sexta-feira, 18 de abril de 2008

Estados Unidos: O pior da crise está por vir

Os dois maiores temores atuais são a corrida bancária e uma queda ainda mais pronunciada do dólar. O montante da moeda em circulação nos Estados Unidos é mantido em segredo, sinal seguro de está sendo impresso dinheiro dia e noite e que cedo ou tarde a inflação vai disparar.

TÓQUIO (IPS) – Dia a dia recebemos notícias que soam velhas sobre a crise econômica. E, como é habitual, essas notícias se referem à crise para os ricos e à "economia" como um sistema, mas nunca à miséria no fundo desse sistema. A esta crise dão nomes como “restrições ao crédito”, “falta de liquidez” ou “crise de investidores’. Naturalmente existe uma restrição de crédito e não há dinheiro disponível porque as pessoas da área financeira sabem melhor que ninguém quanto se tornou instável a economia e de que modo as dívidas, incluindo as hipotecas, são empacotadas, vendidas e revendidas até que a dívida original se torne irreconhecível.

Cada credor acrescenta novas condições, freqüentemente incluindo muito pronunciados aumentos de juros depois das fáceis condições iniciais dadas para atrair os crédulos. Além disso, os financeiros sabem que as instituições que estão emitindo certificados de solvência são de propriedade das próprias instituições financeiras as quais certificam, fazendo, assim, com que seus certificados AAA, etc, não tenham valor algum. Com esses certificados atraem crédulos municípios de todas as partes do mundo para a obtenção de créditos que depois lhe resultarão devastadores.

Por que fazem tudo isto? Por que são ardilosos e ambiciosos? Essa é parte da verdade, mas, também procuram garantir seus próprios interesses antes que venha a crise verdadeira. Por boas razões: as instituições financeiras já estão quebrando, os juros das dívidas não estão sendo pagos e a cadeia de instrumentos financeiros (incluindo os seguros) também está desmoronando. Então, por que não tentar obter algum reembolso enquanto existe algum dinheiro e muito poucas normas?

Porém, alguns devedores também estão trapaceando e fazendo malabarismo dando informações de valores inexistentes para seus empréstimos com a esperança de poder pagá-los antes que subam as taxas de juros, por exemplo, usando cartões de credito. Os dois maiores temores atuais são a corrida bancária e uma queda ainda mais pronunciada do dólar. Vejamos o caso do Banco Northern Rock, da Inglaterra. As pessoas fizeram fila pare retirar seu dinheiro, confiando mais no dinheiro no bolso do que deixando-o depositado no banco, que, portanto, teve de ser objeto de um resgate financeiro.

O mesmo ocoreu nos Estados Unidos, com fundos privados ou federais, com a tentativa de cortar pela raiz uma profecia que por sua própria natureza contribui para não se concretizar. Não se pode saber se terão êxito, ou não. Deve-se dizer que a corrida bancária dos anos 30, não a crise econômica de 1929, esteve na raiz da depressão. O pior está por vir. O dinheiro retirado dos bancos pode se desvalorizar drasticamente, pelo menos por três razões:

Primeiro, o montante da moeda em circulação nos Estados Unidos é mantido em segredo, sinal seguro de está sendo impresso dinheiro dia e noite e que cedo ou tarde a inflação vai disparar.

Segundo: o custo da guerra, agora estimado em US$ 3 bilhões, é uma porção considerável da riqueza dos Estados Unidos. Mas, ainda mais importante é o pagamento dos juros dessa colossal dívida, contraída porque os Estados Unidos não querem que os contribuintes paguem diretamente o custo da guerra.

Terceiro. Essa dívida é sustentada por bônus norte-americanos em mãos de estrangeiros que estão ansiosos para se livrarem deles. Assim, o mercado se verá inundado de dólares que se agregarão aos recém-impressos, o que depreciará os bônus, os dólares e os Estados Unidos.

As exportações podem se beneficiar se a redução de preços for embolsada pelo comprador e não pelo comerciante. Mas, quanto atraente são atualmente os bens norte-americanos, especialmente os serviços, a qualquer custo? Em sua maioria, o que está subjacente nisto é a “especulação”. O que é isso. Uma expressão mais de uma economia enferma que leva a riqueza para os ricos, de modo que as pessoas morrem abaixo e nadam na liquidez acima. Eles usam a liquidez para obter mais dinheiro, mas, já que a economia real é lenta giram a economia financeira em bens para comprar e vender, não para o consumo, que valorizam rapidamente. Com essa grande liquidez extraída criam uma bolha destinada a se desfazer. Assim foi há alguns anos com as empresas.com e agora com as moradias.

Entretanto, há uma diferença. A moradia é uma necessidade básica, enquanto as empresas.com o são apenas indiretamente. As pessoas colocaram dinheiro na moradia em parte para viver, em parte para especular, apenas para ver como a bolha se desfaz. Elas perdem dinheiro, a casa, vivem com parentes ou em traillers (os bancos só perdem dinheiro) e em todo os Estados Unidos há colocados diante de seus antigos lares cartazes dizendo “Leilão” ou “Abertura de julgamento hipotecário”.

E o que ocorre? Os bancos que foram, inclusive, criminosos são recompensados com resgates financeiros, enquanto as pessoas, a maior parte delas honesta, são castigadas pela má ação dos bancos. Isto é abominável. Todo dinheiro deveria ser usado pelo menos para amortizar as hipotecas, beneficiando, dessa forma, tanto devedores quanto credores.

* Johan Galtung, professor de Estudos sobre a Paz e fundador da Transcend, rede global sobre paz e desenvolvimento.

Fonte: Agência Carta Maior

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