por Filipe CoutinhoAfetado, a cada Legislatura, por ondas de escândalos de toda ordem, o Congresso Nacional não tem colaborado para reverter a péssima imagem do Parlamento junto ao eleitorado. Dominado pelo corporativismo e avesso a políticas de transparência, o Legislativo pouco tem feito para apurar, de fato, as denúncias de corrupção contra deputados e senadores.
Levantamento feito por
CartaCapital demonstra que, em média, os projetos de lei anticorrupção estão em tramitação há quatro anos e estão parados há um ano. No total, são 67 propostas na Câmara dos Deputados e 26 no Senado.
A pesquisa foi feita a partir das seguintes expressões: corrupção, enriquecimento ilícito, improbidade, foro privilegiado, acesso a dados, peculato, prevaricação, decoro e transparência. O levantamento não contabilizou as apensações, ou seja, projetos semelhantes e com tramitação em conjunto. Também foram excluídas as propostas arquivadas e as transformadas em normas jurídicas.
Para evitar distorções,
CartaCapital pediu a colaboração das comissões de Constituição e Justiça da Câmara e Senado, além da comissão de Trabalho, Administração e Serviço Púbico da Câmara. Nem todas as sugestões foram incorporadas ao levantamento, pois parte dos projetos tratavam de pauta voltada para a ética na política, e não diretamente do combate à corrupção.
Se alguns destes 93 projetos estivessem aprovados, muitos escândalos protagonizados por políticos nos últimos anos teriam outro desfecho. O Projeto de Lei Complementar (PLP) 35/03, do deputado Davi Alcolumbre (PDT-AP), pretende acabar com uma das artimanhas mais comuns dos políticos: a renúncia para evitar a perda dos direitos políticos. O ex-prefeito de Juiz de Fora (MG) Carlos Alberto Bejani (PTB), por exemplo, foi preso duas vezes pela Polícia Federal em menos de três meses, acusado de receber propina. Entretanto, de dentro da prisão, Bejani renunciou no dia 16, a fim de não se tornar inelegível.
A lei também seria uma dor de cabeça para os deputados Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Paulo Rocha (PT-PA). Os dois renunciaram durante a crise do mensalão e foram reeleitos em 2006. O mesmo ocorreu, em 2001, com os então senadores Antonio Carlos Magalhães, do ex-PFL, e José Roberto Arruda, então do PSDB, envolvidos na quebra do sigilo do painel eletrônico do Senado Federal. ACM, falecido no ano passado, renunciou e conseguiu se reeleger, em 2002. Arruda tomou o mesmo caminho, foi eleito deputado federal pelo ex-PFL e, atualmente, é governador do Distrito Federal. Apresentado em 2003, o projeto de lei de Alcolumbre aguarda votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara há 14 meses.
Segundo o cientista político e professor da Universidade de Brasília (UnB) David Fleischer é “extremamente difícil” a aprovação de leis anticorrupção, pois elas afetam diretamente o cotidiano dos políticos. “A saia está mais justa. Se antes o corporativismo já tornava tudo mais difícil, imagine agora que o Supremo Tribunal Federal está aceitando com mais freqüência processos de corrupção”. Além disso, de acordo com o cientista político, estima-se que de 30% a 40% dos deputados enfrentam processos no STF. “Se o político já está ameaçado dessa maneira, ele jamais vai votar a favor desse tipo de lei”, conclui Fleischer.
Uma das prioridades dos textos é tornar as punições mais severas. São 29 proposições nesse sentido. Há projetos para tornar a corrupção imprescritível ou até mesmo crime hediondo, junto com homicídio, estupro e seqüestro. Para o advogado criminalista e presidente do Tribunal de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil, do Distrito Federal, Luís Maximiliano Telesca, tornar a punição mais rígida não irá coibir a corrupção. “A questão não é deixar as penas mais rigorosas, e sim mais eficazes”, afirma. Segundo o advogado, o combate à corrupção seria mais eficaz se houvesse uma “cultura de punições mais rápidas”.
