quinta-feira, 24 de abril de 2008

O DEM e o banzo dos pijamas

As lideranças do DEM se deslocam movidas por nostalgia de caserna. Dos tempos prestigiosos em que era Arena, depois PDS até se reciclar em PFL. É banzo de quem se veste com roupagem do presente à espera de uma "ação redentora" que lhe restitua o passado e o sentido. Para isso, açula pijamas, imaginando as vistosas fardas de outrora.

Ao atacar a política indigenista do governo, o comandante militar da Amazônia, general Augusto Heleno, não cometeu apenas um ato de insubordinação, ferindo o Regime Disciplinar do Exército. Trouxe à tona, pelas reações que produziu em círculos conservadores a repreensão do presidente Lula, velhos questionamentos sobre a presença dos militares na cena política.

O que há em comum entre as notas distribuídas pelo presidente do Clube da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Ivan Frota, pelo presidente do Clube Militar, general Gilberto de Figueiredo e o posicionamento, também através de nota, do presidente do DEM, Rodrigo Maia? O que os une além do flagrante vezo autoritário? Um pretorianismo fora de época. Uma aposta equivocada de que conflitos distributivos, tal como no passado recente, encontrariam instituições debilitadas, incapazes de acomodá-los dentro dos marcos de um Estado democrático.

A presunção do trio parece ignorar que o rico inventário das ações dos movimentos sociais comportou a construção de sólidas casamatas tanto nos centros urbanos quanto no mundo rural. E foi isso que conferiu solidez ao Estado democrático. Numa sociedade totalmente distinta da existente em 1964, Ivan Frota, Rodrigo Maia e Gilberto de Figueiredo comportam-se como criações de Luigi Pirandello: três personagens a procura de uma "crise militar".

Esquecem que o golpe de Estado veio para barrar a emergência de movimentos sociais em um contexto específico: no plano interno, as debilidades estruturais do capitalismo brasileiro, no externo, a carga ideológica de um cenário internacional marcado pela lógica da Guerra Fria. O autoritarismo e a centralização do poder político no estamento militar tiveram como substrato o sonho da “potência emergente." O desgaste e o enfraquecimento de 20 anos de ditadura tornam possível, hoje, dramatizar o seu papel político.

Assim, como interpretar a vociferação do presidente do Clube da Aeronáutica quando ele ameaça uma autoridade legítima e democraticamente eleita?: "que o presidente não se atreva a tentar negar-lhe (ao general Heleno) o sagrado dever de defender a soberania e a integridade do Estado brasileiro (...). Caso se realize tal coação, o país conhecerá o maior movimento de solidariedade, partindo de todos os recantos deste imenso país, jamais ocorridos nos tempos modernos de nossa História".

Certamente o protofascimo tem um caldo cultural. A perda de prestígio político leva um ator a exacerbar seu grau de irracionalidade. Pegar uma questão pontual, pequena e elevá-la à condição de “democracia abalada" é um expediente tão surrado quanto inútil. Quem tiver o hábito de ler os comunicados do presidente do Clube da Aeronáutica verá que o discurso é recorrente. E patético.

Quando o general Gilberto de Figueiredo considera "estranho o presidente da República pedir explicações sobre o caso. Não me consta que tenha adotado o mesmo procedimento quando ministros do seu partido contestam publicamente a política econômica do governo", deixa trair um inconformismo não muito diferente do seu colega da Aeronáutica. Na verdade, revela uma linha de raciocínio que compreende as Forças Armadas ainda convertidas em sujeitos de poder altamente coporativistas e com amplas margens de autonomia no sistema político. Em suma, mais um personagem fora do tempo e do espaço.

E o que dizer do DEM quando sua Comissão Executiva Nacional “vem a público exigir medidas efetivas contra o clima de quase insurreição que temos vivido; alertar a opinião pública para a irresponsabilidade contínua do governo no uso do dinheiro público e manifestar apoio ao comandante militar da Amazônia, general Augusto Heleno Ribeiro Pereira – ameaçado e intimidado depois que solicitou mudanças na política indigenista"?

O que temos aqui é um partido em risco de extinção, sem projeto e perfeitamente dispensável pelas duas agendas em disputa. Uma agremiação que teve a votação diminuída de 2000 a 2004 e, na proximidade de uma eleição municipal, não conta com máquina estadual para puxar votos. Suas lideranças se deslocam movidas por nostalgia de caserna. Dos tempos prestigiosos em que era Arena, depois PDS até se reciclar em PFL. É banzo de quem se veste com roupagem do presente à espera de uma "ação redentora" que lhe restitua o passado e o sentido. Para isso, açula pijamas, imaginando as vistosas fardas de outrora.

É triste, ridículo, mas não passa disso a nossa “crise militar”.

Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, e colaborador do Jornal do Brasil e Observatório da Imprensa.

Fonte: Agência Carta Capital

Share/Save/Bookmark

Nenhum comentário: