terça-feira, 1 de julho de 2008

Do Diabo ao Bafômetro



por Wálter Fanganiello Maierovitch

Toda vez que escuto a expressão tolerância zero fico incomodado. Ela faz parte da doutrina norte-americana chamada “Da Lei e da Ordem”. Os governos e os congressistas norte-americanos acreditam que basta a ameaça de punição contida na lei para inibir as infrações.

Com a drogas proibidas eles se enganaram. Os norte-americanos são os maiores consumidores mundiais de cocaína, maconha e anfetaminas.

O Rudolph Giuliani, político estadunidense, ficou famoso, no seu primeiro mandato de prefeito de Nova York, com a sua política de Tolerância Zero. Pelas ruas, pessoas embriagadas eram caçadas e passavam 24 horas detidas: ava a tropa policial dos perseguidores de bebedores de cerveja, que urinavam nas ruas.

No segundo mandato, percebeu-se que a polícia municipal de Giuliani era arbitrária, violenta e seletiva, pois investia contra hispânicos, negros e homossexuais. Dada a rejeição por parte dos hispânicos, negros e minorias, o republicano Giuliani renunciou à sua candidatura para o senado: aquela vencida pela Hillary Clinton.

Na disputa da convenção republicana para a presidência dos EUA, Giuliani quis apenas aparecer na fotografia, sendo preterido logo nas primeiras prévias. Em síntese, desistiu rapidíssimo ao perceber a “tolerância zero” à sua pretensão presidencial.

No Brasil, faz tempo que os políticos e os candidatos se apresentam com discursos de “tolerância zero”. São populistas e querem pena de morte, prisão perpétua, censura, fim de garantias constitucionais, etc, etc.

A nova legislação sobre consumo de bebidas alcoólicas por condutores de veículos, em vigor desde 2º de junho passado, estabelece a “tolerância-zero”. Nenhuma gota. Mas, como se sabe que os testes com bafômetros são condenados nos países europeus do Primeiro Mundo, estabeleceu-se uma “margem de erro”, a ser referendada pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran>, de 0,2 decigramas de álcool por litro de sangue.

Vira crime, se no etilômetro (popular bafômetro), der 3/10 de miligrama por litro de ar expelido pelo pulmão, ou seja, 0,6 decigramas de álcool por litro de sangue.

Quando estudava a nova legislação (lei n.11705 e decreto 6488), lembrei de uma maravilhosa lenda árabe.

A lenda conta que o diabo, no tempo de um Adão já pecador, irrigou a primeira parreira com o sangue de três animais: macaco, leão e porco. Esses três animais, com o passar do tempo, passaram a simbolizar as três fases da embriaguez pelo álcool.

Sobre esses três animais, já cansamos de cruzar com eles no trânsito a dirigir automóveis, motos e caminhões.

Na fase do macaco, o motorista fica falante, desatento, irriquieto e com os mecanismos inibitórios livres para as imprudências. Na segunda fase da embriaguez, o motorista vira leão. Fica irritado e violento . E o seu dedo-médio esticado fica incontrolável. Sempre sai pela janela na esperança de arrumar uma encrenca. A terceira fase é a do porco, ou seja, é aquela da sonolência que conduz o veículo automotor, desgovernado, para os postes, abismos e tragédias.

Por evidente, o cidadão com consciência social usa cinto de segurança e sabe quando não deve dirigir. Como nem todos são civilizados, e cresce o número de acidentes com motoristas embriagados pelo álcool ou outras drogas, abre-se o campo para a elaboração de legislação torneada nos moldes da supracitada doutrina da “Lei e Ordem”.

Nos países europeus do Primeiro Mundo, que investem na educação e em campanhas informativas, as leis de trânsito ficaram igualmente severas. Uma espécie de cotonete, a ser molhado com a saliva do motorista, é empregada pelos agentes de vigilância das estradas. O bafômetro já era. Por não ser confiável e depender de permanentes aferições, foi reprovado pela Justiça dos países europeus desenvolvidos.

Os tais cotonentes, --com reagentes químicos-- são mais baratos que os bafômetros. No teste positiva fica demonstrado, pelas cores diferentes, se o motorista usou álcool, cocaína, maconha, etc.

Nossa nova legislação é das mais rígidas do planeta. Até 0,6 decigramas de concentração de álcool por litro a infração tem natureza administrativa. Mais do que isso, vira crime.
E no âmbito criminal, existe a garantia constitucional de que ninguém está obrigado a produzir prova contra si próprio. Como diria o nosso Mino Carta, --que passou com grau máximo na prova eliminatória de latim da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (Universidade de São Paulo) e lembra os brocardos forenses latinos--, “meno tenetur se detegere”.

Com efeito. Não vai pegar, nos casos de infrações penais, a tese de que o motorista não teria direito de recusar o teste do bafômetro, pois apensas contaria com uma permissão do poder público para dirigir. E permissão sujeita às regras do código de trânsito.

Não é bem assim no âmbito criminal. Há uma garantia constitucional, ou seja, é legítima a recusa de se auto-incriminar.

E a presunção pela recusa prevista na nova lei fere a constituição. No caso de recusa, tem que se fazer as provas indiretas e recolher testemunhos.

Em tempo: o delegado não pode exigir que o suspeito faça o quatro, pois, ao cair, também faz prova incriminadora. Se ele vomitar, na delegacia, também não se pode colher material para exame laboratorial.

(Crédito da foto: Fabio Pozzebom/ABr)

Fonte: Carta Capital
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