O senador Pedro Simon (PMDB-RS) é o parlamentar com o maior número de propostas, com seis das 26 em andamento no Senado. Segundo Simon, a dificuldade de aprovar leis anticorrupção é resultado de corporativismo dos políticos. “A corporação está acostumada com a impunidade”, afirma. Mas, para o senador, o impasse está também no Judiciário. “Ninguém que tenha um bom advogado é condenado. É possível protelar o processo por anos e anos”, diz.
Mas não faltam projetos para acelerar o andamento dos processos na Justiça. O Projeto de Lei 379, de 1999, de autoria da ex-deputada Iara Bernardi (PT-SP), dá prioridade para o julgamento de casos de improbidade administrativa e obriga o julgamento, inclusive, em períodos de recesso forense. O relator da matéria na CCJ do Senado, Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), emitiu parecer favorável há quase cinco anos. Desde então, a proposta aguarda votação.
Em relação à impunidade, a principal medida é a extinção do foro privilegiado. A discussão está avançada. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 130/07 foi aprovada no dia 11 de junho por comissão especial. Agora, deverá ser votada nos Plenários da Câmara e Senado. Mas as benesses não são direito somente dos políticos. A PEC 178/07, do deputado Raul Jungmann (PPS-PE), quer acabar com uma distorção anacrônica. Muitos magistrados condenados têm como “punição” a aposentadoria compulsória. A proposta de emenda aguarda criação de comissão especial.
Para o diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, Cláudio Weber Abramo, a melhor forma de combater a corrupção é a prevenção. “Deve-se regulamentar as situações que dão vulnerabilidade para a corrupção”, diz. Entre elas, Abramo cita os cargos de confiança. “Os governantes compram os partidos políticos em troca de apoio parlamentar. Na contrapartida, eles fecham os olhos”, afirma.
A grande diferença entre a quantidade de propostas na Câmara e Senado tem motivos. Além de haver mais deputados, há duas comissões na Câmara que tratam freqüentemente da corrupção: a CCJ e a de Trabalho, Administração e Serviço Público (CTASP). No Senado, tido como a “Casa revisora”, os trabalhos se concentram na CCJ. Lá, estão 22 dos 26 projetos em tramitação no Senado, mas metade dos projetos não tem sequer relator designado.
Segundo o presidente da comissão, senador Marco Maciel (ex-PFL-PE), a tramitação desses processos no Senado está “dentro da normalidade”. “Não há qualquer tipo de problema na tramitação. Pelo contrário, a comissão tem como prioridade combater a impunidade”. O senador justificou o acúmulo de projetos em razão do regimento interno, que obriga a qualquer projeto de lei a passar pela CCJ. Na Câmara, a situação é mais difusa, devido ao maior número de parlamentares e comissões. E, por isso, a tramitação está mais avançada: 18 projetos estão no Plenário da Câmara, enquanto, no Senado, são apenas três.
Como não poderia deixar de ser, vem justamente do deputado Paulo Maluf (PP-SP) um projeto de lei na contramão das diversas tentativas de viabilizar o andamento dos processos no Judiciário. Às voltas com processos de corrupção e improbidade administrativa arrastados por anos, Maluf apresentou o PL 265/07 para punir quem faça acusações de “má-fé ou perseguição política”. Se aprovado, membros do Ministério Público estarão sujeitos a detenção de até dez meses e pagamento de indenização por danos morais ao denunciado. O PL, contudo, não define o que seria a tal “ação com má-fé” a qual o deputado tanto teme.
Como justificativa, Maluf se vale da “dignidade” das autoridades para tentar por obstáculos ao trabalho do Ministério Público. “O abuso recorrente de ações destinadas à proteção do patrimônio público gera situações vexatórias que desgastam irreparavelmente a honra e dignidade de autoridades injustamente acusadas”, diz o texto. O projeto de lei de Maluf foi aprovado pela CCJ da Câmara no início de maio e aguarda para entrar na pauta do Plenário.
(Crédito da foto: C. Júnior/Agência Câmara)
Fonte:
Carta Capital
Muito discurso, pouca prática
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