetetuba), todos atuantes no Pará. A Comissão Pastoral da Terra acaba de lançar o relatório anual sobre conflitos de terra no País. Entre 260 ameaçados de morte há dez religiosos.
Giovenale não anda escoltado, mas admite a “problemática” local. No ano passado, foi ameaçado em duas ocasiões, por denunciar esquemas de tráfico de drogas na cidade, que fica na foz do rio Tocantins. “Te cuida ou fazemos o serviço”, ouviu ao telefone. O clima tenso o levou a evitar a mídia no episódio da garota de 15 anos, presa em uma cela com homens na delegacia local, que chocou o País. Participou ativamente, porém, das reuniões com o Ministério Público e com o Conselho Tutelar, exigindo a punição e transferência dos envolvidos. “Depois que baixar a poeira, acertamos com você”, ouviu de um transeunte, na rua. Mas o bispo não pretende deixar a cidade. “A presença da Igreja é uma proteção para as pessoas. Me sinto bem lá, me sinto amado”, conclui.
Em comum, os ameaçados, especialmente na Região Norte do Brasil, têm o fato de lutar contra a devastação da mata e a favor dos direitos de povos indígenas e ribeirinhos. Mas Kräutler “incomoda” também por ter denunciado uma rede de exploração sexual e prostituição infantil no estado, por cobrar incessantemente a punição dos mandantes do assassinato da ex-colega e missionária Dorothy Stang (morta a tiros, em 2005, por lutar contra madeireiros em Anapu) e por ser uma voz fervorosa contra a construção da Usina Hidrelétrica Belo Monte no rio Xingu. Em uma tacada, contraria interesses locais, regionais e federais.
A sinceridade escancarada e destemida não colabora com a segurança. “O governo brasileiro está muito preocupado com a imagem do Brasil lá fora, e não com o que vivemos aqui. Eu mesmo, minha proteção é para inglês ver, pois não se preocupam em buscar os que me ameaçam e que matam outros que lutam como eu”, afirma. E prossegue a falar sobre a política local.
“O Pará é o estado mais rico do Brasil, tem recursos naturais incríveis, mas o povo vive na miséria. Quem é beneficiado por esse tal progresso? O problema é que existem pessoas que são de primeira categoria, os donos do mundo, enquanto outras são descartáveis. O nosso desenvolvimento favorece apenas a primeira categoria. Por isso, o índio não tem valor. São chamados de entraves do progresso porque não produzem.”
Kräutler disseca, de forma igualmente crítica, a estrutura social da região, que conhece como a palma da própria mão. A saber: o povo (“índios, ribeirinhos e imigrantes dos anos 1970”), os aventureiros (“querem enricar no curto prazo”), os madeireiros (“querem serrar e não pensam no futuro”), os mineradores (“a mesma coisa”) e aqueles, no governo, que “enxergam a região apenas como província energética”.
"Todos, menos o povo, me colocam como inimigo do progresso”, declara, e explica suas motivações: “Entendo a ecologia a partir da visão cristã de que não devemos destruir o que recebemos como uma bênção. Defendo uma idéia de desenvolvimento em que a pessoa humana seja o centro, e não o dinheiro. Me revolto, fico indignado com essa mania do Brasil se deixar explorar e ainda agradecer. Isso tem de acabar”.
Em quatro décadas de Xingu, o inconformismo de Kräutler rendeu alguns frutos. Antônia Pereira Martins, a Toínha, é coordenadora do movimento de mulheres de Altamira Defensoras do Xingu e diz que a “visão libertadora” do bispo foi crucial na organização social da região. Ele presidiu o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) por oito anos, na década de 80, e recentemente voltou a liderar a organização.
“Dom Erwin é muito carismático e muito firme nas suas posições. Não é bispo apenas dos católicos, se posiciona ao lado de quem está ameaçado. Ele nos ensinou a ter uma visão crítica da sociedade, é claro que isso incomoda alguns”, diz Toínha. O movimento social local prepara, para fim de maio, um Encontro dos Povos do Xingu para protestar contra a Hidrelétrica de Belo Monte. Toínha diz ter esperança de que o projeto seja barrado e contará com o apoio do religioso, “um exemplo para nós”, nas manifestações.
O bispo da prelazia do Xingu não é o primeiro Kräutler a exercer influência na região. Seu tio, Eurico, chegou ao Pará em 1934, como missionário. Seria bispo da mesma prelazia até 1981, quando foi substituído pelo sobrinho. Na gélida Áustria, graças às cartas do tio, o garoto Erwin ouvia falar do Xingu, dos índios, dos seringueiros, da imensidão da natureza, e alimentava o início de uma paixão.

Fonte: Agência Amazônia de Notícias


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