__________________________________________________ IPEA, contas externas e imprensa | | | |
por Paulo Passarinho | |
17-Jul-2008 | |
Há poucas semanas, a imprensa dita especializada - mas também o próprio Jornal Nacional, da TV Globo – voltou a colocar a direção do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômico Aplicada) na berlinda. Desta feita, foi a informação sobre mudanças na metodologia de elaboração e difusão de suas previsões e estimativas conjunturais, implementada pela diretoria do instituto, que provocou o novo ataque sincronizado. Assunto de natureza técnica, e de absoluta competência da direção do instituto, virou tema até mesmo do jornalista Elio Gáspari. Acusação: mais um ato "obscurantista" da direção de Márcio Pochmann e João Sicsú, vistos pela turma do mercado financeiro como economistas não confiáveis. A referência ao novo ataque sincronizado reporta-se à tentativa de desmoralização da atual direção do IPEA desde o início da sua gestão, assunto já abordado por mim no artigo "A campanha de difamação contra a direção do IPEA". De nada valeram as explicações fornecidas – e absolutamente claras e lógicas – pelos dirigentes do órgão. O IPEA volta-se para estudos de médio e longo prazos, e suas avaliações conjunturais devem se situar dentro desse contexto. Portanto, não devem estar centradas e priorizadas em variáveis de curto prazo, e de uma forma muito limitada. A nova proposta incluía ainda o compromisso de dar respostas às previsões feitas pelos seus técnicos e eventualmente não concretizadas. Uma bela novidade que deveria ser elogiada pelos caçadores de obscurantistas. Afinal, até onde lembro, pela primeira vez uma instituição estabeleceu como rotina avaliar os seus erros. O fato é que a medida incomodou, pois a forma anterior de elaboração do Boletim de Conjuntura atendia claramente aos objetivos do mercado financeiro e ajudava a reforçar o discurso único da visão econômica liberal. Aliás, para os atuais defensores da pluralidade ideológica, a verdade é que o IPEA, nos últimos anos, havia – como lembra um amigo – se transformado em um instrumento de propaganda e agitação neoliberal, sem que as vozes que agora se manifestam tenham se feito ouvir. Porém, o mais importante foi a divulgação da Nota Técnica, agora em julho, com a avaliação das previsões, realizadas em março, sobre os resultados das transações correntes do balanço de pagamentos – os números das contas de comércio e serviços do Brasil com o exterior – e a apresentação de novas estimativas. A nota informa que o déficit em transações correntes atingiu o valor de US$ 649 milhões em maio, totalizando US$ 15,2 bilhões em 12 meses. No acumulado do ano, o resultado já está em US$ 14,7 bilhões, valor superior à projeção para o ano corrente, realizada em março, de déficit de US$ 11,5 bilhões. E, conforme o prometido, a Nota Técnica explica "as razões que fizeram aquela previsão ter sido superada pela realidade - explicitando e analisando os principais fatores responsáveis pelo erro cometido". O principal fator responsável pela deterioração nas transações correntes foi atribuído às remessas líquidas de lucros e dividendos. Com o resultado de maio, o acumulado no ano já totaliza um déficit de US$ 15,6 bilhões. Na comparação com o mesmo período do ano passado, este valor representa uma variação de 93%. Para o IPEA, o crescimento da remessa de lucros e dividendos ao exterior é reflexo, basicamente, da expansão da atividade econômica, do elevado estoque de capital estrangeiro investido no país e da apreciação da taxa de câmbio. É destacada a sincronia entre o início da apreciação nominal da taxa de câmbio e a aceleração da remessa de divisas, no início de 2003. A nota lembra que a valorização cambial, associada ao efeito da expansão econômica, aumenta a rentabilidade em dólares dos investimentos realizados e acrescenta ainda que o efeito da escassez de liquidez internacional, proveniente da crise das hipotecas no mercado imobiliário americano, faz com que filiais de empresas estrangeiras aqui no Brasil acelerem o envio de lucros às suas matrizes. As previsões do IPEA para o saldo em transações correntes, realizadas na Carta de Conjuntura de março, incorporavam um cenário de redução do saldo da Balança Comercial, com a conseqüente piora nos resultados já negativos da conta corrente. Contudo, a nota admite, o déficit referente à remessa líquida de lucros e dividendos apresentou uma aceleração muito forte, "não prevista pelos nossos modelos", que exige a revisão das projeções realizadas anteriormente. Outro erro, também assumido, foi a estimativa feita para o saldo da Balança Comercial, maior do que o valor que certamente teremos até o final do ano, o que também obrigou a uma revisão do número inicial. Comparando-se, por exemplo, os primeiros cinco meses de 2008 com o mesmo período de 2007, o saldo comercial caiu quase 50%, passando de US$ 16,758 bilhões para US$ 8,655 bilhões, onde o processo de valorização do real frente ao dólar é o principal fator a indicar a razão desse quadro. Com as revisões – e explicações – apresentadas, o valor do saldo da balança comercial, previsto inicialmente pelo IPEA para ficar entre US$ 23,8 bilhões e US$ 27,3 bilhões, é estimado agora para se situar entre US$ 21,6 bilhões e US$ 25,1 bilhões. E a projeção para esse ano do déficit em transações correntes pulou para um intervalo entre US$ 27,5 bilhões