Insegurança nacional
Por Alon Feuerwerkeralon.feuerwerker@correioweb.com.br
Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje (18/04/2008) no Correio Braziliense.
A força política do presidente e a extrema fraqueza dos adversários começam a empurrar o ex-metalúrgico para aquela zona de risco político que costuma sugar governantes quando o céu parece todinho de brigadeiro
O presidente da República quis desqualificar as conclusões de um relatório da ONU que critica os biocombustíveis. O principal argumento retórico do chefe do governo é que não dá para um sujeito ficar sentado confortavelmente na Suíça e querer discorrer sobre realidades distantes, geograficamente falando.
Bingo! Se a regra vale o para o suíço Jean Ziegler, vale também para o hoje brasiliense (por adoção) Luiz Inácio Lula da Silva. Não sei se Ziegler já esteve pessoalmente em algum dos cenários planetários nos quais se desenvolve a indústria do etanol. Mas tenho certeza de que Lula jamais pegou o avião da Presidência para dar uma passadinha em Roraima, onde o governo federal tenta a todo custo, contra tudo e contra todos, aplicar políticas que não resistem a qualquer análise que se guie em primeiro lugar pelo interesse nacional.
O paralelismo evidencia que a fala de Lula sobre Jean Ziegler foi imprudente. A força política do presidente e a extrema fraqueza dos adversários começam a empurrar o ex-metalúrgico para aquela zona de risco político que costuma sugar governantes quando o céu parece todinho de brigadeiro. Pelo visto, o chefe e a equipe acreditam que hoje em dia podem dizer e fazer o que quiserem, que nada de ruim lhes acontecerá.
Vejam por exemplo o caso do dossiê palaciano com informações supostamente constrangedoras contra o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O spinning oficial trabalha para emplacar que o episódio tem sido ótimo para a ministra Dilma Rousseff, que colou sua imagem à de Lula e, segundo o Planalto, subiu nas pesquisas.
É até possível que ela tenha conseguido uns pontinhos. E daí? Por esse critério, então, o governo brasileiro deveria ter apoiado firmemente o ataque militar colombiano contra as Farc no Equador, em que morreu um dos principais dirigentes da guerrilha. A ação elevou a popularidade do presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, a cerca de 85%, número que deixa na poeira qualquer das estatísticas mais caras a Lula.
Governar não é apenas guiar-se por pesquisas. A política feita apenas em função da popularidade imediata costuma pregar peças. No caso do dossiê, a propósito, aguardam-se as conclusões da investigação da Polícia Federal.
Mas voltemos a Jean Ziegler. Trata-se de um intelectual e militante de cujos escritos a esquerda e o PT bebem há décadas. Agora que o PT e Lula decidiram caminhar de mãos dadas com a agroindústria do biocombustível, passam a desqualificar os amigos de ontem. E sem nenhuma sutileza.
Aos argumentos, presidente. Até hoje Lula não explicou por que seu programa de distribuição de terras é um fracasso, já que, segundo ele, estão sobrando para a cana-de-açúcar áreas agricultáveis e hoje improdutivas. Talvez uma pista para a resposta esteja na troca de base social. Saem os movimentos sociais no campo e entra o moderno latífúndio monocultor. Não estranha que o governo se recuse a atualizar os índices de produtividade para efeito de desapropriação com vistas à reforma agrária. A tragédia se completa quando a essa inflexão soma-se a absoluta falta de uma estratégia nacional de expansão ordenada da fronteira agrícola.
O mesmo Lula que se enche de brios nacionalistas para contestar críticos como Jean Ziegler é incapaz de colocar sua liderança política a serviço de uma solução negociada para o conflito da Raposa/Serra do Sol. Prefere orientar-se apenas por referências externas. Qual é o foco da pressão internacional? Criar uma zona-tampão nas nossas fronteiras, controlada pelos povos indígenas. A quem, no momento devido, dar-se-á o necessário apoio para que se levantem em defesa da autonomia. Como em Kosovo. Como no Tibete. Como em Santa Cruz de la Sierra.
E o pior é que esse discurso encontra eco legitimador dentro do governo, para quem as fronteiras brasileiras estarão mais seguras se ficarem sob o cuidado dos povos indígenas, e não das Forças Armadas. É o antimilitarismo a serviço do antipatriotismo.
De cima do salto alto, o presidente e sua equipe recusam-se a abrir um diálogo construtivo com a sociedade brasileira, com as Forças Armadas e com o Judiciário sobre a Raposa/Serra do Sol. Tratam o assunto como se a luta dos brasileiros de Roraima em defesa de seus direitos fosse uma ameaça à segurança nacional. A que ponto chegamos. A segurança nacional invocada para atentar contra ela própria.
Atualização, às 11:56 - O senador José Sarney escreve sobre o tema hoje na Folha de S.Paulo. Vale a pena ler. Clique para acessar Fronteiras sangrentas.
Fonte: Blog do Alon
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