Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje (01/07) no Correio Braziliense.
Tenho a curiosidade de saber se haverá algum candidato a prefeito que defenda a redução dos investimentos públicos em saúde e educação, ou o corte nos benefícios dados aos pobres
Por Alon Feuerwerker
alon.feuerwerker@correioweb.com.br
As homenagens a Ruth Cardoso por ocasião de sua morte, na semana passada, foram unânimes em apontar a importância dela para o desenvolvimento dos programas sociais durante o governo do marido, Fernando Henrique. Nada mais justo. Ruth Cardoso está entre os brasileiros a quem o país agradece por terem lançado as pedras fundamentais de uma nova cultura, segundo a qual é razoável o governo repassar dinheiro dos impostos para pessoas e famílias que vivem abaixo dos patamares mínimos de civilização.
É verdade, também, que nos últimos anos o partido de dona Ruth, o PSDB, andou derrapando no assunto. Tem origem tucana a expressão “bolsa esmola”. O epíteto talvez seja o símbolo mais nítido e acabado da confusão mental em que o tucanato mergulhou quando percebeu que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva não seria o desastre imaginado. Assim como o afogado que se debate em pânico por não saber nadar, o PSDB passou os últimos anos debatendo-se com a realidade de uma administração petista que tinha resultados a apresentar. Não conseguiu compreendê-la ou, tampouco, buscar um caminho para fazer oposição eficaz. O resultado é conhecido.
Não faltam fundamentos intelectuais para o equívoco cristalizado na expressão “bolsa esmola”. Por décadas, um certo pensamento de esquerda cultivou a ojeriza ao que antes se chamava, pejorativamente, de “assistencialismo”. Como gostava de notar Leonel Brizola, era mais uma manifestação das idéias da “esquerda de que a direita gosta”. Os progressistas juntavam-se aos conservadores na crítica. Para uns, programas sociais poderiam eventualmente anestesiar politicamente as massas trabalhadoras. Para outros, gastar recursos públicos com os pobres era simplesmente dinheiro jogado fora.
Mas isso agora é História. O elitismo, de todos os matizes políticos, foi derrotado pelos fatos. E a prova é que vivemos um período de pensamento único, só que de sinal trocado. Não há hoje político que dispense de seu discurso a ênfase nos programas sociais. Melhor ainda: não há político que, no poder, abra mão de praticar algum tipo de assistencialismo. Se isso é bom ou ruim, trata-se de uma discussão para acadêmicos. E os há para todos os gostos. Na vida real, entretanto, do Democratas ao PCdoB, passando pelos criadores do “bolsa esmola”, só o que se vêem são candidatos prometendo gastar mais e mais dinheiro com os pobres. Repassando renda ou investindo em serviços públicos.
Aqui e ali, entretanto, ouvem-se os murmúrios de um passado que talvez não se conforme em morrer. Volta e meia, protesta-se contra a suposta falta de “portas de saída” para os beneficiários dos programas de distribuição de renda. A crítica, mesmo que bem intencionada, talvez sofra de preconceito social. A mãe pobre manda o filho para a escola porque sonha com o dia em que o menino, ou menina, mude de vida. E não porque eventualmente tema perder o dinheirinho que o governo dá no final do mês.
Curioso é que a grita geral pela exigência de contrapartidas vindas dos pobres inscritos nos programas sociais não se repete quando o assunto são as verbas destinadas pelo Estado às camadas sociais mais acima. Os grandes agricultores, por exemplo, podem tranqüilamente transformar empréstimos do Banco do Brasil em uma espécie de “bolsa calote”, sem que recebam em troca nem um milésimo dos vitupérios dirigidos aos beneficiados pelo Bolsa Família. Ao contrário. Sai governo, entra governo, os caloteiros do campo dormem tranqüilos, na certeza de que virá de Brasília algum tipo de perdão para as dívidas que acumulam enquanto seus negócios vão cada vez melhor.
Coisas do Brasil. Mas não vou perder o tom desta coluna, que é de otimismo. Dona Ruth só recebeu as devidas homenagens depois de morta. Paciência. Pena que a disputa do poder talvez seja um entrave quase intransponível para que se reconheçam ainda em vida os méritos do políticos.
Por isso mesmo, é mais útil prestar atenção ao que os políticos fazem do que ao que eles dizem. Estou curioso para saber se haverá algum candidato a prefeito, em alguma das milhares de cidades brasileiras, que defenda na campanha eleitoral deste ano a redução dos investimentos públicos em saúde e educação, ou o corte nos benefícios dados aos pobres. Como é impossível para qualquer jornal ou jornalista monitorar tudo, fica aqui o pedido. Se você souber de um caso assim, peço encarecidamente que nos avise. Certamente será notícia.
Fonte: Blog do Alon
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