sexta-feira, 25 de abril de 2008

Só falta beatificar Dantas

Redação CartaCapital

Talvez ainda chegue o dia em que um prócer do Partido dos Trabalhadores proponha a inauguração de um busto do banqueiro Daniel Dantas em alguma praça importante do País. Não seria surpresa. Em nome dos “interesses nacionais”, que costuma justificar as maiores barbáries e falcatruas, o governo Lula prossegue incólume no propósito de patrocinar a compra da Brasil Telecom (BrT) pela Oi. É possível apontar muitos ganhadores nesta operação. Além de Dantas, os principais acionistas da Oi, Carlos Jereissati e Sérgio Andrade. Quanto aos interesses nacionais e os consumidores, restam dúvidas sobre quais vantagens levariam nesta.

Até a noite da quinta-feira 24, estavam praticamente acertados os termos do acordo e a assinatura do negócio, que depende ainda de mudanças na Lei Geral de Telecomunicações (a legislação não permite a união de empresas concorrentes), deve sair antes de abril acabar.

No fim, os fundos de pensão e o Citibank, principais acionistas da BrT, aceitaram cessar todas as disputas judiciais que moviam contra o Opportunity de Dantas. Ao longo dos últimos anos, as fundações e o Citi reuniram provas suficientes para ingressar com ações diversas contra o banqueiro. A BrT cobra na Justiça brasileira. Seiscentos milhões de reais por danos administrativos e má gestão. Nos Estados Unidos, o Citi pede, no mínimo, 300 milhões de dólares por motivos semelhantes.

O acordo, ressalte-se, não interrompe processos na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) nem o caso Kroll, em andamento na 5ª Vara Federal de São Paulo, onde Dantas é acusado de comandar uma quadrilha de espionagem armada para bisbilhotar a vida de desafetos e concorrentes do Opportunity. Não cessam, mas, principalmente o que tramita na CVM, ficam bastante enfraquecidos.

O mais surpreendente é que Dantas não só não terá de desembolsar nenhum tostão pelo fim das pendências judiciais, como ainda receberá uma boa quantia por conta do acerto. Os acionistas da Oi aceitaram pagar 200 milhões de reais à BrT e 150 milhões de reais ao Opportunity pelo acordo de paz, conforme noticiou a revista eletrônica Teletime News. Uma assembléia de acionistas da Brasil Telecom ainda precisa aprovar a proposta.

Ninguém deve se iludir quanto à natureza dessa negociata. Ela não é simplesmente um acerto entre agentes privados em busca de eficiência e rentabilidade em seus negócios. Quem moveu a roda da fortuna nesse caso foi o BNDES, por ordens do Palácio do Planalto. O banco estatal vai financiar uma boa parte da criação da “supertele”, como vem sendo chamada a empresa resultante da união da Oi com a BrT. Deduz-se, portanto, que a parcela a ser paga a Dantas será deduzida da quantia repassada a juros camaradas por uma instituição oficial. Como o governo tem relacionado todo e qualquer projeto federal à idéia do Programa de Aceleração do Crescimento, nada mais justo que chamar essa triangulação de PAC do Dantas. Fica a pergunta: quem assumirá a paternidade ou a maternidade do pacote?

O governo Lula está, assim, prestes a repetir o modelo equivocado dos tempos de Fernando Henrique Cardoso. No período que precedeu o vexame do apagão, o BNDES desembolsou 21 bilhões de reais para o setor elétrico. Desse total, apenas 7 bilhões foram injetados em projetos de expansão da oferta de energia, tão necessários naquele momento. O resultado, catastrófico, todo mundo viu em 2001.

Agora estamos diante de uma tremenda perspectiva de crescimento sustentado e a demanda por financiamento industrial não pára de crescer. Mesmo assim, o BNDES prefere bancar um processo de fusão de vantagens duvidosas e bastidores nebulosos.

Além do mais, não é que o banco de fomento esteja nadando em dinheiro. Na terça 22, a Câmara dos Deputados teve de aprovar um aporte do Tesouro de 12,5 bilhões de reais ao BNDES para que a demanda por empréstimo seja atendida neste ano. Qualquer cidadão razoavelmente informado poderá listar ao menos uma centena de projetos muito mais prioritários e fundamentais ao desenvolvimento do que a criação da BrOi.

Lula, em sua popularidade inabalável, e seus principais assessores deveriam atentar para um fato grave dessa situação, já mencionado por CartaCapital diversas vezes. Há um claro conflito de interesses que deveria manter o Palácio do Planalto longe dessa negociação: a Oi é sócia do filho do presidente da República, Fábio da Silva, em uma produtora de conteúdo para a tevê.

Nada justifica que qualquer nesga de pudor e de postura republicana seja simplesmente atropelada. Nem supostos “interesses nacionais” nem a aparente certeza de que altos índices de aprovação são uma licença para se praticar qualquer ato.

Fonte: Carta Capital
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