e US$ 34,5 bilhões. Com esses novos dados e estimativas, confirma-se o quadro de dependência do país à entrada de capitais externos, sob a forma de aplicações financeiras ou para aquisição de empresas e/ou novos investimentos produtivos. E mais uma vez se destaca o equívoco de uma política que amplia o endividamento público, nos torna dependentes de capitais especulativos e desnacionaliza o parque produtivo nacional, entre outras graves mazelas. Para finalizar, cumpre destacar que, após a divulgação dos seus novos números, a direção do IPEA não foi contemplada por nenhuma consideração de relevo – até pelo ineditismo de sua iniciativa – por parte dos críticos da imprensa e novos paladinos da pluralidade ideológica, tão rara nos próprios veículos em que trabalham. Paulo Passarinho é economista e vice-presidente do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro. Fonte: Correio da Cidadania __________________________________________________________________________ Gestão e decadência da economia nacional Por Marcio Pochmann Essa situação parece ser uma importante marca negativa da evolução da economia brasileira durante 25 anos. Entre 1950 e 80, por exemplo, o crescimento foi de cerca de 4% ao ano, permitindo sua quintuplicação em três décadas. Se contrastarmos a posição brasileira com as de outras nações, as evidências da regressão são muito mais marcantes. Em 2005, por exemplo, a renda per capita do Brasil foi menor que um quinto da dos Estados Unidos, enquanto em 1980 chegou a representar um terço. O motivo é a ridícula expansão do PIB. Entre 1990 e 2005, por exemplo, o aumento foi de 30,7%, enquanto a China cresceu 445%, a Coréia, 158%, o México, 157% e a Turquia, 100%. Nas últimas duas décadas, as taxas de investimento permaneceram relativamente baixas em proporção ao PIB, o que indica uma reduzida capacidade de recomposição e ampliação do parque produtivo nacional. Mesmo durante as fases de recuperação da produção, como entre 1993 e 97, não foram retomados significativamente os investimentos públicos e privados. A recuperação econômica sem retomada dos investimentos ocorre fundamentalmente pela ocupação da capacidade ociosa. Tão logo atinge o seu limite, inicia-se mais uma vez o movimento de desaceleração da produção, tendo em vista a pressão da demanda sobre a importação ou a elevação do nível do custo de vida. Nessas circunstâncias, a política macroeconômica termina por induzir a elevação das taxas de juros como forma de conter o crédito e o consumo interno (queda na massa de rendimentos). Inibe-se, assim, a pressão por elevação dos preços internos, bem como se desafoga a demanda por produtos importados. Ademais, convém destacar o movimento econômico em torno da financeirização da riqueza em meio à relativa estagnação dos investimentos na produção. Assiste-se a um movimento mais geral de reestruturação patrimonial, produzido pelos grandes empreendimentos do setor privado frente à ausência de perspectivas de ampliação significativa do processo de acumulação de capital produtivo. Por conta disso, há um elemento de ordem estrutural na dinâmica capitalista atual que transforma o setor público no comandante da produção de uma nova riqueza financeirizada, apropriada privadamente na forma de direitos sobre títulos da dívida pública. Não parece haver dúvidas de que o principal sustentáculo do ciclo da financeirização de riqueza tem sido o Estado. Para reverter o quadro de alto endividamento público, ao redor de 50% do PIB, as opções das elites dirigentes do país – que se traduzem em seus esforços voltados ao constante ajuste das finanças – não se mostraram suficientes. Em grande medida, o contínuo desajuste nas finanças públicas decorre do próprio ciclo de financeirização da riqueza (altos juros pagos pelos títulos da dívida pública). Assim, para dar conta da contínua geração de direitos de propriedade assumidos na venda de títulos, tornou-se imperativo implementar um padrão de ajuste regular que tem conseqüências perversas para a imensa maioria da população, excluída do ciclo da financeirização. Esse padrão tem sido o aumento da carga tributária (que é mais pesado para os mais pobres), bem como a relativa contenção do gasto social, a desvinculação das receitas fiscais da área social e a focalização das despesas em ações de natureza mais assistencial do que de universalização de bens e serviços públicos. Não obstante a perversidade com que o atual padrão de ajuste fiscal vem sendo implementado nas duas últimas décadas – que gera, por conseqüência, o desajuste social –, percebe-se que o Brasil está hoje diante da possibilidade de uma escolha entre, de um lado, a maior ortodoxia na contenção do gasto público e, de outro, a constituição de um caminho heterodoxo. A opção por programas conservadores tem correspondido ao maior custo social, que distancia da possibilidade de enfrentamento sustentado da crise do trabalho e da concentração da renda. Está mais do que na hora de se investir no desenvolvimento com inclusão social, que requer medidas decisivas de enfrentamento dos interesses da financeirização da riqueza. Isso não pode ser função exclusiva de um governo, mas de todos os segmentos sociais favoráveis à construção de um Brasil que seja realmente para todos. Fonte: Revista Fórum ___________________________________________________________________ |
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