segunda-feira, 14 de abril de 2008

O Caso Isabella e o show midiático

Por Eduardo Guimarães

Na primeira e única vez em que escrevi sobre o caso Isabella Nardoni (no sábado), eu disse que não vinha me interessando sobre o assunto por ele ter se convertido num show midiático, encenado para saciar uma platéia ávida por vingança e permeada, em boa parte, por um prazer mórbido de devassar e massacrar algum bode expiatório.
Essa mesma reflexão, porém, descobri que encerra a razão pela qual devo voltar ao assunto. O que está acontecendo é prova de uma deformidade social, de um tipo de comportamento coletivo que precisa ser combatido em benefício do processo legal e civilizatório, não do Brasil, mas da humanidade, pois o "espetáculo" Isabella emula outros que irrompem também em sociedades ditas "civilizadas".
No Brasil, porém, num país em que crianças são prostituídas, estupradas, mutiladas, assassinadas, exploradas e abandonadas o tempo todo, não se entende que as atenções se voltem para um único caso como acontece em sociedades mais ricas e cultas onde essas barbaridades são muito mais raras.
O caso Isabella Nardoni, porém, não sai da mídia, apesar das idas e vindas dos meios de comunicação, que ora apresentam "provas" da culpa do pai e da madrasta de Isabella e ora pedem "cautela" aos que querem culpá-los previamente, mas esses meios, de uma forma ou de outra, mantêm o escândalo "aceso" ininterruptamente, quando o melhor para todos os envolvidos seria as investigações prosseguirem em sigilo, pois os parentes todos da menina estão sofrendo um assédio infernal da imprensa num momento de dor extremada e esse assédio em nada contribui para esclarecer os fatos.
Não se pode culpar só a mídia, no entanto. Há que responsabilizar também as autoridades por terem contribuído para transformar essa tragédia nesse espetáculo macabro que tem ocupado tanto as atenções do país. E as autoridades às quais me refiro são as autoridades policiais.
Pensem comigo: a polícia, antes de tudo, está OBRIGADA a desvendar crimes. E quando se trata de um crime com esse grau de visibilidade, essa polícia fica contra a parede. Se, até agora, não tivesse suspeito ou suspeitos, os responsáveis por deslindar crimes estariam sendo duramente criticados, por mais difícil que o caso seja. Por isso se vê esse processo investigativo digno de uma Scotland Yard.
Oxalá fosse essa que se vê na tevê e nos jornais a realidade da polícia brasileira. Milhares e milhares de crimes, tão ou mais graves do que o de Isabella, no entanto, ocorrem o tempo todo e não recebem investigações com alta tecnologia, com promotores e delegados indignados e lacrimejantes pelas vítimas. O que criou essa polícia científica e atuante que temos visto no caso Isabella é a condição social da garota e o assédio da mídia.
Nessa roda-viva toda, porém, até agora ninguém fez a pergunta mais elementar em qualquer investigação policial: "Cui Prodest", ou, em bom português, "a quem interessa?". Não se tem, até agora, o motivo pelo qual o casal Nardoni teria matado a pequena Isabela.
Um outro aspecto interessante nessa questão é o da forma como o crime foi cometido. Espancar a vítima e atirá-la pela janela é compatível muito mais com crimes passionais do que com premeditados. A natureza desse crime é muito mais compatível com psicopatia do que com qualquer outra "razão". Porém, a tela que recobria a janela do aposento do qual Isabella foi jogada foi cuidadosamente recortada, de forma a permitir que a menina fosse atirada, o que pode revelar o desejo de expor o crime que tinha acabado de ser cometido.
Se Isabella não fosse jogada pela janela depois de um processo lento de arrombamento da tela que a recobria, poderia demorar horas e horas até que a menina morta fosse descoberta. Talvez não fosse descoberta nem no mesmo dia, o que daria tempo ao criminoso de fugir ou de pensar melhor sobre o que fazer, sobretudo se o crime tiver mesmo sido cometido por Alexandre Nardoni, por Anna Jatobá ou por ambos.
Sem as respostas mais elementares sobre o crime, foi cometido o excesso inaceitável de se prender e expor à execração pública pessoas que, se não forem culpadas, terão pago um preço exorbitante, igualmente inaceitável por um crime que não cometeram.
Não consigo imaginar injustiça maior que se possa cometer. Assumiu-se o risco de gerar até um linchamento de Alexandre e de Anna e isso sob a hipótese absolutamente plausível (por falta de provas) de que sejam inocentes.
O sigilo dessa investigação teria contribuído muito mais do que o alarde que está sendo feito. E se, ao fim de tudo isso, não se provar a culpa do pai e da madrasta da menina, e se, então, a eventual injustiça contra eles não for reparada, esse tipo de barbaridade continuará acontecendo. Além do criminoso que matou Isabella, teremos possíveis criminosos que estraçalharam aqueles que também podem ter sido vítimas da morte trágica dessa pobre criança.
Um amigo meu, por exemplo, passou por um constrangimento terrível não faz muito tempo. A mulher dele é uma pessoa simples e de pouca instrução. Eles têm uma filha da idade de Isabella. A mulher é uma mãe exemplar, amorosa, mas tem mania de gritar com a menina, e, quando está nervosa, às vezes profere palavrões. Vizinhos que não gostam da mulher simples, que vive hoje num condomínio de classe média alta, fizeram denúncia de que ela maltratava a filha, e o casal teve que comparecer diante das autoridades para prestar esclarecimentos.
Esses dias, eu e meu amigo comentávamos o seguinte: se alguma coisa lhe acontecesse com a filha, certamente as investigações revelariam a denúncia de que o casal foi alvo. Pela lógica atual, estariam condenados a todo o inferno que está sofrendo o casal Alexandre e Anna...
Seria muito bom que até os mais ávidos pelo espetáculo midiático-policial em curso refletissem sobre isto: a possibilidade de injustiça contra o pai e a madrasta de Isabella é uma ameaça a qualquer um pelas mais variadas razões, mas, sobretudo, porque, quando a sociedade exige um bode expiatório e as autoridades e a mídia o oferecem, visando, criminosamente, saciar a sede de vingança coletiva, ninguém mais está seguro.
*
Alertado por um leitor, descobri que o blog Desabafo País está fora do ar. Quando tentei acessar o blog, apareceu uma mensagem em inglês dizendo que foi "removido". Alguém sabe de alguma coisa?

Fonte: Blog Cidadania.com

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