quarta-feira, 30 de abril de 2008

À espera de uma catástrofe

Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje (29/04/2008) no Correio Braziliense.

Falta um Lula a Lula. Alguém relevante que esteja disposto a liderar o país em torno de um projeto diferente do do petista, e que esteja pronto para os sacrifícios decorrentes da opção

Por Alon Feuerwerker
alon.feuerwerker@correioweb.com.br

A popularidade e a aprovação de Luiz Inácio Lula da Silva continuam ladeira acima, conforme mostra nesta edição reportagem de Daniel Pereira. A rigor, não chega a ser notícia, já que o fato se repete consistentemente desde a reeleição do presidente, ano e meio atrás. De todo modo, não deixa de ser uma oportunidade para analisar a essência do fenômeno. Por que Lula vai tão bem? Ora, porque o governo é bom e porque não enfrenta oposição digna do nome.

O leitor dirá que não há novidade nessa caracterização. É possível, até porque não seria razoável buscar a cada vez uma explicação diferente para o mesmo acontecimento. O governo é bom porque os resultados dele são bons. E, considerando que governar é principalmente a arte de manter e ampliar o apoio político a quem governa, se a maioria acha que a administração merece apoio então o governo tem lá suas qualidades. Se a oposição não está à altura dos acontecimentos, azar dela.

Mesmo governos bem avaliados e realizadores podem, porém, sofrer uma resistência eficaz. No primeiro quadriênio de Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, era bem difícil militar na oposição ao Plano Real, ao fim da inflação, ao dólar barato, etc. Mas o PT de Lula não se dobrou. Cuidou de entrincheirar-se nas suas bases históricas e escarafunchar cada milímetro do cenário para descobrir limitações, debilidades, problemas potenciais. O PT de Lula tinha um projeto: eleger Lula ao Palácio do Planalto. E estava disposto a atravessar o deserto para tornar viável o seu sonho.

A metáfora é ainda mais adequada nesta época do ano, em que se comemora a Páscoa judaica. Moisés comandou a saída dos judeus do Egito, onde eram um povo cativo. O grande desafio, entretanto, era outro. Era chegarem à Terra Prometida não como escravos, mas como libertos. Após o episódio em que, aos pés do Monte Sinai, a turma cansou-se de esperar pelas Tábuas da Lei e começou a adorar o bezerro de ouro, um ícone religioso egípcio, Moisés em fúria concluiu que uma nação de escravos não se converteria em uma nação de homens livres sem passar por uma purificação geracional.

O resultado foram quarenta anos de migração pelo deserto do Sinai. Só depois foi permitido entrarem na Terra Prometida. O episódio é bem conhecido de todos que se debruçam sobre o Velho Testamento. E tem sua utilidade na análise política da luta atual no Brasil entre o governo e a oposição.

O governo do PT tem limitações importantes, também já descritas nesta coluna. O complicador mais recente é a inflação nos preços da comida. Estivesse o PT na oposição e não no poder, certamente os petistas apontariam o dedo acusador para o Palácio do Planalto e cobrariam o possível e o impossível. Cobrariam a aceleração da reforma agrária e uma política de segurança alimentar mais eficaz. Diriam que o presidente gastou tempo e energia demais para alavancar o biocombustível, deixando de lado a tarefa central: acelerar fortemente a produção de comida, para evitar que a previsível explosão mundial da demanda colocasse em risco a fartura na mesa dos brasileiros, especialmente dos mais pobres.

Se o governo retrucasse com afirmações genéricas sobre a ineficácia e o anacronismo da reforma agrária tradicional, uma oposição digna do nome reagiria com estudos, estatísticas e especialistas em profusão comprovando a superioridade da agricultura familiar sobre o agronegócio na produção de alimentos. E estabeleceria uma polarização, social e política, em que o poder instituído obrigatoriamente ocuparia o pólo dos privilegiados, dos insensíveis, dos reacionários. Mas isso se houvesse oposição.

O cenário político no Brasil é razoavelmente simples de descrever. Há um líder, Lula, que produz diariamente boas notíci
as para as pessoas comuns. Do outro lado, um amálgama de chefes (e candidatos a chefe) e oligarcas de expressão regional que oscilam e entre o udenismo e o adesismo. E que nada parecem ter a dizer ao país de original sobre nenhum assunto.

Falta um Lula a Lula. Alguém relevante que esteja disposto a liderar o país em torno de um projeto diferente do do petista, e que esteja pronto para os sacrifícios decorrentes da opção. Sem isso, vai continuar assim. Periodicamente, vamos mandar o repórter cobrir uma pesquisa. Ele irá. E dará o retorno: dirá que a popularidade do presidente cresceu ainda mais.

A não ser, naturalmente, que sobrevenha uma tragédia. É disso que depende hoje a oposição brasileira. De uma catástrofe natural.

Fonte:
Blog do Alon Feuerwerker
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